sexta-feira, 9 de maio de 2025

Jurista José Afonso, 100, é homenageado em evento na USP com Barroso, FSP

 Renata Galf

São Paulo

Em celebração por seus 100 anos, o jurista e professor emérito José Afonso da Silva foi homenageado nesta quinta-feira (8) em evento na Faculdade de Direito da USP (Universidade de São Paulo) marcado por discursos emocionados.

Considerado uma das principais referências no direito constitucional brasileiro, ele é autor de mais de 30 obras e foi apontado em levantamento de 2013 como o doutrinador mais citado em decisões do STF. Completou um século de vida no último dia 30.

O jurista José Afonso da Silva, 100, homenageado na Faculdade de Direito da USP - Eduardo Knapp/Folhapress

Entre os presentes no evento da USP estiveram o presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Luís Roberto Barroso, e José Carlos Dias, ministro da Justiça do governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB).

Último convidado a discursar, Barroso descreveu José Afonso como um dos principais cérebros por trás da Constituição de 1988 –na Assembleia Constituinte, ele assessorou o senador Mário Covas, então líder do PMDB.

Também afirmou que seu trabalho representou uma "virada de chave" no direito constitucional, com sua obra "Aplicabilidade das Normas Constitucionais", publicada em 1968.

Segundo Barroso, até então a área tinha mais teoria do que direitos propriamente ditos e que a lógica de José Afonso seria de "fazer a Constituição funcionar".

A ideia, afirmou, é que "a Constituição não deve prometer o que não vai cumprir, e o que ela promete tem que ser cumprido". O ministro chegou a mostrar a José Afonso um de seus livros cheio de marcações e se emocionou em determinado momento.

A presidente do Centro Acadêmico 11 de Agosto, Júlia Wong, afirmou que o constitucionalista foi um jurista que sempre se opôs à ditadura militar e defendeu de forma forte e constante a democracia brasileira.

O tema também abordado por Barroso. "Foi ele que manteve a chama do direito constitucional acesa quando se via no Brasil um momento de muita escuridão", disse o ministro ao citar a ditadura militar.

Questionado ao final do evento sobre a decisão da Câmara de sustar a ação penal no STF em que figuram como réus o deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ) e o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), Barroso disse que não poderia comentar, pois sua pauta nesta quinta era a homenagem a José Afonso.

A imagem mostra dois homens sentados em uma mesa. O homem à esquerda, mais velho, está usando um terno escuro e parece estar ouvindo atentamente. O homem à direita, mais jovem, está vestido com um terno claro e está segurando um livro, mostrando-o para o homem mais velho. Ambos estão em um ambiente com paredes de madeira e uma mesa com copos de água.
O presidente do STF, Luís Roberto Barroso, mostra livro ao jurista José Afonso da Silva, 100, durante homenagem na Faculdade de Direito da USP - Eduardo Knapp/Folhapress

Oscar Vilhena, que é colunista da Folha e professor da FGV Direito, descreveu José Afonso no evento como "arquiteto jurídico" da Constituição de 88.

"Sem risco de errar, o livro é um divisor de águas e um marco no direito constitucional", afirmou a respeito da mesma obra destacada por Barroso. Ele ressaltou ainda a atuação de José Afonso como secretário da Segurança Pública de São Paulo, de 1995 a 1999.

Natural do interior de Minas Gerais, José Afonso chegou a São Paulo em 1947, aos 22 anos, sem ter concluído o ensino primário. Na capital paulista, trabalhou como alfaiate enquanto completava os estudos.

Ingressou no curso de direito da USP aos 27 anos, depois de ter sido aprovado no vestibular. Mais tarde se tornou professor titular da instituição, onde lecionou até 1995. Uma semana antes de celebrar seu centenário, recebeu o título de professor emérito. Também atuou como procurador do Estado.

Lançado em 1976, seu livro "Curso de Direito Constitucional Positivo" chegou à 45ª edição no ano passado.

Em 2022, José Afonso se emocionou ao ser homenageado durante ato em defesa da democracia inspirado na célebre "Carta aos Brasileiros", lida em 1977 e da qual ele também foi signatário.

O professor de direito da USP Modesto Carvalhosa relembrou momentos da época em que se conheceram. "Além do mais ilustre, foi o mais querido colega, e agora consegue uma terceira coisa: é o mais longevo."

Um de seus filhos, Virgílio Afonso da Silva, que seguiu os passos do pai e é professor de direito na USP, representou os familiares com seu discurso.

Leu trechos da ata da última reunião da congregação de que seu pai participou no Largo São Francisco, em 1995. Na ocasião, Virgílio participava do encontro pela primeira vez, como representante dos estudantes.

Ana Elisa Bechara, vice-diretora da faculdade, descreveu José Afonso como um dos mais brilhantes representantes da universidade. Disse que a homenagem, ao homem e ao jurista, era um encontro com a história, "de cada um de nós, que nos formamos por seus livros, quanto da história do país".

A professora de direito da PUC-SP Flávia Piovesan, que foi membro da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, citou a quantidade de gerações que puderam ser impactadas por seus livros e disse que, seja na vida pessoal ou na vida pública, uma das marcas de José Afonso era sua intransigência na defesa de seus valores.

