quarta-feira, 7 de maio de 2025

Envio de pulsos elétricos ao intestino pode melhorar diabetes tipo 2, dizem pesquisadores, FSP

 Nancy Lapid

Reuters

Pulsos elétricos de alta voltagem na região superior do intestino delgado, em um procedimento minimamente invasivo, podem melhorar significativamente o diabetes tipo 2, relataram pesquisadores na conferência Semana da Doença Digestiva, que aconteceu em San Diego, Califórnia (EUA), entre os dias 3 e 6 de maio.

A magnitude da melhora é comparável aos benefícios para o diabetes observados com a cirurgia bariátrica de bypass gástrico, particularmente em pacientes que recebem os pulsos elétricos de maior dosagem, segundo os pesquisadores.

A imagem apresenta uma variedade de modelos anatômicos em miniatura dispostos sobre uma superfície verde. Entre os itens, destaca-se uma peça rosa que representa uma parte do sistema digestivo, possivelmente um intestino. Também estão visíveis rins em tom marrom, uma estrutura óssea branca, e outros modelos que parecem representar diferentes órgãos e partes do corpo humano. Ferramentas de pinça em cinza estão localizadas na parte superior da imagem.
Representação de órgãos do corpo. Pesquisa mostra que pulsos elétricos no intestino pode melhorar a diabetes tipo 2 - Tara Winstead/Pexels

"Este estudo pioneiro demonstra que o tratamento com energia de campo elétrico pulsado não-térmico do duodeno pode melhorar significativa e duradouramente a resistência à insulina e a função das células beta", os principais processos corporais envolvidos no diabetes tipo 2, diz Richard Pratley, do Instituto de Diabetes AdventHealth em Orlando, Flórida, que trabalhou no estudo, em um comunicado.

À medida que os nutrientes se movem do estômago para o intestino delgado, as células do duodeno desempenham um papel crucial na regulação da glicose. Tipicamente no diabetes tipo 2, o duodeno está inflamado e disfuncional. A aplicação dos pulsos elétricos estimula o corpo a regenerar células saudáveis que podem ajudar a controlar os níveis de açúcar no sangue.

Os 51 pacientes que participaram do ensaio, em sua maioria com sobrepeso ou obesidade, apresentaram melhorias significativas na sensibilidade à insulina e na função das células beta do pâncreas após 12 semanas, com melhorias persistentes até 48 semanas, relatam os pesquisadores.

Os pacientes também tiveram melhorias significativas no controle do açúcar no sangue e no peso corporal.

Os pesquisadores agora estão testando o procedimento em um estudo em indivíduos com sobrepeso e diabetes tipo 2 inadequadamente controlado por medicamentos não-insulínicos para redução da glicose.

Embora os estudos atuais estejam observando o controle do açúcar no sangue e a perda de peso, o líder do estudo, Barham Abu Dayyeh, do Cedars-Sinai em Los Angeles, disse que o tratamento provavelmente também funcionará para diabetes tipo 2 em pacientes que não estão acima do peso.

"Acreditamos que qualquer paciente que tenha diabetes tipo 2, esteja lutando para manter o controle de sua doença e esteja progredindo para (necessitar de múltiplos medicamentos para diabetes) ou insulina será um candidato-alvo", diz.

Procedimento para prevenir pancreatite não funciona

No mesmo evento, um novo estudo apresentado apontou que um procedimento cirúrgico comum realizado para prevenir pancreatite na verdade não funciona.

Cerca de uma em cada 10 pessoas nasce com uma condição chamada pâncreas divisum, na qual os ductos pancreáticos não se fundem adequadamente. Embora frequentemente assintomática, às vezes pode ser um fator na pancreatite recorrente, uma condição séria e dolorosa.

Estudos retrospectivos sugeriram que uma cirurgia minimamente invasiva chamada colangiopancreatografia retrógrada endoscópica (CPRE) com esfincterotomia endoscópica da papila menor (miES) alivia a pancreatite aguda em 50% a 70% desses pacientes.

