quarta-feira, 10 de setembro de 2025

Moraes revelou pontos fortes da acusação, mas deixou evidentes algumas fraquezas, FSP

 O ministro Alexandre de Moraes aderiu integralmente a acusação da PGR. Condenou todos os réus do núcleo crucial por todos os crimes. Em seu voto, revelou tanto os pontos fortes da acusação como deixou evidentes algumas fraquezas.

O ponto forte do voto de Moraes é a visão de conjunto amparada em diversas evidências pontuais. Ao longo de 2021 e 2022, culminando no pós-eleição, tivemos vários personagens engajados, em maior ou menor grau, na tentativa de impedir a alternância de poder por meio de eleições justas.

Um homem careca, vestido com uma toga preta e uma camisa clara, está sentado em uma mesa. Ele tem uma expressão séria e está olhando para frente. Ao fundo, há outras pessoas, mas não estão claramente visíveis. O ambiente parece ser uma sala de tribunal, com uma iluminação suave.
O ministro Alexandre de Moraes, do STF, durante seu voto no julgamento de Bolsonaro - Evaristo Sá/AFP

A campanha constante de acusações falsas contra as urnas, visando gerar a desconfiança e mesmo a revolta popular. A operação criminosa da PRF de bloquear rodovias em regiões nas quais Lula ia melhor. A elaboração de uma minuta de estado de defesa, verniz jurídico para uma proposta de impedir a posse do presidente eleito, discutida com o alto comando do Exército. O plano de sequestrar ou matar autoridades, que chegou a ser colocado em prática antes de ser cancelado. E, por fim, a interlocução e incentivo aos acampamentos que pediam golpe na frente de quartéis e que protagonizaram atos de destruição na noite da diplomação do presidente eleito, e dos quais, por fim, saíram as multidões do 8 de Janeiro.

Tudo isso está bem documentado. Constituem, de fato, uma tentativa já em fase de execução de impedir a posse do novo governo. E incluíram, como descrito acima, diversos atos violentos. Bolsonaro estava no centro de tudo isso. Alegar que ele não sabia de nada, quando se reunia com os demais participantes e defendeu a proposta do golpe junto a generais, beira o absurdo.

O que não significa, no entanto, que todo mundo —ou mesmo Bolsonaro— soubesse e participasse de tudo. Em muitos casos, uma simples expressão serviu, no voto de Moraes, para ligar os eventos, atos e personagens: "organização criminosa". Veja: segundo o ministro, havia planejamento e ordem desde o primeiro dia. Cada fala, cada reunião, era na verdade um passo de uma execução longuíssima e planejada. E daí uma fala de Bolsonaro em 2021 sobre as Forças Armadas servirem ao povo é usada como indicação de que o 8 de Janeiro —um levante popular sem apoio de nenhuma autoridade— já estava em planejamento. Salvo esse recurso à organização que une a todos, é difícil sustentar que Bolsonaro sequer soubesse do 8 de Janeiro.

Sobrou ordem e faltou aleatoriedade na versão da história defendida por Moraes. E aí também reside um mérito que faltou à defesa: ele construiu uma narrativa que explica os fatos sabidos. As defesas se limitaram a questionar este ou aquele fato ou elo casual. Quem tem uma história para contar sempre prevalecerá sobre quem tem apenas dados e fatos soltos. O conhecimento humano exige a narrativa.

O voto de Dino seguiu a mesma toada, embora com um pouco mais de nuance e espaço para responsabilidades diferenciadas. Nesta quarta (10) saberemos se o voto de Fux trará uma visão significativamente diferente dos fatos. Seja ela qual for, é difícil imaginar que Bolsonaro saia dessa história como inocente.


Fux dá cavalo de pau em relação a voto de condenados do 8/1, FSP

 Renata Galf

São Paulo

O ministro Luiz Fux iniciou o seu voto sobre o mérito no julgamento da trama golpista no STF (Supremo Tribunal Federal) dando um cavalo de pau em relação à sua posição nos julgamentos dos réus do 8 de Janeiro.

O magistrado fez nesta quarta-feira (10) uma extensa argumentação sobre quais são as premissas para que esteja configurado o crime de organização criminosa. Citando doutrinas, destacou que é preciso, por exemplo, que fique comprovada com suficiente clareza a estrutura organizacional, a divisão dos papeis atribuídos aos supostos membros da organização e a finalidade voltada à obtenção de vantagem ilícita. Por fim, decidiu absolver os oito réus da acusação desse crime.

A posição é bastante distinta da que ele teve nos casos do 8 de Janeiro. Ao analisar o caso do primeiro condenado pelos ataques, em setembro de 2023, Fux nem sequer falou deste tema na ocasião. No acórdão, de cerca de 400 páginas, menos de 4 são compostas pelo voto do magistrado.

Um homem com cabelo grisalho e bem penteado, vestido com um terno escuro e uma capa preta, está em pé em um ambiente neutro. Ele parece estar se preparando para uma audiência, segurando um objeto que parece ser um livro ou um bloco de notas. O homem tem uma expressão séria e está olhando para a frente.
O ministro Luiz Fux, do STF - Adriano Machado/Reuters

Na ocasião, ele acompanhou na íntegra o voto do relator Alexandre de Moraes e votou para condenar o réu por abolição do Estado democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado, associação criminosa, dano qualificado contra o patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado.

