sexta-feira, 25 de abril de 2025

INSS ignorou anos de alerta de roubança de aposentados e pensionistas, VTF FSP

 A suspeita oficial de roubança de aposentados e pensionistas do INSS vinha desde 2019, pelo menos, lê-se em relatório da CGU (Controladoria-Geral da União), que é de cair o queixo da cara, para não dizer outra coisa. Havia indícios de rolo desde 2016. Foram três governos de mau cheiro.

Além de saber quem fazia parte da quadrilha e como se vai devolver o dinheiro, outra dúvida essencial é: alguém do INSS ou do ministério da Previdência chamou a polícia ou equivalente? Sobre o que não há dúvida: foram anos de incompetência, omissão e negligência. Está documentado.

A imagem mostra a entrada de um edifício com a placa do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) visível. A porta de vidro é emoldurada por uma estrutura de pedra, e a placa é feita de metal, com as letras 'INSS' em destaque. O ambiente parece ser urbano, com uma escada visível na parte inferior da imagem.
Fachada de predio do INSS no Viaduto Santa Ifignia, no centro de São Paulo. - Zanone Fraissat/Folhapress

Do que se trata? Associações, sindicatos inclusive, poderiam firmar "Acordos de Cooperação Técnica" (ACT) com o INSS a fim de receber um dinheiro mensal, descontado dos benefícios previdenciários, desde que autorizadas pelo associado. As entidades prestariam serviços como plano de saúde, assistência jurídica, férias etc. Em suma, lei de 1991 permitia que associações privadas usassem o Estado a fim de recolher contribuições de associados, o que é sempre esquisito. Haveria fraude na autorização do desconto ou associação fictícia do beneficiário.

O valor total dos descontos crescia. Em junho de 2023, começam a explodir. Nos cinco primeiros meses de 2024, quando se encerra o levantamento da CGU, o total da média de descontos chega a pelo menos R$ 218 milhões por mês, quase quatro vezes a média mensal de 2022.

As queixas também aumentavam. No primeiro semestre de 2023, a média de beneficiários que pediam cancelamento de desconto não autorizado era de 19 mil por mês. No segundo semestre, 51,3 mil por mês.

No primeiro semestre de 2024, mais de 118 mil por mês, segundo contas baseadas nos dados de relatório da CGU.

Polícia Civil de São Paulo investigava o rolo desde o ano passado. Em junho de 2024, o TCU (Tribunal de Contas da União) dera prazo de 90 dias para que o INSS fizesse alguma coisa para evitar fraudes nos descontos.

Pouco antes, a Controladoria-Geral da União entrevistara 1.273 beneficiários do INSS, sorteados, para saber o que se passava: 97,6% disseram que não tinham autorizado desconto; 95,9% diziam não fazer parte de associação.

O caso era antigo, porém. Tendo em vista o número de denúncias e outras estranhezas, em 2019 a Procuradoria da República no Paraná recomendou ao INSS que tomasse providências, lê-se no relatório de auditoria da CGU, que observou o seguinte, em setembro de 2024:

"Mesmo conhecendo essa situação, a existência de denúncias recorrentes acerca da realização de descontos associativos não autorizados pelos beneficiários, e a falta de capacidade operacional necessária para acompanhamento dos ACT, o INSS não implementou controles suficientes para mitigar os riscos de descontos indevidos e seguiu assinando ACT após a suspensão ocorrida em 2019, com o crescimento significativo dos descontos a partir de julho de 2023".

Em julho de 2024, a CGU passou um relatório preliminar para o INSS, que respondeu de modo burocrático e defensivo, para dizer o mínimo, e disse que haveria controle biométrico etc. dos processos (criado por norma de março de 2024 e não implantado até fevereiro deste ano).

Esta Folha noticiava o caso, procuradores, policiais e controladores de contas e procedimentos da República investigavam o problema e pediam providências.

Ninguém mais no governo vai ser defenestrado?

Publicado há cem anos, 'O Grande Gatsby' explica Trump, Alavaro Costa e Silva -FSP

 "O Grande Gatsby" completou cem anos outro dia —10 de abril para ser exato— e continua como se tivesse chegado às livrarias nesta semana, estalando de contemporaneidade. Um tipo de mágica que só os verdadeiros clássicos, por resistirem ao tempo, oferecem.

