quarta-feira, 23 de abril de 2025

Candidato a 'Rei do Cacau' quer revolucionar setor com mega fazenda no Brasil., FSP

 Marcelo Teixeira

Riachão das Neves (BA) | Reuters

O fazendeiro Moisés Schmidt quer revolucionar a forma como o principal ingrediente do chocolate é produzido, cultivando cacaueiros de alto rendimento, totalmente irrigados e fertilizados, em uma área da Bahia maior do que a ilha de Manhattan, que atualmente não é conhecida pela produção das amêndoas.

O plano de US$ 300 milhões (R$ 1,7 bilhão) de Schmidt é o maior da região, mas não é o único. Há projetos superdimensionados semelhantes em desenvolvimento, alguns deles quase tão grandes, já que grupos agrícolas bem capitalizados buscam aplicar a experiência em agricultura em escala industrial à produção de cacau para lucrar com os preços altíssimos do produto.

Um homem está em uma plantação de cacau, segurando duas frutas de cacau nas mãos. Ele usa uma camisa branca e está sorrindo. Ao fundo, há várias árvores de cacau e um céu nublado.
Produtor de cacau Moisés Schmidt em sua propriedade no oeste da Bahia. - 19.nov.24 - Amanda Perobelli/Reuters

Se esses planos derem certo, o centro de gravidade do setor poderá se deslocar da África Ocidental para o Brasil.

"Acredito que o Brasil vai se tornar importante região para o cacau no mundo", disse Schmidt à Reuters, enquanto caminhava em meio a fileiras e mais fileiras de novos cacaueiros na região do Cerrado.

Ele estima que até 500 mil hectares de fazendas de cacau de alto rendimento poderiam ser implantadas no Brasil em dez anos, o que produziria até 1,6 milhão de toneladas de cacau.

Em comparação, o Brasil produz atualmente apenas cerca de 200 mil toneladas, enquanto a Costa do Marfim, maior produtor mundial, colhe dez vezes mais do que isso. Gana, o segundo maior produtor global, produz cerca de 700 mil toneladas de grãos.

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Atualmente, o setor global de cacau está em crise. A produção está falhando na Costa do Marfim e na vizinha Gana, que, juntas, cultivam mais de 60% do cacau do mundo. Uma combinação potente de doenças nas plantas, mudanças climáticas e plantações envelhecidas levou a três anos consecutivos de queda na produção.

Isso tem sido uma má notícia para os amantes do chocolate. Os preços do cacau quase triplicaram em 2024, atingindo um recorde de US$ 12,9 (R$ 73,9 mil) por tonelada métrica em dezembro. Desde então, o preço caiu para cerca de US$ 8,2 mil (R$ 46,9 mil, mas continua bem acima das médias históricas.

OPORTUNIDADE NA CRISE?

Para Schmidt e outros agricultores no Brasil, a crise é vista como uma oportunidade.

A empresa familiar Schmidt Agrícola começou a se preparar para cultivar cacau em 2019 depois de concluir, com a ajuda de uma avaliação interna do mercado de cacau, que haveria um déficit de fornecimento no futuro.

"Simplesmente não imaginávamos que isso aconteceria tão cedo", disse ele, enquanto caminhava pelas estufas de mudas da fazenda.

Sua fazenda planejada de 10 mil hectares deixaria pequenas as propriedades da África Ocidental, que normalmente se estendem por algumas dezenas de hectares. Há grandes fazendas em outros países produtores, como Equador e Indonésia, algumas delas com mais de 1.000 hectares, mas ainda muito menores do que o gigante planejado por Schmidt.

O plano é aplicar técnicas de agricultura em larga escala à fazenda de cacau totalmente irrigada, como se fosse um campo de soja ou milho. As árvores da fazenda, no município de Riachão das Neves, no oeste da Bahia, serão agrupadas, deixando apenas espaço suficiente entre elas para a irrigação mecanizada e a aplicação de fertilizantes e pesticidas.

Schmidt está plantando 1.600 árvores por hectare nas novas áreas, em comparação com apenas 300 árvores em fazendas convencionais. A concentração deve significar um rendimento muito maior por hectare.

"A única coisa que ainda não é mecanizada é a colheita de frutas das árvores", disse o agricultor.