No entanto, a própria CPRE pode causar pancreatite aguda em 10%-20% dos pacientes e pode desencadear outros problemas posteriormente, como cicatrização da abertura do pâncreas, o que pode levar a outros sintomas, disse o líder do estudo, Gregory Cote, da Universidade de Ciências e Saúde do Oregon, em um comunicado.

Apesar dos riscos conhecidos do procedimento, até agora não houve ensaios comparando miES a um procedimento simulado.

Na conferência, a equipe relatou sobre 148 pacientes com pâncreas divisum e uma média de três episódios anteriores de pancreatite que foram aleatoriamente designados para se submeter a miES ou a um procedimento simulado.

Durante um acompanhamento médio de 33,5 meses, não houve diferença estatisticamente significativa no número de pacientes que tiveram outro episódio de pancreatite aguda. Também não houve diferenças no número de pacientes que relataram dor relacionada ao pâncreas mais de um mês após o procedimento ou que desenvolveram pancreatite crônica, diabetes ou produção inadequada de enzimas digestivas pelo pâncreas.

Os resultados são "realmente extraordinários quando se considera que muitos médicos defendem esse procedimento há décadas", diz Cote.

"As diretrizes atualmente recomendam/reconhecem o pâncreas divisum como um fator de risco para pancreatite e sugerem a CPRE como tratamento. É provável que essas diretrizes mudem com base neste estudo", afirma.

Ele acrescenta que alguns pacientes com condições como estreitamento ou bloqueios do ducto pancreático ainda podem se beneficiar da CPRE. Pacientes com essas condições não foram incluídos neste estudo.

Reportagem de Nancy Lapid e edição de Bill Berkrot

Conclave papal não é uma disputa entre liberais e conservadores, Rodrigo Toniol, FSP

 Rodrigo Toniol

Rodrigo Toniol

Professor de antropologia da UFRJ, é membro da Academia Brasileira de Ciências

conclave ainda nem começou, mas já vem sendo interpretado como um embate entre progressistas e conservadores, emulando as clivagens da política mundana. Essa leitura é sedutora. Rótulos simplificam e organizam o debate. Mas, neste caso, traduzem mais os clichês de quem analisa do que as tensões reais que atravessam o coração da Igreja.

As diferenças entre os cardeais não obedecem aos mapas mentais da política secular, tampouco às geografias da polarização ideológica. Raros se apresentam como "de esquerda" ou "de direita". Poucas intervenções podem ser classificadas com clareza de reformistas ou tradicionalistas. Isso não se explica apenas pelo decoro exigido pelo processo.

As disputas em curso são, antes de tudo, eclesiológicas. Dizem respeito a modos distintos de compreender a estrutura, a autoridade e a missão da Igreja. Quando há facções, elas não refletem guerras culturais. Expressam visões contrastantes sobre como preservar e traduzir a identidade católica num mundo em mutação acelerada.

Um grupo de cardeais está reunido em uma cerimônia religiosa. Eles estão vestidos com vestes brancas e capas, e muitos usam chapéus vermelhos. O ambiente parece ser uma igreja ou catedral, com um fundo desfocado que sugere um evento solene. Os cardeais estão em diferentes posturas, alguns com as mãos unidas em oração, enquanto outros seguram papéis.
As diferenças entre os cardeais no conclave não obedecem aos mapas mentais da política secular, tampouco às geografias da polarização ideológica - Eloisa Lopez - 4.mai.25/Reuters

Essas tensões se organizam, sobretudo, em três frentes: sinodalidade, autoridade eclesial e relação entre doutrina e prática pastoral.

A sinodalidade —conceito que propõe uma Igreja mais atenta às vozes locais do que aos corredores do Vaticano— expressa um modelo de governo participativo, promovido por Francisco como marca de seu pontificado. Muitos cardeais, especialmente na Ásia e na América Latina, veem nela um caminho fecundo para enraizar a Igreja nas realidades locais.

Outros, com um perfil mais tradicional, temem que essa lógica comprometa a clareza doutrinal e enfraqueça a unidade eclesial. O próprio termo sinodalidade permanece ambíguo: pode significar tanto consulta quanto deliberação. Além disso, a representação da Igreja de um país, embora tenha certa autonomia para atuar, deve submeter suas iniciativas à consulta de representantes no Vaticano.