A obra de F. Scott Fitzgerald torna-se uma experiência inédita a cada releitura. O relato da obsessão de Jay Gatsby, gângster disposto a reverter o passado por amor à namorada da juventude, Daisy Buchanan —cuja voz "soava como dinheiro"—, hoje pode dar algumas pistas para compreender a tragédia em curso que é o governo Trump.

O "Gatsby" consegue a proeza de contar uma história "out of time". O curioso é que, segundo o escritor Rodrigo Fresán —que aproveitou a data redonda para publicar o ensaio "El Pequeño Gatsby: Apuntes para la Teoría de una Gran Novela"—, a palavra tempo aparece 87 vezes no romance e há nele mais de 400 referências temporais. Sabemos exatamente em que momento do dia ou da noite as ações se desenrolam. Sobretudo sabemos a quem elas afetam: os ricos, que depois acabam ferrando os pobres mortais.

Tom Buchanan, o vilão corpulento e agressivo com quem Daisy está casada, foi comparado a John Kennedy e Bill Clinton. Mas ele é, assim como o próprio Gatsby, um modelo fiel de Donald Trump. O Make America Great Again é uma cópia pálida e cafona das festas suntuosas que o gângster do livro oferece numa tentativa inútil de recompor o passado perdido.

A época retratada no "Gatsby" antecede o crash da Bolsa de Nova York, em 1929. Agora, sob Trump, os EUA aceleram em direção ao desastre. Segundo a revista The Economist, cometem "o erro econômico mais profundo, prejudicial e desnecessário da era moderna".

Não se ouve outra coisa no boteco da esquina: há risco de inflação, recessão e colapso nas cadeias de produção globais. Os plutocratas da tecnologia que se aliaram a Trump e a classe alta dos EUA são os primeiros a sentir o baque. Se tivessem lido Scott Fitzgerald, não tomariam o tombo.

Chile inaugura um dos maiores parques de baterias da América Latina, e Brasil fica para trás; veja vídeo, FSP

 Pedro Lovisi

María Elena (Chile)

A Atlas Renewable Energy inaugurou nesta quinta-feira (24) um dos maiores parques de sistemas de armazenamento de energia elétrica da América Latina. A empresa instalou 200 MW (megawatts) em baterias no deserto do Atacama, onde está a maior geração de energia solar no Chile.

O país é um dos maiores produtores desse tipo de energia da América Latina e, ao contrário do Brasil, já tem regulamentação nacional para a instalação desses sistemas de armazenamento, conhecidos como BESS.

A imagem mostra uma grande usina solar localizada em uma área desértica. A usina é composta por várias fileiras de painéis solares dispostos em um padrão organizado, ocupando uma vasta extensão de terreno. No primeiro plano, há uma estrutura com várias unidades, possivelmente relacionadas à operação da usina. O fundo da imagem apresenta uma paisagem árida e montanhas ao longe, sob um céu claro.
BESS del desierto, da Atlas, no Deserto do Atacama, Chile - Divulgação

As baterias da Atlas estão acopladas a um parque solar na cidade de María Elena, em Antofagasta. Os sistemas instalados armazenarão 800 MWh (megawatts-hora) entre 11h e 15h e injetarão essa energia na rede elétrica entre 20h e 00h, justamente quando não há mais geração de energia solar.

Essa ação é importante porque, em alguns períodos do dia a geração é tamanha, que as linhas de transmissão não conseguem escoar toda a energia, obrigando o operador do sistema a cortar parte da geração —o mesmo acontece no Brasil. O armazenamento, portanto, permite ao gerador gerenciar a quantidade de energia escoada ao longo do dia e vender, em outros momentos, a carga que poderia ter sido cortada durante a tarde

O crescimento de fontes intermitentes, aliás, estaria por trás da falha que deixou quase todo o Chile no escuro no final de fevereiro, segundo alguns analistas que acompanham o tema. O mesmo teria motivado o apagão de 2023 no Brasil.

"É muito cedo para formular hipóteses, mas a aspiração é que tecnologias como as baterias, que podem se adaptar muito rapidamente às mudanças na demanda, possam fornecer maior controle de frequência", disse o ministro de Energia do Chile, Diego Pardow Lorenzo.

