quinta-feira, 11 de setembro de 2025

Fux mentiu - Celso Rocha de Barros, FSP

  

Luiz Fux condenou os golpistas pobres que denunciaram seus chefes, como Mauro Cid, e absolveu os golpistas ricos e poderosos, como Bolsonaro e Garnier. Tudo o que disse em seu voto é mentira.

Fux mentiu que o STF não é o foro adequado para julgar Jair porque ele já deixou a Presidência. Na verdade, o foro privilegiado serve, entre outras coisas, para garantir que ex-presidentes não sejam soterrados por processos em primeira instância depois de deixarem seus cargos.

Um homem com cabelo grisalho, vestindo uma toga preta e uma camisa branca, está bebendo água de um copo transparente. Ele está sentado em uma cadeira vermelha e parece concentrado. O ambiente é formal, possivelmente um tribunal, com um microfone visível ao lado.
Luiz Fux no julgamento da trama golpista no STF, nesta quarta (10) - Gabriela Biló/Folhapress

Fux mentiu que Jair e seus generais não constituíram organização criminosa porque não usaram arma de fogo. Segundo o ministro, os kids pretos que tentaram matar seu companheiro de corte Alexandre de Moraes pretendiam apenas sufocá-lo com excesso de amor. Fux também parece acreditar que Jair não propôs um golpe aos chefes das Forças Armadas, mas sim ao Itamaraty e a duas professoras de ioga que estavam passando ali na hora.

Fux mentiu que o crime de golpe de Estado foi apenas um meio para a realização do crime de abolição do Estado de direito, e que, portanto, as penas não devem ser somadas. Isso pode ser verdade em alguns casos, mas não no caso de Jair: ele implementou simultaneamente a estratégia Orbán de tentar castrar institucionalmente o STF (abolição) e, sobretudo, mas não apenas, depois de perder a eleição, a estratégia Pinochet de tomar o poder violentamente (golpe). As penas devem ser somadas.

Fux mentiu sobre a tentativa de golpe ter ficado apenas em estágios preparatórios. Isso se mede pela distância entre até onde os criminosos foram e o resultado final por eles esperado. A distância é de um monossílabo, o "não" de dois comandantes militares.

Fux mentiu quando comparou o 8 de Janeiro a Junho de 2013. Entre as várias diferenças, destaco a seguinte: os black blocs foram reprimidos pela polícia, porque o secretário de segurança pública não era um ex-ministro de seu líder.

Fux mentiu sobre o diagnóstico da revista The Economist, e de seu instituto de pesquisa, a Economist Intelligence Unit (EIU), sobre o estado da democracia brasileira. Disse que a matéria de um "freelancer" (foram, na verdade, um editorial e uma capa) na revista havia exaltado o Brasil como modelo de democracia, mas que a EIU havia rebaixado a nota da democracia brasileira por restrições às redes sociais, polarização, e, sobretudo, pelo golpe tentado por Jair Bolsonaro.

Fux, a Economist achou ruim o Jair tentar um golpe e achou bom ele ser julgado. Qual o problema?

Finalmente, Fux nos pediu que ouvíssemos o relato sobre os crimes dos outros acusados sem nunca lembrar que o objetivo era instaurar Bolsonaro como ditador. Nos pediu que tratássemos os fracassos dos criminosos como provas de sua inocência.

Toda a longa digressão de Fux sobre a democracia é baseada em autores que citam Bolsonaro como um exemplo de retrocesso democrático. Fux só os citou para ajudar os golpistas a fazerem cortes de vídeo que sugerissem que o Brasil é uma ditadura, já dando, assim, sua contribuição para os golpes do futuro.

Moraes falou a verdade, Fux mentiu, mas seus votos divergem também em outros aspectos. Moraes optou por citar pouca doutrina e listar uma avalanche de provas. Fux citava autores convulsiva e ineptamente, sem nunca determinar que raciocínio específico dos autores citados livrava Jair e sua quadrilha da cadeia.

Fux, sua biografia agora é só seu voto sobre o golpe. Você é só o que traiu, o que se rendeu, o que encorajou Trump a impor mais tarifas, o que estendeu por mais alguns anos a instabilidade política que tanto mal já fez ao país, o que fortaleceu os fascistas dentro da direita brasileira.

Todos os juristas brasileiros sabem disso, inclusive os que eventualmente mentirem para você que não sabem. Aproveite a Disney.


