quinta-feira, 11 de setembro de 2025

Ministério cobra Ibama por obra assumida pelos Batistas, FSP

 O Ministério de Minas e Energia cobrou o Ibama pela segunda vez para que atualize o governo sobre o licenciamento da linha de transmissão que interligará a subestação de Humaitá (AM) e a de Nova Caladinho, em Porto Velho (RO), um projeto da Amazonas Energia, empresa recentemente adquirida pela Âmbar, dos irmãos Batista.

Como noticiou a Folha, na semana passada, a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) autorizou a transferência do controle da companhia para a Âmbar. A companhia se prepara para fazer uma injeção de quase R$ 10 bilhões para reestruturar as finanças da companhia, cuja dívida é de R$ 12 bilhões.

Os irmãos Wesley e Joesley Batista, da J&F
Os irmãos Wesley e Joesley Batista, da J&F - Iara Morselli e Marina Malheiros/Divulgação CNN Brasil

Considerada prioritária pelo Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE) desde fevereiro deste ano, a obra exigirá investimentos de R$ 210 milhões, mas, com o atraso de 38 meses, já consumiu R$ 526 milhões somente em subsídios, que já encareceram a conta de luz.

Sem a interligação ao SIN (Sistema Interligado Nacional), a região vem sendo atendida por uma usina movida a óleo diesel, que deveria ser desligada em abril de 2026, prazo em que as emissões de gases poluentes chegarão a 300 mil toneladas.

Segundo ofício enviado pela Secretaria Nacional de Energia Elétrica do ministério ao presidente do Ibama, o linhão terá 210 km e as obras, a cargo da Amazônia Energia, deveriam ficar prontas em dezembro deste ano.

Com o atraso, o governo foi obrigado a renovar o contrato por mais cinco anos ou até o momento em que a obra ficar pronta, o que ocorrer primeiro.

O projeto é o quarto na região amazônica que prevê o fim de geração a diesel. Recentemente, foram autorizados os linhões de Boa Vista/Manaus, última capital que faltava ser conectada ao SIN, e os de Itacoatiara e Cruzeiro do Sul.

Consultados, os ministérios de Minas e Energia e o Ibama não responderam.

Com Stéfanie Rigamonti

Regra que ajudou a regularizar cadastro de unipessoais no Bolsa Família pode cair na Justiça, FSP

 

Brasília

O número de famílias compostas por um único integrante (chamadas de unipessoais) entre os beneficiários do Bolsa Família caiu a 3,8 milhões em agosto deste ano. É o menor nível desde julho de 2022, quando teve início a escalada desenfreada desse grupo no rol de contemplados pelo programa.

A redução ocorre após o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) adotar uma série de regras para reverter e coibir o desmembramento artificial de famílias no Cadastro Único, tática que ampliou os ganhos de alguns beneficiários, mas também criou distorções.

As normas que ajudaram a induzir a regularização dos cadastros, no entanto, estão sendo colocadas em xeque pelo Judiciário. Uma ação movida pela DPU (Defensoria Pública da União) questiona o limite de 16% de unipessoais dentro do Bolsa Família, fixado pelo governo como forma de evitar fraudes e incentivar as prefeituras a revisar os cadastros.

App do programa Bolsa Família; regra do programa que ajudou a regularizar situação dos unipessoais é questionada na Justiça - Gabriel Cabral - 4.out.23/Folhapress

O caso foi parar na Turma Nacional de Uniformização, vinculada ao Conselho da Justiça Federal, diante da existência de decisões divergentes nos estados. No mês passado, o juiz federal Paulo Roberto Parca de Pinho, relator da ação, votou pela derrubada do limite por considerá-lo ilegal. Houve pedido de vista, e o tema deve voltar a julgamento no próximo dia 18.

A questão preocupa o MDS (Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome), que vê risco de retrocesso.

O governo Lula assumiu em janeiro de 2023 com 5,9 milhões de famílias unipessoais dentro do programa, quase 27% dos beneficiários. Apenas um ano antes, esse contingente era de 3,3 milhões, ou 19% do total.

Especialistas em políticas sociais consideram absolutamente improvável que o aumento de 76,6% no período tenha sido reflexo de uma expansão real de famílias unipessoais no Brasil. O resultado é creditado à decisão do então presidente Jair Bolsonaro (PL), que buscava a reeleição, de fixar um valor mínimo de R$ 600 por família, independentemente do número de integrantes —o que encorajou a divisão artificial dos cadastros.