No parque da Atlas no Chile, os sistemas armazenarão todos os dias energia e a Atlas a venderá para a Copec Emoac, empresa chilena do setor de energia e combustíveis. Parte dessa energia é usada em ônibus elétricos da região.

Apesar de estarem a poucos metros de centenas de placas solares (com capacidade instalada de 240 MW), os BESS instalados recebem energia diretamente da rede, o que permite às baterias armazenar eletricidade mesmo em períodos de pouco sol. A conexão entre os sistemas e as placas solares se dá apenas para que alguns componentes elétricos das baterias funcionem.

Com a instalação desse projeto, o Chile fica bem próximo de atingir a meta de 2 GW de capacidade instalada de baterias até janeiro de 2026 (esse valor já foi projetado, anteriormente, para 2030). Hoje, com o parque da Atlas, o país tem 1,15 GW de BESS instalados, e há outros projetos na fila.

"Conseguimos antecipar em cinco anos a meta do nosso país, e isso foi possível devido a fatores fora do nosso controle, como a queda do preço das baterias. Mas também conseguimos simplificar o processo de licenciamento e acelerar a regulamentação do sistema de armazenamento, incluindo como ele opera, quando é despachado e em que condições", afirma o ministro.

A falta de regulamentação desses sistemas é um dos principais entraves para o avanço dessa tecnologia no Brasil, que ainda não tem nenhum grande projeto do tipo em operação.

O país vive hoje com uma série de cortes de energia no Nordeste do país e no norte de Minas Gerais que poderiam ser evitados se os geradores tivessem baterias como as instaladas no Chile nesta quinta. Mas executivos das empresas de energia renovável dizem que, sem diretrizes sobre como esses aparelhos devem funcionar no país, dificilmente alguma companhia instalará os sistemas em seus parques solares ou eólicos.

"O Chile tem hoje a legislação mais avançada do continente, então tem muita coisa que pode ser levada para o Brasil", afirma Luis Pita, diretor comercial global da Atlas, que também é a maior geradora de energia solar do Brasil. "Pense que no Brasil só com solar e eólica e tirando a geração distribuída há 40 GW e, no Chile, que tem muito menos (cerca de 13,5 GW), a projeção dos próximos 5 anos é ter 5 GW de baterias."

Segundo ele, ao contrário do que alguns executivos do setor defendem, a demanda por esses sistemas no Brasil pode crescer apenas com o mercado livre, modelo em que geradoras de energia negociam diretamente com empresas consumidoras. "A tradição brasileira é começar com leilões públicos, mas com uma regulação robusta, não se precisará", afirma.

No Chile, não houve demanda pública. Ainda assim, o governo brasileiro já demonstrou interesse em abrir um chamado neste ano para contratar esses sistemas, embora nunca tenha revelado quando, de fato, o leilão ocorrerá e quanto de energia será contratada. Já a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) prometeu publicar uma regulamentação inicial sobre o tema até maio.

"O principal de tudo é ter a regulamentação; não basta ter o sinal econômico se você ainda não tem o regramento de como despachar e as regras do operador do sistema", afirma Fábio Bortoluzo, gerente-geral da Atlas no Brasil. Ele defende que a regulamentação da Aneel trate de várias funções das baterias, inclusive acopladas aos geradores. No maior piloto existente no Brasil, os sistemas estão acoplados a uma subestação de transmissão.

Como a Folha mostrou na semana passada, fabricantes nacionais desses sistemas estão ansiosos para o aumento da demanda. Mas é provável que parte das primeiras baterias a serem contratadas no Brasil venham do mercado chinês, hoje capaz de oferecer produtos mais baratos.

Os sistemas instalados no Chile, por exemplo, foram fornecidos pela chinesa Sungrow, que compra as células de baterias da também chinesa CATL e monta na própria China os BESS. Curiosamente, a região de Antofagasta está cercada de mineradoras de cobre e lítio, minerais essenciais para a confecção de baterias e outros aparelhos do sistema elétrico. Como no Brasil, porém, as mineradoras exportam a matéria-prima para multinacionais de países ricos, que revendem mercadorias de maior valor agregado para os sul-americanos.

O jornalista viajou a convite da Atlas Renewable Energy