A imagem mostra uma pessoa segurando um fruto de cacau cortado ao meio. O exterior do fruto é marrom e rugoso, enquanto o interior revela uma polpa branca e sementes. O fundo é composto por folhas secas e a pessoa está vestindo uma camisa branca.
O fazendeiro Moises Schmidt segura um grão de cacau na plantação Schmidt Agrícola em Riachão das Neves, Bahia. - 19.nov.24 - Amanda Perobelli/Reuters

Alguns veem esse método de cultivo como um divisor de águas.

"Daqui a cinco anos, tudo o que sabíamos sobre a produção de cacau terá mudado", disse Tales Rocha, agrônomo de cacau da TRF Consultoria Agrícola, uma empresa que presta consultoria a agricultores no Brasil.

Rocha disse que a região do Cerrado no oeste da Bahia tem a topografia ideal para a agricultura de larga escala, com suas extensas áreas planas.

Grupos agrícolas como a Schmidt Agrícola já produzem soja, milho, algodão e frutas em milhares de hectares no oeste da Bahia, uma região com amplo suprimento de água.

MILHÕES DE MUDAS

Nas novas fazendas, os cacaueiros são cultivados a céu aberto, com muita luz solar. Isso contrasta com as plantações tradicionais de cacau em outras partes do Brasil e do mundo, onde os cacaueiros dividem espaço com outros tipos de árvores e recebem alguma sombra.

Schmidt está desenvolvendo árvores de alto rendimento por meio de uma operação de mudas que ele administra desde 2019. Sua equipe produziu novas variedades de cacau por meio da chamada seleção positiva, um projeto de anos em que as mudas são multiplicadas a partir de material retirado das plantas que produziram a maior carga de frutos em campos de teste.

As árvores de alto rendimento plantadas em cerca de 400 hectares na primeira fase do projeto estão produzindo cerca de 3.000 quilos por hectare (kg/ha), ou dez vezes a produtividade média das áreas tradicionais de cacau no Brasil. Schmidt disse que sua meta é passar de 4.000 kg/ha. Isso seria oito vezes o rendimento médio de 500 kg/ha do maior produtor, a Costa do Marfim.

Um homem em uma plantação de cacau, cercado por árvores de cacau com folhas verdes. Ele está segurando algo na mão e parece estar observando as plantas ao seu redor. O chão está coberto por folhas secas e há um céu parcialmente nublado ao fundo.
Moisés Schmidt segura um grão de cacau no meio da plantação Schmidt Agrícola em Riachão das Neves, Bahia. - 19.abr.24 - Amanda Perobelli/Reuters

Produções muito altas, acima de 2.000 kg/ha, foram alcançadas em pequenos campos de teste administrados pela Ceplac (Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira), a agência de pesquisa de cacau do Brasil, usando alta densidade de plantas.

Os pesquisadores, no entanto, disseram que os resultados precisariam ser confirmados com o plantio em maior escala e acrescentaram que havia dúvidas sobre a viabilidade econômica dessa prática, que exigiria cuidados extensivos com a cultura e mão de obra.

A instalação do viveiro de Schmidt, que opera como uma empresa separada chamada BioBrasil, usa maquinário de propagação da fabricante de equipamentos florestais dinamarquesa Ellepot, com capacidade para produzir 10 milhões de mudas por ano. Ele produz as árvores para a fazenda gigante planejada e também vende mudas para outros projetos de cacau no Brasil.

Algumas pessoas no mercado, no entanto, não têm tanta certeza de que esse tipo de expansão ocorrerá de fato no Brasil.

"Como sempre, o preço é o principal fator determinante. Em torno de US$ 4.000 (R$ 22,8 mil) por tonelada, o Brasil mal se interessou", disse Pam Thornton, veterana consultora de cacau e comerciante de grãos.

"Depois de conversar com muitos fazendeiros brasileiros e visitar várias grandes fazendas comerciais, acredito que os preços mundiais precisam demonstrar que permanecerão próximos aos níveis atuais por mais um ano ou mais para que eles expandam a área cultivada e, provavelmente, vários milhares de dólares a mais para que isso ocorra de forma significativa", disse ela.

Schmidt diz que o cacau de sua operação seria lucrativo mesmo a cerca de US$ 4.000 por tonelada. "Acima de US$ 6.000 (R$ 34,3 mil), é muito lucrativo, muito melhor do que a soja ou o milho", disse ele.

As projeções de oferta e demanda de longo prazo parecem positivas para os preços, considerando que a produção na África Ocidental está estável ou "presa em um longo ciclo de resultados decrescentes", disse o veterano corretor e analista de cacau dos EUA, Marcelo Dorea, CEO da M3I Capital Management.