Demora de Lula em escolher nomes ao STJ deve criar desfalque em lista e irrita ministros da corte, FSP

 José Marques

Brasília

A demora do presidente Lula (PT) em selecionar nomes de duas listas para vagas de ministros no STJ (Superior Tribunal de Justiça) pode provocar um impasse histórico na corte.

O motivo é que uma integrante da lista para a vaga reservada a magistrados dos TRFs (Tribunais Regionais Federais), Marisa Santos, vai completar 70 anos em 8 de junho deste ano e não poderia ser empossada como ministra após essa data.

Diante da possibilidade de desfalque por inação do chefe do Executivo, ministros do STJ se dividem entre os que se incomodam com a lentidão de Lula para tomar a decisão e os que já se articulam com a perspectiva —ainda incerta— de elaborarem nova lista com outros nomes.

O presidente Lula (PT)
O presidente Lula (PT) - Pedro Ladeira - 23.abr.25/Folhapress

Segundo a Constituição, não há como o presidente da República nomear para ministro do STJ quem tiver menos de 35 anos e mais de 70.

Após o ele escolher o indicado, a partir da lista votada pelo próprio STJ, o nome deve ainda passar por sabatina e ser aprovado pelo Senado.

Caso Lula escolha Marisa nos próximos dias, o Senado teria que se apressar para sabatiná-la e aprovar o seu nome, e ela teria que ser nomeada e empossada antes do dia 8 do mês que vem –uma possibilidade vista como muito difícil.

Restaria ao presidente escolher outro dos integrantes da lista ou esperar até ela ficar reduzida a apenas dois nomes, a partir de 8 de junho.

Essa situação seria inédita, de acordo com ministros do STJ, e parte dos integrantes da corte consultados pela Folha já acha que, caso isso aconteça, o presidente poderia devolver a lista ao tribunal para que ela se torne tríplice novamente.

Uma parte dos ministros acha que a lista teria que ser votada mais uma vez, por completo. Outra parcela aponta que, talvez, seja o caso de votar apenas um terceiro nome para substituir o de Marisa.

Há, ainda, os que entendem que a Constituição não permite a possibilidade de uma nova votação e que Lula teria que se decidir entre os dois candidatos remanescentes.

Marisa, que é do TRF-3 (sediado em São Paulo), concorre com Carlos Pires Brandão e Daniele Maranhão, do TRF-1 (Brasília). Brandão é considerado o favorito entre os três. Procurada pela reportagem, Marisa disse que não iria se manifestar.

A possibilidade de um nome se tornar inviável pela demora de Lula em fazer a escolha tem criado mal-estar entre os ministros do STJ.

A situação foi criticada por três integrantes da corte à reportagem. Um deles diz, reservadamente, que, se isso ocorrer pela primeira vez na história do STJ, será uma humilhação para a candidata e uma mensagem muito negativa do presidente enviada às mulheres.

Outra parte do STJ vê uma articulação entre magistrados para que haja uma nova votação que inclua ex-candidatos considerados favoritos que ficaram de fora da lista tríplice, sobretudo Ney Bello, do TRF-1, ou Rogério Favreto, do TRF-4 (sediado em Porto Alegre).

Em nota, Favreto diz que não fez "nenhum movimento" para a inclusão de seu nome "numa eventual nova lista de candidatos a ministros do Superior Tribunal de Justiça".

"Ninguém me procurou para tratar desse assunto. A lista já foi definida pelo STJ e está na Presidência da República e, para mim, é caso encerrado. Presidente deve escolher dentre os já indicados", afirma.

O segundo tribunal mais importante do país tem 33 assentos, e dois deles ficaram vagos com a aposentadoria das ministras Laurita Vaz, em outubro de 2023, e Assusete Magalhães, em janeiro do ano passado.

São os próprios ministros do STJ que votam as listas para vagas do tribunal, que são reservadas, de forma alternada, para advogados, membros do Ministério Público, magistrados federais ou estaduais.

Após a aposentadoria das duas ministras, o próprio STJ ficou responsável por elaborar duas listas de três nomes e encaminhá-las ao presidente da República, mas, em meio a disputas internas, o tribunal só fez isso em outubro passado.

Um dos motivos apontados por integrantes do tribunal para a demora é o pente-fino que analisou a vida dos candidatos, inclusive eventuais investigações policiais que já pesaram sobre eles.

Além da lista de integrantes dos TRFs, foi formada uma segunda relação, composta por membros do Ministério Público. Nela, estão o procurador de Justiça Sammy Barbosa, do Ministério Público do Acre, a procuradora de Justiça Marluce Caldas, do Ministério Público de Alagoas, e o subprocurador-geral da República Carlos Frederico Santos, do Ministério Público Federal.

Ministros do STJ de diversas alas e integrantes do governo federal afirmam que Lula demorou em fazer a escolha porque a lista de juízes desagradou-lhe pela ausência do nome de Rogério Favreto.

Durante um plantão em 2018, o magistrado concedeu um habeas corpus em favor do petista, que estava à época preso em Curitiba. A medida acabou derrubada pelo então presidente do TRF-4, tribunal que julgava os recursos da Operação Lava Jato.

Na vaga do Ministério Público, a favorita é Marluce Caldas, que é tia do prefeito de Maceió, João Henrique Caldas (PL), o JHC. Apesar de ser do partido de Jair Bolsonaro (PL), o prefeito tem tentado se aproximar da base do atual presidente.