Em celebração por seus 100 anos, o jurista e professor emérito José Afonso da Silva foi homenageado nesta quinta-feira (8) em evento na Faculdade de Direito da USP (Universidade de São Paulo) marcado por discursos emocionados.
Considerado uma das principais referências no direito constitucional brasileiro, ele é autor de mais de 30 obras e foi apontado em levantamento de 2013 como o doutrinador mais citado em decisões do STF. Completou um século de vida no último dia 30.
Entre os presentes no evento da USP estiveram o presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Luís Roberto Barroso, e José Carlos Dias, ministro da Justiça do governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB).
Último convidado a discursar, Barroso descreveu José Afonso como um dos principais cérebros por trás da Constituição de 1988 –na Assembleia Constituinte, ele assessorou o senador Mário Covas, então líder do PMDB.
Também afirmou que seu trabalho representou uma "virada de chave" no direito constitucional, com sua obra "Aplicabilidade das Normas Constitucionais", publicada em 1968.
Segundo Barroso, até então a área tinha mais teoria do que direitos propriamente ditos e que a lógica de José Afonso seria de "fazer a Constituição funcionar".
A ideia, afirmou, é que "a Constituição não deve prometer o que não vai cumprir, e o que ela promete tem que ser cumprido". O ministro chegou a mostrar a José Afonso um de seus livros cheio de marcações e se emocionou em determinado momento.
A presidente do Centro Acadêmico 11 de Agosto, Júlia Wong, afirmou que o constitucionalista foi um jurista que sempre se opôs à ditadura militar e defendeu de forma forte e constante a democracia brasileira.
O tema também abordado por Barroso. "Foi ele que manteve a chama do direito constitucional acesa quando se via no Brasil um momento de muita escuridão", disse o ministro ao citar a ditadura militar.
Questionado ao final do evento sobre a decisão da Câmara de sustar a ação penal no STF em que figuram como réus o deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ) e o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), Barroso disse que não poderia comentar, pois sua pauta nesta quinta era a homenagem a José Afonso.
Oscar Vilhena, que é colunista da Folha e professor da FGV Direito, descreveu José Afonso no evento como "arquiteto jurídico" da Constituição de 88.
"Sem risco de errar, o livro é um divisor de águas e um marco no direito constitucional", afirmou a respeito da mesma obra destacada por Barroso. Ele ressaltou ainda a atuação de José Afonso como secretário da Segurança Pública de São Paulo, de 1995 a 1999.
Natural do interior de Minas Gerais, José Afonso chegou a São Paulo em 1947, aos 22 anos, sem ter concluído o ensino primário. Na capital paulista, trabalhou como alfaiate enquanto completava os estudos.
Ingressou no curso de direito da USP aos 27 anos, depois de ter sido aprovado no vestibular. Mais tarde se tornou professor titular da instituição, onde lecionou até 1995. Uma semana antes de celebrar seu centenário, recebeu o título de professor emérito. Também atuou como procurador do Estado.
Lançado em 1976, seu livro "Curso de Direito Constitucional Positivo" chegou à 45ª edição no ano passado.
Em 2022, José Afonso se emocionou ao ser homenageado durante ato em defesa da democracia inspirado na célebre "Carta aos Brasileiros", lida em 1977 e da qual ele também foi signatário.
O professor de direito da USP Modesto Carvalhosa relembrou momentos da época em que se conheceram. "Além do mais ilustre, foi o mais querido colega, e agora consegue uma terceira coisa: é o mais longevo."
Um de seus filhos, Virgílio Afonso da Silva, que seguiu os passos do pai e é professor de direito na USP, representou os familiares com seu discurso.
Leu trechos da ata da última reunião da congregação de que seu pai participou no Largo São Francisco, em 1995. Na ocasião, Virgílio participava do encontro pela primeira vez, como representante dos estudantes.
Ana Elisa Bechara, vice-diretora da faculdade, descreveu José Afonso como um dos mais brilhantes representantes da universidade. Disse que a homenagem, ao homem e ao jurista, era um encontro com a história, "de cada um de nós, que nos formamos por seus livros, quanto da história do país".
A professora de direito da PUC-SP Flávia Piovesan, que foi membro da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, citou a quantidade de gerações que puderam ser impactadas por seus livros e disse que, seja na vida pessoal ou na vida pública, uma das marcas de José Afonso era sua intransigência na defesa de seus valores.
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