quinta-feira, 11 de setembro de 2025

Ninguém fala de graça na televisão, Mauricio Stycer- FSP

 Onde termina uma reportagem e começa um documentário? A série "Máfia do Apito", sobre um esquema de manipulação de resultados de partidas de futebol, é a enésima produção recente que mostra como são embaçados os limites entre uma coisa e outra.


Criação de Bruno Maia, da produtora Feel the Match, e coproduzida pelo SporTV, canal de esportes da Globo, a série tem como maior interesse os depoimentos altamente reveladores de dois dos protagonistas do escândalo que marcou o Campeonato Brasileiro de 2005: o ex-árbitro Edilson Pereira de Carvalho e o empresário Nagib Fayad, conhecido como Gibão.

Um homem está sentado em um ambiente interno, com uma expressão pensativa. Ele usa uma camisa jeans de manga longa e está tocando o rosto com a mão. Ao fundo, há uma sala com móveis e uma televisão. A iluminação é suave, criando um ambiente acolhedor.
O ex-árbitro Edilson Pereira de Carvalho em entrevista para a série 'Máfia do Apito' - Divulgação/Globo


Meio ingênuo, meio inconsequente, abusando da naturalidade, Edilson descreve em detalhes várias falcatruas que cometeu desde o início da carreira como árbitro de futebol. "Edilson é uma figura, para não dizer patética, infantil", resume, diplomaticamente, o então promotor Roberto Porto. É tão burro que talvez não soubesse para quem deveria roubar, diz um outro entrevistado.

Já Gibão, que contratou os serviços do então árbitro, busca minimizar o seu papel na história. Debochado, dá depoimento tomando uísque deitado num inflável, dentro de uma piscina. O empresário afirma que mais perdeu do que ganhou ao pagar para Edilson manipular resultados de algumas partidas.

No mesmo dia em que a série estreou na plataforma Globoplay, a repórter Livia Camillo, no UOL, informou que o depoimento de Edilson foi dado em 2023 à agência de comunicação Join em troca de um cachê de R$ 50 mil, pago em parcelas de R$ 3.000. A Join é creditada como produtora associada da série.

Em momento algum o espectador é avisado de que a performance de Edilson diante das câmeras foi remunerada. Alguma coisa a mais foi combinada com o ex-árbitro? E a entrevista de Gibão, também foi paga? Não sabemos. É correto premiar com dinheiro um acusado de comportamento criminoso ou antiético?

Edilson Pereira de Carvalho dá entrevista sobre a Máfia do Apito após ser afastado da profissão - César Rodrigues,/TBA/Folha de S.Paulo


É verdade que, em 2005, não havia uma lei sobre fraudes esportivas no Código Penal, o que facilitou a absolvição de Edilson e Gibão. O caso chegou até o Superior Tribunal de Justiça (STJ), mas os crimes de que foram acusados, estelionato e formação de quadrilha, prescreveram no meio do caminho.

Tabloides sensacionalistas, na Inglaterra e nos Estados Unidos, muitas vezes pagaram por informações exclusivas, mas no jornalismo sério e respeitado isso é inaceitável. Ao fazer revelações em troca de dinheiro ou de alguma outra vantagem, o entrevistado tem a sua credibilidade colocada em xeque (e em cheque).

Já os documentários de "true crime", ou "crime verdadeiro", como "Máfia do Apito", ao pagarem por depoimentos, fazem uma promessa que não podem cumprir com certeza. Na realidade, navegam por um território indefinido, que mistura jornalismo com entretenimento, verdade com show –é o "true show crime".

Questionada a respeito, a Globo lava as mãos e afirma que apenas "adquiriu os direitos de exibição da obra". Ainda assim, tanto na abertura quanto no fim de cada episódio, o SporTV aparece com o crédito de produtor. Produtor do que, se a empresa afirma já ter comprado a obra pronta?

Bruno Maia, criador da série, defende o pagamento a Edilson. "Não estou fazendo jornalismo. Não estou no Jornal Nacional. A nossa obra já nasce comercial. Todo mundo ganha em cima do cara. É natural que ele também receba", diz. "True crime é o gênero que mais rende audiência no Brasil", acrescenta.

O caso chama a atenção para a falta de transparência sobre pagamentos a acusados de crimes e para a pouca clareza sobre os créditos da produção. É uma discussão que merece ser aprofundada.

Sérgio Rodrigues - A careca, a peruca e um toque de Millôr, FSP

 Precisamos falar da falacrofobia, nome culto do ódio aos carecas. Relutei por anos em abordar o tema, sendo parte evidentemente interessada, como todo mundo está careca de saber –mas mesmo o emprego dessa expressão popular requer cuidado.

Em primeiro lugar, que palavra é essa, falacrofobia? De formação erudita –falacr(o), calvo, mais fobia, medo, aversão–, costuma ser usada apenas em referência ao pavor que o cidadão tem de perder o cabelo.

Não me passaria pela cabeça (opa) menosprezar o sofrimento inerente a essa condição. É provável que todo careca orgulhoso da história –de Yul Brynner a Michel Foucault, de Sean Connery a Alexandre de Moraes– tenha passado por esse estágio um dia, na fase inicial da queda de sua amada fiação queratinosa.

Um homem calvo, com pele clara, está sentado em uma cadeira, com as mãos unidas em frente ao rosto. Ele usa uma roupa formal, com uma camisa branca e uma gravata preta com listras verdes. O fundo é de madeira escura, e ele parece estar em um ambiente de tribunal ou sessão formal.
Alexandre de Moraes no julgamento da tentativa de golpe - Evaristo Sá/AFP

No entanto, passou da hora de ampliar o arco semântico da palavra. Falacrofobia é também o ódio que, consumada a hecatombe dos folículos, muitos cidadãos passam a devotar à sua imagem sem telha no espelho.