Recentemente, em junho, o ministro mudou sua posição na Primeira Turma e passou a abrir divergência, desta vez para aplicar a mesma posição que tinha sido defendida apenas pelo presidente do STF, Luís Roberto Barroso: de que o crime de golpe de Estado já teria incluído em si o de abolição do Estado democrático de Direito. Mas, também neste caso, manteve a condenação por organização criminosa.

Renato Stanziola Vieira, que é advogado criminalista e doutor em direito processual penal pela USP (Universidade de São Paulo), diz que surpreende o posicionamento, no qual vê contradição.

"O entendimento do ministro acende curiosidade não só quanto à incoerência de tratamento de quem se viu condenado por participar de ato num só dia e os demais, denunciados na AP 2668 [número da ação sobre a trama golpista no STF], como pelo caminho teórico escolhido para estabelecer a tal distinção", diz ele.

"O ministro abre divergência em ponto fulcral do caso, desqualificando a imputação de organização criminosa, tomando os eventos atribuídos aos integrantes da ação penal 2668 como concurso de agentes, o que [por si só] não é punível como crime", diz o advogado.

Enquanto a própria participação de organização criminosa já é uma conduta punível, o concurso de agentes significa, no jargão jurídico, dizer que duas ou mais pessoas atuaram para o cometimento de uma determinada infração penal.

Itaú planejava demitir o dobro de funcionários por home office considerado improdutivo, FSP

 Júlia Moura

São Paulo

Itaú Unibanco planejava demitir, inicialmente, quase o dobro de funcionários por considerar baixa a produtividade no home office. A Folha apurou que quase 2.000 empregados do banco tiveram o seu trabalho em casa classificado como ocioso. Cerca de mil foram desligados nesta segunda-feira (8).

O levantamento veio após quatro meses de monitoramento dos funcionários em regime híbrido ou totalmente remoto. Por meio de softwares como o xOne, que coleta dados como tempo de uso do computador, o banco considerou que esse grupo tinha poucas horas de atividade.

Felipe Oliveira, sócio-fundador da Artica, que produz a ferramenta, afirma que são coletadas métricas como tempo de login, períodos de inatividade, utilização de sistemas corporativos e acesso a sites definidos previamente pelo empregador.

Fachada de agência do Itaú iluminada, com carros e ciclistas passando à frente
Agência do Itaú na avenida Berrini, em São Paulo - Divulgação

"Uma organização pode considerar o acesso frequente a redes sociais como não relacionado às tarefas profissionais e, portanto, improdutivo —mas essa definição é exclusiva de cada empresa", diz o executivo.

Cruzando os dados do xOne com o registro de ponto eletrônico, o Itaú identificou o que considera inconsistências entre o saldo positivo do banco de horas e a jornada efetivamente trabalhada.

Em email enviado a funcionários, ao qual a Folha teve acesso, o banco diz que em "alguns desses casos, os mais críticos, chegaram a patamares de 20% de atividade digital no dia e ainda assim registraram horas extras naquele mesmo dia, sem que houvesse causa que justificasse".

"Atitudes como essas prejudicam a todos, pois desgastam relações de trabalho, comprometem o ambiente de colaboração e minam a liberdade que conquistamos nos modelos mais flexíveis, como o modelo híbrido", completou o banco em seu comunicado interno.

Na análise, foram selecionados cerca de 2.000 nomes que, na medição dos sistemas do Itaú, estavam aquém dos parâmetros de atividade da instituição.

Esse levantamento foi repassado aos gestores responsáveis, que justificaram os números de cerca de metade dos nomes listados. Seria o caso de pessoas cuja natureza de trabalho não requer o uso contínuo de notebook, ou que utilizavam outra máquina ou que estavam passando por alguma questão de saúde. Mesmo assim, eles foram advertidos.

Os demais foram dispensados nesta segunda, independentemente de sua performance. Muitos dos demitidos haviam batido metas e recebido promoções.

Foram avaliados todos os empregados em regime híbrido ou totalmente remoto, o que representa cerca de 60% de 95 mil funcionários do banco, segundo último balanço. Ou seja, cerca de 1,75% foram demitidos.

Folha ouviu de alguns profissionais dispensados que, se estivessem ociosos, as demandas estariam atrasadas, o que não era o caso. Eles também relatam que comunicavam aos superiores estarem livres para novos serviços, mas que ouviram da chefia que era assim que a área funcionava, sendo necessário esperar que demandas entrassem no sistema.

Muitos também relatam passar horas em reuniões pela plataforma Microsoft Teams. A desenvolvedora do xOne afirma que o monitoramento leva em conta sistemas de videoconferência e chamadas.

Ao contra-argumentar na hora do desligamento, os funcionários teriam ouvido de seus coordenadores que eles não tinham poder de decisão sobre o desligamento, que teria sido uma decisão da liderança do banco.

Advogados trabalhistas dizem que a fiscalização do teletrabalho é legal, desde que prevista em contrato e comunicado aos funcionários.

"O monitoramento deve ser feito respeitando o direito à privacidade e intimidade do trabalhador. Tudo aquilo que for do trabalho, desde que previamente cientificado de forma bastante clara e transparente, pode ser monitorado", diz Carla Felgueiras, sócia do escritório Montenegro Castelo Advogados Associados.

Procurado, o Itaú disse que os desligamentos foram "decorrentes de uma revisão criteriosa de condutas relacionadas ao trabalho remoto e registro de jornada. Em alguns casos, foram identificados padrões incompatíveis com nossos princípios de confiança, que são inegociáveis para o banco. Essas decisões fazem parte de um processo de gestão responsável e têm como objetivo preservar nossa cultura e a relação de confiança que construímos com clientes, colaboradores e a sociedade."