A segunda tensão diz respeito à autoridade na Igreja. A constituição Praedicate Evangelium, que reformou a Cúria Romana, em 2022, fortaleceu o poder do papa enquanto buscava ampliar a participação dos leigos —os católicos comuns que não pertencem à hierarquia— e descentralizar a evangelização. O resultado é ambíguo.

Para alguns, trata-se de uma modernização necessária. Para outros, esse arranjo esvazia a autoridade episcopal (do sacerdote) de sua dimensão espiritual, convertendo-a em função gerencial, quase burocrática. A tensão repõe, em novas bases, o velho dilema entre uma Igreja mais centralizada em Roma e outra mais enraizada nas realidades locais.

A terceira linha de fricção contrapõe fidelidade doutrinal e abertura pastoral, ou seja, a possibilidade de atualizar o modo como a Igreja lida com temas como sexualidade, casamento e identidade de gênero. Em documentos como Amoris Laetitia (sobre a família) e Fiducia Supplicans (sobre a bênção de casais em situações irregulares), Francisco trouxe essa tensão ao centro do debate.

Alguns temem que a ênfase na inclusão enfraqueça a firmeza da doutrina moral, gerando confusão sobre o que é permitido ou não pela Igreja. Já os defensores de uma atualização argumentam que acolher quem vive em desacordo com os preceitos não relativiza a verdade, mas permite vivê-la com misericórdia e atenção às realidades concretas.

Trata-se de aplicar os princípios morais com discernimento pastoral, sem abrir mão da doutrina. É nessa linha que se fala, por exemplo, de práticas pastorais ousadas, como acolher fiéis divorciados ou casais homoafetivos, mesmo quando a devoção pessoal continua ancorada em símbolos tradicionais —como a exaltação da família heteronormativa, a centralidade da figura paterna ou a valorização de modelos morais rígidos. O cuidado pastoral, nesse caso, não nega a norma, mas busca caminhos para aplicá-la sem condenação.

A composição geográfica do Colégio Cardinalício acentua especialmente as fraturas em torno da sinodalidade. O chamado Sul Global nunca esteve tão representado. Cardeais como Luis Antonio Tagle, das Filipinas, Fridolin Ambongo, da República Democrática do Congo, e Dieudonnè Nzapalainga, da República Centro-Africana, trazem consigo outras urgências —como o diálogo inter-religioso, a justiça social e a evangelização em contextos frágeis. Em muitos casos, combinam entusiasmo por estruturas mais participativas com posturas conservadoras em temas morais.

É nesse ponto que o binarismo "liberais versus conservadores" se mostra não apenas inadequado, mas enganoso. Um cardeal africano como Fridolin Ambongo pode ser teologicamente conservador e, ao mesmo tempo, defensor de formas locais de sinodalidade.

Já um europeu como Matteo Zuppi combina forte devoção litúrgica com abertura a práticas pastorais inclusivas. Os alinhamentos cortam em diagonal qualquer tentativa de classificação binária, como fissuras tectônicas que percorrem silenciosamente o corpo da Igreja.

Essa complexidade se traduz nos nomes que circulam como possíveis sucessores de Francisco. O cardeal filipino Tagle e o italiano Zuppi são identificados com a continuidade da agenda pastoral do atual papa: defendem uma Igreja aberta à escuta, pastoralmente inclusiva, mas ainda fiel à doutrina. Em contraste, nomes como Pietro Parolin, atual secretário de Estado do Vaticano, e o húngaro Péter Erdo simbolizam uma abordagem mais institucional, voltada à estabilidade da Cúria e à preservação da ortodoxia.

Já o congolês Fridolin Ambongo representa um terceiro caminho: um catolicismo africano profundamente moralista, mas entusiasta da sinodalidade e atento às desigualdades globais. Em vez de reforçar a clivagem entre progressistas e conservadores, esses perfis revelam uma Igreja atravessada por alinhamentos mais complexos, que combinam tradição e inovação de formas inesperadas.

