domingo, 11 de maio de 2025

Corrupção federal, corrupção municipal, Marcus André Melo, FSP (definitivo)

 

Constituição de 1946 determinou que, pela primeira vez, 10% do Imposto de Renda fosse distribuído aos municípios, exceto os das capitais. Foi a primeira versão do Fundo de Participação dos Municípios (FPM).

O pai da proposta, o deputado pernambucano Barros Carvalho criticou aqueles que afirmavam que "os prefeitos iriam enfiar aquela verba no próprio bolso". Argumentou: "É possível que alguns bandidos e aventureiros se apossem também do dinheiro da quota federal. Será um mal, mas um mal menor do que o abandono em que União deixa o interior do país. (...) Se roubarem hoje a quota federal, ainda assim o dinheiro vai fazer uma redistribuição regional da renda, vai ficar na região, o prefeito ladrão acaba sempre montando uma descaroçadeira de algodão ou uma olaria, e construindo uma estrada ou um açude para sua fazenda".

A imagem mostra uma grande quantidade de dinheiro em notas empilhadas sobre uma mesa. Ao fundo, há um painel com o emblema da Polícia Civil, que é composto por quadrados pretos e brancos com a inscrição 'POLÍCIA CIVIL'.
Polícia Civil de Campinas (SP) apreendeu R$ 255 mil em espécie durante uma operação realizada na rodovia Anhanguera, altura do km 105, no Jardim Aparecida - Divulgação/Polícia Civil de Campinas

Barros Carvalho, ao mesmo tempo que parecia apontar o "rouba, mas faz" e o chamado "trickle down" (respingamento do desenvolvimento), também se referia a um dilema de ação coletiva: se as outras regiões estavam se beneficiando da corrupção, melhor que todos também o fizessem.

Ele era otimista e há alguma evidência de que seu argumento tenha um grão de verdade; conjeturava que a melhoria local engendraria os controles democráticos: "vai melhorar a qualidade de vida do lugar e das pessoas, que um dia saberão fiscalizar os políticos ladrões." O dilema é universal como reconciliar equidade territorial com controle e eficiência.

As transferências passaram a 15%, em 1961, e ampliaram-se os impostos transferidos; em 1966 e 1993 chegaram a 23%. As transferências discricionárias multiplicaram-se e hoje se concentram nas emendas orçamentárias que respondem por mais de 1/3 do gasto discricionário.

Mas ao lado da corrupção local, municipalizada, existe a "federal". Antônio Callado, em "Os industriais da seca e os galileus de Pernambuco" (1960), livro-reportagem que virou best-seller, observou que em todo o Nordeste "federal" é sinônimo de coisa grande, fabulosa. E completou: "A algum dicionarista interessado em apurar a origem dessa gíria sugiro que a fonte são os feitos do DNOCS, são os colossais açudes, as estradas e os escândalos".

O grande escândalo, mesmo territorialmente delimitado, é "federal". Utilizo federal aqui, no entanto, também em outro sentido, complementar devido à escala, para aquele em que os protagonistas estão no Executivo federal como o Petrolão e agora o Descontão do INSS, no qual as cifras podem chegar a R$ 90 bilhões.

Disseminou-se a ideia —que não é desinteressada— que a corrupção se manifesta sobretudo em transferências a localidades interioranas do Brasil arcaico, onde os controles são débeis. Nada mais longe da verdade. Essa é apenas uma das suas manifestações.

O controle imaginado por Barros Carvalho, que viria com o desenvolvimento econômico, nunca foi efetivo aqui. Houve avanço, sim, mas sofreu enorme retrocesso nos últimos anos. A estrutura de incentivos passou a ser "liberou geral". E não podia ser diferente após a anulação generalizada de evidências da Lava Jato, e o foco deslocado para as questões da democracia. Paradoxalmente, a defesa desta tem perversamente cumprido o papel de enfraquecer o controle da corrupção.


Estônia disparou em educação e tecnologia; qual a receita?, FSP

 A Estônia tem 1,3 milhão de habitantes. É um país pequeno. Mas é um gigante em tecnologia. Em 1993, o país estava em ruínas. Tinha acabado de reconquistar sua independência. Naquele momento, era bem mais pobre que o Brasil, com um PIB per capita de US$ 1.100 (o nosso era US$ 3.700).

Em 30 anos, o PIB per capita da Estônia cresceu 30 vezes e hoje chega a US$ 30 mil. No mesmo período, o do Brasil cresceu menos de três vezes. A Estônia enriqueceu, e o Brasil empacou.