Golpe segue em marcha, Fábio Tofic Simantob - FSP

 

Fábio Tofic Simantob

Advogado criminalista, é mestre em direito penal (USP) e conselheiro do Conselho do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD)

Existem três formas de o poder político anular condenações proferidas pelo Judiciário: a anistia, a graça e o indulto. A anistia é concedida pelo Congresso Nacional e anula as penas do crime e todas as suas consequências. O indulto e a graça são benefícios concedidos pelo presidente da República, o indulto para pessoas indeterminadas, e a graça para indivíduos de forma particularizada. O Brasil já teve algumas anistias. Alguns exemplos recentes são a lei promulgada ainda na ditadura militar que anistiou tanto os militares quanto opositores do regime, e a anistia a crimes de evasão de divisas, ocorrida em 2016, mais conhecida como a lei da repatriação de valores no exterior.

Um homem está em pé, com os braços cruzados, olhando para frente. Ele usa uma camisa branca e está posicionado atrás de uma grade ou persiana, que cria um efeito de linhas horizontais na imagem. O fundo é desfocado, mas parece haver uma área externa iluminada.
O ex-presidente Jair Bolsonaro, que cumpre prisão domiciliar, na garagem de sua casa - Pedro Ladeira - 2.set.2025/Folhapress

Já o indulto é mais comum. Praticamente todo ano, já há muitas décadas, o presidente da República edita o tradicional decreto de indulto natalino, extinguindo penas de quem já cumpriu uma parte da condenação. Alguns crimes ficam de fora, como os hediondos, por expressa proibição constitucional.

Apesar de ser uma decisão política do presidente da República, diversos decretos de indulto foram parar no Supremo nos últimos anos. Começou em 2016, quando o presidente Temer resolveu alterar a fração de cumprimento de pena de determinados crimes, visando beneficiar, ao que se dizia, alguns condenados pela Lava Jato. Nunca ficou clara esta intenção, e muito menos o real benefício que acarretaria a tais réus. Naquele caso, o Supremo decidiu que não cabe ao Judiciário interferir nos critérios de conveniência e oportunidade que embasam a decisão do mandatário da nação.

Isto não quer dizer que não deve haver limites ao poder absolutista do presidente da República para editar indulto. Ainda na década de 90, em um julgado de relatoria do ministro Sydnei Sanches, a corte falava em "critérios razoáveis de política criminal" e, mais recentemente, quando julgou a constitucionalidade do indulto concedido a Daniel Silveira pelo presidente Bolsonaro, assinalou que o indulto não pode ofender a moralidade pública, precisa ser impessoal e não pode haver desvio de finalidade do ato, ou seja, é um ato administrativo sujeito a sindicância como qualquer outro ato estatal praticado em um Estado democrático de Direito.

O indulto não pode ser editado para favorecer amigos, parentes ou correligionários, pois feriria de morte o princípio republicano da impessoalidade e moralidade pública. Tampouco pode se transformar em instância revisional de uma particular decisão judicial. Se o Supremo não pode se imiscuir em atos do Executivo e do Legislativo, a recíproca deve igualmente ser respeitada.

Por esta ótica, o indulto que o governador Tarcísio promete conceder a Bolsonaro caso eleito presidente já nasce morto. Não será um ato de política criminal, mas uma moeda de troca para lhe cacifar nas eleições do ano que vem. É toma lá dá cá. Fere a moralidade pública, sob qualquer ótica que se queira analisar.

A anistia não fica em melhor lençol. O Congresso Nacional não pode legislar para um grupo específico, transformando o poder de legislar em instrumento de revisão judicial de condenações particulares. Em caso que trata de tentativa de golpe de Estado, a questão é ainda mais sensível. Bastaria a maioria parlamentar desejar um golpe que, mesmo frustrado, o golpe nunca seria punido pela possibilidade de autoanistia. O Estado de Direito não teria mais como se defender de insurgências golpistas.

Até mesmo a graça, que é o indulto particular, ou melhor, o indulto concedido a uma pessoa determinada, deve obedecer aos mesmos critérios. Não é por acaso que a graça praticamente caiu em desuso, já que seria muito difícil imaginar uma clemência individual que não tivesse alguma dose de capricho pessoal do presidente da República. Embora tenha chamado de indulto, o que Bolsonaro concedeu a Silveira foi na verdade uma graça, uma espécie de perdão amigo, ato típico de monarquias absolutistas ou de ditaduras (apesar de que Biden fez o mesmo com o filho, pouco antes de deixar o poder...).