É nesse terreno que se dará a escolha do próximo papa. O conclave não decidirá apenas um nome, mas qual modelo de Igreja será legitimado: uma Igreja centrada na autoridade romana ou uma Igreja enraizada nas margens do mundo católico; uma instituição que reafirma categorias morais herdadas ou uma comunidade disposta a traduzi-las à luz de contextos plurais. No fundo, trata-se de uma tensão entre modernidade e geografia —entre uma visão universalista fundada na tradição europeia e uma gramática eclesial moldada pelo Sul Global.

Trump e os cem dias de fracasso, Deirdre Nansen McCloskey, FSP

 A expressão "primeiros cem dias" ressoa na história dos EUA. Foi aplicada pela primeira vez ao governo de Franklin Roosevelt nos cem dias após 4 de março de 1933. Roosevelt usou sua enorme maioria no Congresso para aprovar muitas leis que correspondem a uma verdadeira crise —25% de desemprego e falência em massa, como a do meu avô, um eletricista, quando seu banco faliu.

O "New Deal" de Roosevelt tinha três objetivos. Algumas das leis deram alívio às pessoas famintas. Foram boas e eficazes. Outras geraram reformas, como favorecer fortemente os sindicatos e regular os bancos de perto. Não foram tão boas, e muitas vezes ineficazes. O terceiro objetivo durante os cem dias e no restante da década de 1930 —a recuperação da Depressão— simplesmente não aconteceu. Foi um grande fracasso.

Como George Selgin documenta em um livro brilhante, "False Dawn" [falso amanhecer]. A recuperação aguardava a mudança de posição de Roosevelt para vencer a Segunda Guerra, permitindo que a indústria privada obtivesse grandes lucros —como meu avô, modestamente, instalando eletricidade em aeroportos e grandes empresas que faziam prateleiras e aviões. E nos EUA, ao contrário do Reino Unido, a ameaça do socialismo não se renovou após a guerra. A economia explodiu.

No 100º dia de Trump, um historiador da Presidência observou que Roosevelt aprovou todas as suas novas leis no Congresso. O argentino Javier Milei recebeu do Congresso 365 dias para derrubar o acúmulo de leis que empobrecem a população. Brasileiros, vejam só. Trump não. Com pequena maioria no Congresso, fez seus cem dias totalmente com "ordens executivas" —sob o disfarce de poderes "emergenciais" para "crises". Os decretos presidenciais, ao contrário das leis aprovadas pelo Congresso, podem ser facilmente revertidos pelo próximo presidente. Ainda assim, a menos que os tribunais ou o Congresso resolvam negar, é Trump quem decide o que é uma "crise".

Se o Japão bombardeia Pearl Harbor em 7 de dezembro de 1941, ou se o Exército paraguaio invade Mato Grosso em 14 de dezembro de 1864, certamente há uma crise. As "crises" na mente de Trump são três. Ao repetir grandes mentiras muitas vezes desde 2016, ele convenceu uma pequena maioria sobre a urgência de enfrentá-las.

As "crises" são:
1) imigração ilegal, que na verdade é pequena, em declínio e, de todo modo, benéfica aos cidadãos. 2) déficits na balança comercial com "amigos e inimigos", como diz Trump, o que é como dizer que a sua dívida na mercearia é uma crise. As tarifas de Trump, apesar de seu entendimento mais profundo, são muito impopulares.

E 3) políticas "conscientes" dos democratas para ajudar as pessoas menos favorecidas no país e exterior. Muitas destas são populares entre os americanos e até entre muitos que votaram nele. Os americanos não aprovam, por exemplo, que Trump tenha fechado o órgão dos EUA que salvou milhões de vidas na África financiando medicamentos para a Aids.

Inaugurado pelo republicano George W. Bush, está de acordo com os valores cristãos (ou judeus ou muçulmanos) de caridade e era uma das realizações de que Bush mais se orgulhava.
A boa política corrige crises reais, não falsidades bombeadas por grandes Mentiras.