Durante a campanha eleitoral, Lula prometeu manter o mínimo de R$ 600, apesar das críticas de especialistas de que o desenho era ineficiente. A garantia existe até hoje. Só em agosto, 17,7 milhões de famílias receberam um valor complementar para atingir o piso —ou seja 92% dos beneficiários ganhariam menos se fossem levadas em conta apenas as regras de pagamento per capita, consideradas mais equitativas.

Para tentar contornar as distorções geradas pelo piso de R$ 600, o MDS baixou uma série de regras para coibir fraudes e divisões indevidas de cadastro.

O governo passou a reter cópia digitalizada do documento de identificação e do comprovante de residência do requerente unipessoal, além de exigir assinatura de um termo de responsabilidade. Também começou a cobrar entrevista presencial, feita no domicílio, para conceder novos benefícios para famílias de um só integrante.

Em agosto de 2023, o MDS publicou a portaria que fixou o teto para famílias unipessoais: elas poderiam representar até 16% do total de beneficiários do programa. A linha de corte foi traçada com base no número de famílias unipessoais que a Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) Contínua indica existir de fato.

Municípios acima desse patamar não poderiam conceder novos benefícios a unipessoais sem antes fazer uma revisão dos já concedidos e eliminar as irregularidades. Naquela época, o percentual ainda estava em 23,4%, e mais de 3,7 mil municípios excediam o limite.

Hoje, cerca de 3,6 mil localidades têm mais unipessoais do que o permitido, mas a proporção média do país caiu a 19,8%. Ainda há espaço para avanços, mas eventual derrubada do limite pode, na visão do governo, causar retrocessos.

"É uma decisão judicial completamente equivocada. Me parece aquele tipo de decisão que não faz reflexão sobre o desenho da política, nem sobre as consequências. Ela tende a prejudicar famílias maiores [que recebem um valor per capita menor] e mais pobres", afirma Leticia Bartholo, diretora de Estudos e Políticas Sociais do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada) e ex-secretária de Avaliação, Gestão da Informação e Cadastro Único do MDS.

Segundo ela, o limite de 16% foi estabelecido até com alguma folga, para não prejudicar grupos mais vulneráveis, como indígenas, pessoas em situação de rua e acampados da reforma agrária.

Bartholo alerta que o momento da eventual derrubada do teto —às vésperas de um período eleitoral— pode se tornar um agravante. "No período das eleições municipais [2024], a gente viu movimentos atípicos. Como estávamos monitorando, conseguimos mandar já para a rede de fiscalização. [Nas eleições de 2026] É possível que haja também movimentos atípicos, que serão reforçados se o limite de 16% cair."

Na ação, a DPU argumenta que a portaria de 2023 foi editada sem base legal. No fim do ano passado, o governo incluiu na lei do Bolsa Família um artigo que obriga os municípios a observarem o limite máximo para famílias unipessoais. A Defensoria, porém, argumenta que a medida não pode retroagir para prejudicar as famílias e que elas já teriam direito a receber o benefício pelas regras em vigor na ocasião do pedido.

O Executivo, por sua vez, entende que o Bolsa Família é um programa de transferência de renda com dotação orçamentária anual. Isso significa que não basta preencher os requisitos para ter direito ao benefício, como ocorre no caso de aposentadorias, pensões e BPC (Benefício de Prestação Continuada), todas despesas obrigatórias. A gestão da política prevê fila de seleção e priorização conforme vulnerabilidade. Ou seja, o Executivo pode controlar as regras de concessão, na visão do governo.

Para Bartholo, outra forma de resolver as distorções seria mexer no desenho do programa —algo que ela reconhece ser politicamente sensível. Ela defende que o valor mínimo per capita, que já existe hoje, seja diferenciado por idade, um parâmetro considerado mais objetivo do que o número de integrantes da família.

"A gente deveria ter valores per capita superiores na primeira infância, como já tem, e também a partir dos 55 anos. Porque os corpos das pessoas mais pobres são mais cansados, envelhecem mais depressa. E muitas vezes, após os 50 anos, já tem muita dificuldade de reinserção no mercado de trabalho", diz.

"Esse piso familiar ficou consolidado, mas acho que é possível reverter, com a compreensão da sociedade de que pode criar um caminho mais justo e mais equitativo", avalia.

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