Ao se voltar dessa forma contra si mesmo, o indivíduo desprovido de pelo no coco que não ousa dizer seu nome torna-se traidor de sua condição e aliado daqueles setores sociais –aliás amplos– que a ela dedicam um escárnio risonho e manso.

Estamos falando do último dos preconceitos de aparência ainda não criminalizado –fato social cujo nome, mais uma vez, só pode ser falacrofobia.

Trata-se de um preconceito renitente, desencanado, que resiste aos galãs máquina zero multiplicados na paisagem cultural desde fins do século, como antes tirara de letra o sucesso da marchinha de Carnaval que garantia ser dos carecas que elas gostam mais.

Nas garras de uma autoimagem torturada e confusa, o indivíduo autofalacrofóbico que tem certo poder aquisitivo conta hoje com toda uma indústria, de remedinhos a implantes. A "cura careca" é normalizada em nossa sociedade.

Apesar disso, certos falacrofóbicos ainda se apegam àqueles artefatos primitivos conhecidos como perucas, cabeleiras naturais ou artificiais coladas na cabeça com o intuito de enganar o mundo –embora o mundo nunca se engane e saiba que cabeludo é uma coisa e perucudo, outra.

O português foi buscar a palavra peruca há muitos séculos no francês "perruque", que era um decalque do italiano "perucca" –que, no fim das contas, ninguém sabe de onde veio.

No julgamento de Bolsonaro e sua gangue, a luta antifalacrofóbica tem a oportunidade rara de despertar consciências para o valor de uma cabeça lustrosa, com sua linguagem pelada, em comparação com o dumping de juridiquices pilosas de uma peruca.

Um homem com cabelo grisalho e liso, usando uma toga preta e uma gravata azul, está sentado em uma cadeira vermelha. Ele está de perfil, olhando para o lado, com uma expressão séria. O fundo é neutro e claro, destacando a figura do homem.
Luiz Fux no julgamento no STF - Gabriela Biló/Folhapress

Uma vez, num debate público (sobre a crase!) que travei com Millôr Fernandes no Jornal do Brasil, observei que ele estava "careca de saber" alguma coisa, como eu também estava. Era o ano de 2002, eu estava com 40 anos e, se tinha mais cabelo do que tenho hoje, já os mantinha na disciplina da máquina. O grande artista careca respondeu com uma quadrinha:

"A triste certeza/ De que hoje estou de posse/ É que a minha calvície/ Nem ao menos é precoce."

Lançamentos de imóveis sem vagas de garagem mais do que dobram em SP, FSP

 O número de lançamentos de imóveis sem vagas de garagem mais do que dobrou neste ano na cidade de São Paulo. Considerando os primeiros sete meses, o número de unidades entregues saltou de cerca de 6.500 em 2024 para mais de 15,6 mil em 2025, segundo o Secovi-SP (sindicato patronal do setor imobiliário).

Ainda segundo a entidade, 43% dos empreendimentos lançados no último ano têm essa configuração, e o percentual sobe para 78% em condomínios erguidos dentro do programa federal Minha Casa, Minha Vida.

A imagem mostra uma rua urbana com edifícios modernos ao fundo. À esquerda, há uma fila de carros estacionados e, à direita, um prédio de vários andares com uma entrada visível. Algumas pessoas estão na calçada em frente ao prédio. Árvores sem folhas estão presentes ao longo da rua, e o céu está nublado.
Fachada de prédio sem garagem, na rua Frei Caneca - Rafaela Araújo/Folhapress

Os dados mostram que, apesar de haver mais apartamentos sem vagas no mercado imobiliário paulistano, a maioria dos lançamentos ainda tem garagem, embora restrita a algumas unidades.

Desde 2023 a revisão do Plano Diretor Estratégico permite que unidades com até 30 m² não tenham vagas, diferente da versão de 2002, que determinava uma para cada apartamento com até 200 metros quadrados e duas para unidades com metragens maiores.

Apesar de as unidades nesse perfil custarem, em média, de R$ 10 mil a R$ 30 mil a menos por metro quadrado, a decisão por esse tipo de imóvel não passa necessariamente pelo custo, segundo Ely Wertheim, CEO do Secovi-SP. "Está mais atrelada ao comportamento do mercado consumidor."

Em comum, são condomínios onde a maioria dos apartamentos tem metragem enxuta e localizados próximos a eixos de transporte público. "Quanto menor for o apartamento e mais próximos dos meios de transporte, menor é a necessidade de vagas de garagem", diz Wertheim.

Um desses empreendimentos foi lançado há poucos meses na rua Frei Caneca, na zona central de São Paulo. As unidades com até 37 metros quadrados são ofertadas a aluguéis de curta temporada a turistas e visitantes interessados na localização privilegiada, como Thales Vinicius Cardoso, 25, que escolheu se hospedar em uma das unidades durante estadia na cidade. "É muito fácil se locomover", diz.

Moradores da Frei Caneca, porém, reclamam que o aumento de prédios com esse perfil piorou o trânsito no local devido ao maior fluxo de carros por aplicativo.

A gestão do prefeito Ricardo Nunes (MDB), por meio da secretaria de Urbanismo e Licenciamento, diz que a revisão do Plano Diretor estabeleceu incentivos a empreendimentos habitacionais sem vagas de garagem em uma política de desestímulo ao uso do automóvel em prol do transporte público.