Bolsonaro, aliás, abusou da caneta presidencial para beneficiar correligionários. Pouco antes de deixar a Presidência, editou um decreto de indulto natalino que, embora tivesse aparência de coletivo, não conseguia disfarçar que se destinava a favorecer indivíduos facilmente identificados: policiais condenados pelo massacre do Carandiru. O decreto está suspenso por decisão do STF.
Entre anistias e indultos, o bolsonarismo segue sua sina de deslegitimar as decisões do Judiciário, atentando contra democracia e o Estado de Direito. É o golpe ainda em marcha.

Já ganhei aposta com Fux, Conrado Hübner Mendes, FSP

 Luiz Fux é pai generoso. Ministro do STF, fez telefonemas para pedir nomeação de filha-advogada ao TJ-RJ ("É tudo que posso deixar para ela", disse a desembargador, segundo perfil da revista Piauí). Liberou filho-advogado para exercer advocacia de parentes no STF, ramo promissor da prática jurídica atual. Não ensinada nas faculdades, a habilidade exige laço de sangue.

Luiz Fux é colega generoso. Em liminar monocrática de 2014, jamais submetida ao plenário do STF, garantiu aos juízes do Brasil um aumento salarial oficioso por meio de auxílio-moradia ilegal. Cinco anos e bilhões de reais mais tarde, já negociado aumento com o Congresso, revogou a liminar. Sem perguntar ao plenário, sozinho "matou no peito", como fala. Herói da magistocracia.

Um homem com cabelo grisalho e liso, usando um terno escuro e uma gravata azul. Ele está vestido com uma capa preta e carrega uma pasta preta. O homem parece estar saindo de um ambiente formal, com uma expressão séria no rosto.
O ministro Luiz Fux no julgamento da trama golpista na Primeira Turma do STF - Gabriela Biló/Folhapress

Luiz Fux é generoso com citações de poesia. Em discurso, não desconfiou que o verso "recomeçar e só uma questão de querer, se você quer, Deus quer" talvez não fosse de Carlos Drummond de Andrade.

Luiz Fux só não é generoso com a clareza e a credibilidade de suas ideias.

Argumento é coisa séria em Estados de direito. A mais séria. É seu insumo, seu lubrificante, seu produto final. Alimenta a vida cívica e a legitimidade dos tribunais. Mas o Estado de direito também pede que os emissores de argumentos, sobretudo juízes, sejam levados a sério, tenham aparência de seriedade. Não é falácia "ad hominem", mas exigência de ética judicial.

Seriedade e aparência de seriedade são virtudes que Luiz Fux se esmera em não cultivar. Por isso, o voto de Fux está nu.

Inútil tentar classificar Fux por tipologias doutrinárias. Inútil perguntar se foi garantista ou punitivista, dicotomia que mais confunde o debate jurídico desde a Lava Jato. Garantista seria o juiz que manda soltar e absolver. Punitivista o que manda prender e condenar. Garantista que prende e punitivista que solta causam curto-circuito no senso comum autômato. Dicotomia que o jornalismo faria bem em abandonar. Melhor ler cada caso para além do resultado e observar variações argumentativas e factuais.

Fux não é punitivista nem garantista, apenas um casuísta. Resolveu deixar isso ainda mais claro no caso criminal mais importante da história nacional. Não é que o Fux de hoje discorde do Fux de ontem ou de amanhã. Fux não concorda nem discorda, apenas salpica ornamento verbal que dê alguma liga, alguma rima.

O voto de Fux não homenageou o direito de dissentir, o valor da divergência ou do pluralismo. Não ofereceu contraponto analítico numa deliberação sincera. Fux já condenou centenas de réus por tentativa de golpe no 8 de Janeiro. Quando julga seus líderes, diz que STF não tem competência.

Chico Anysio não se inspirou em Luiz Fux para inventar Rolando Lero. Dias Gomes não o conheceu para compor Odorico Paraguaçu ou Sinhozinho Malta. Luiz Fux se fez seu próprio autor. Não saiu da ficção, mas se matriculou, voluntariamente, na escola literária de onde saiu Pedro Malasartes. É o mais jurídico que se pode dizer de seu voto.

Em 2020, fiz aposta pública com Fux. Disse que, na presidência, não pautaria uma longa lista de casos delicados à sua agenda. Casos como dos penduricalhos de juízes fluminenses ("fatos funcionais") ou do "juiz de garantias". Jamais pautou e perdeu. Cobrei e jamais pagou.

Luiz Fux não merece ser levado a sério pelo que diz, mas pelo que representa.