Escrevo este artigo direto de Tartu, no sul do país, onde estou gravando a 9ª temporada da série Expresso Futuro, exibida no Canal Futura. Apesar das diferenças com o Brasil, há lições a aprender com o país báltico. Afinal, ele já criou ao menos dez empresas consideradas unicórnios (dentre elas o Skype, a TransferWise, a Bolt e a Veriff). Tem um governo totalmente digital e acesso a todos os serviços públicos pelo celular. Na educação, está em primeiro lugar no ranking Pisa da Europa (acima da Suíça) e em 4º lugar no mundial.

A primeira-ministra da Estônia, Kaja Kallas, ao lado da ministra da Educação, Kristina Kallas - Ints Kalnins - 17.abr.2023/Reuters

Na sexta (9), fui ao Ministério da Educação, em Tartu, conversar com a ministra da área, Kristina Kallas. Ela me contou que parte do salto tecnológico foi porque o país percebeu, em 1996, que a internet seria central para a vida das pessoas. Tomou então a decisão ousada de colocar computadores e internet disponível em todas as escolas já em 1997.

A razão é curiosa: a missão da escola na Estônia é preparar os estudantes para a vida —não para se tornarem enciclopédias inúteis. Tanto é que faz parte do currículo escolar aprender a cozinhar, trabalhar madeira, usar ferramentas, fazer tarefas domésticas etc. Se a internet seria central para a vida, ela precisava ser incorporada com urgência na escola. O país fez isso sem piscar e no tempo certo. O resultado é que já no começo dos anos 2000 o programador Ahti Heinla criou o primeiro sucesso global da Estônia, o programa KaZaA, de compartilhamento de arquivos peer-to-peer.

Sua tecnologia seria então usada por Ahti logo depois para construir o Skype (cujo nome original era Sky Peer-to-Peer). O programa foi comprado pela Microsoft, em 2011, por US$ 8,5 bilhões, e aposentado por ela na semana passada. A cadeira estofada em que Ahti programava está hoje no Museu Nacional da Estônia em Tartu, cheia de furos (ele programava de pé nela).

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A Estônia acabou de tomar outra decisão ousada: incorporar a inteligência artificial em todas as escolas. Professores e alunos têm agora acesso irrestrito ao ChatGPT. O país fez um acordo com a OpenAI, que forneceu licenças amplas para toda as escolas estonianas. O raciocínio é o mesmo. Se a inteligência artificial será parte central da vida, as escolas do país precisam incorporá-la no aprendizado desde já. O resultado poderemos conferir juntos daqui a alguns anos.

Reader

Já era – Brasil sete vezes mais rico que a Índia e três vezes mais rico que a Estônia em PIB per capita (1994)

Já é – Estônia com PIB per capita três vezes maior que o brasileiro; Índia com PIB total o dobro do nosso (2025)

Já vem – Visão de que sem acelerar vamos ficar ainda mais para trás

NICOLA PAMPLONA Justiça na conta de luz, FSP

 Nicola Pamplona

Correspondente da Folha no Rio de Janeiro, escreve sobre economia.

A proposta de reforma do setor elétrico que será apresentada pelo governo ao Congresso não endereça todos os desafios do setor, como destacou nesta Folha a colunista Joisa Dutra. Mas avança ao propor um debate sobre distorções na conta de luz que hoje prejudicam os mais pobres.

O modelo atual joga uma série de custos e subsídios nas costas do consumidor de menor porte, aquelas residências e comércios que ainda compram energia das distribuidoras de eletricidade porque não têm consumo suficiente para migrar para o mercado livre. São eles que pagam a energia das usinas nucleares, que garantem segurança energética para todos os tipos de consumidores, e os subsídios dados a grandes empresas que compram energia diretamente de usinas solares ou eólicas.

Postes com fios elétricos expostos e emaranhados nas ruas do bairro dos Pinheiros, na capital paulista - Pedro Affonso - 3.fev.25/Folhapress

É o trabalhador informal, o motorista de Uber ou a empregada doméstica ajudando a pagar a conta de luz de grandes bancos, redes de varejo ou indústrias, por exemplo. Com a migração cada vez mais acelerada para o mercado livre de energia, essa fatura é dividida por um número cada vez menor de consumidores.

A proposta tenta ainda endereçar o fim dos subsídios a renováveis, previsto originalmente para 2020 e adiado duas vezes pela força de lobbies no Congresso. Essa energia já é competitiva e não necessita mais do dinheiro do pequeno consumidor para ganhar mercado. Já há lobbies atuando para tentar manter os privilégios. A indústria questiona a possibilidade de alta de custos e quer jogar parte da conta no Tesouro. O setor de renováveis tenta convencer a opinião pública de que o fim dos subsídios é um retrocesso —em 2020, convenceu o ex-presidente Jair Bolsonaro a dizer que não iria "taxar o sol".

Agora é esperar que o Congresso não ceda novamente a interesses de setores específicos, em detrimento de toda a sociedade, como ocorreu na lei das eólicas offshore, na lei da privatização da Eletrobras e em inúmeros debates anteriores.