"O mercado deve, portanto, buscar fontes alternativas de produção significativa", disse ele, acrescentando que o Brasil parece ser uma opção natural, considerando o know-how do cacau e a disponibilidade de terras.


Erro paradigmático, Hélio Schwartzman, FSP

 O comércio entre nações contra o qual Donald Trump agora se insurge —o que, paradoxalmente, coloca esse líder de extrema direita em linha com setores da esquerda— foi uma das melhores coisas que aconteceram à humanidade. O comércio contribuiu de forma não trivial para nos deixar mais prósperos e também menos belicosos.

O primeiro efeito é obtido por uma espécie de "socialização" de vantagens comparativas. Por caprichos da geografia e da história, países diferem na eficiência com que produzem coisas.

A imagem mostra um homem em pé, segurando um cartaz com uma tabela de tarifas recíprocas de vários países em relação aos Estados Unidos. O fundo é decorado com uma bandeira americana. O cartaz lista países como China, União Europeia, Vietnã, Egito, Índia, entre outros, com porcentagens de tarifas ao lado de cada país.
O presidente dos EUA, Donald Trump, empunha tabela com barreiras tarifárias a diversos países - Brendan Smialowski - 2.abr.25/AFP

Imaginemos uma nação X que tenha levado a arte de fabricar parafusos à perfeição. Se eu preciso de parafusos, a forma mais econômica de adquiri-los é comprando-os de X. Ao fazê-lo, eu de alguma forma me aproprio das vantagens comparativas com as quais o Criador dotou X para a confecção de parafusos. Se tentasse eu mesmo fabricá-los, pagaria mais por unidade e faria um produto pior.

Muito do enriquecimento que a humanidade experimentou nos últimos dois séculos se deve a esse efeito de barateamento das coisas, que fica comprometido se houver redução das trocas entre nações.

O comércio também foi um fator decisivo na redução da violência entre grupos. Durante a maior parte da história humana, que começou lá no Pleistoceno, vizinhos eram um problema. Não traziam nenhuma vantagem para a minha comunidade e representavam um risco. Mesmo que o perigo não fosse grande, valia a pena massacrá-los, antes que ideia semelhante lhes passasse pela cabeça.

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Foi o comércio que nos permitiu sair dessa armadilha imposta pela teoria dos jogos. Quando o vizinho se torna fornecedor de coisas úteis, ele passa a ser mais valioso vivo do que morto.

Esses e outros benefícios do "gentil comércio" começaram a ser percebidos por pensadores liberais já a partir do século 17. Trump, porém, estacionou num paradigma anterior, o mercantilista, no qual o segredo da prosperidade se resume a não ter déficit com nenhum vizinho, ideia que já estava errada no século 15 e que se tornou hoje insanamente absurda.


Reforma do edifício São João substituirá 35 milhões de pastilhas, FSP

 Vicente Vilardaga

São Paulo

A partir da década de 1940 não havia prédio em São Paulo que não fosse revestido por pastilhas de porcelana. Havia nessa prática uma aspecto funcional: proteger a obra de intempéries e impedir infiltrações. Mas também era considerada uma questão estética. As construções podiam ficar mais coloridas e modernas.

Foi uma solução adotada tanto por arquitetos renomados, como pelo mercado imobiliário como um todo em edifícios comerciais e residenciais. Até os anos 1970 era uma tendência.

Para ficar em alguns poucos exemplos marcantes de uso de pastilhas vale citar os edifícios projetados pelo arquiteto João Artacho Jurado, o Louveira, de João Batista Vilanova Artigas, o Prudência, de Rino Levi, e o Copan, de Oscar Niemeyer, cuja interminável reforma visa, justamente, substituí-las. Em Higienópolis há dezenas de prédios que as utilizam, assim como no Centro.

Edifício São João
No edifício São João, diante do Martinelli, serão substituídas e recuperadas 35 milhões de pastilhas - Vicente Vilardaga

Um deles é o edifício São João, na avenida do mesmo nome, que está passando por uma restauração que envolve a substituição ou a limpeza e recuperação de 35 milhões de pastilhas em uma área de 14 mil metros quadrados. A obra está a cargo da Kruchin Arquitetura, que tem 18 meses para concluí-la.

O São João, sede do Banco do Brasil em São Paulo, foi projetado pelo arquiteto Caio Pedro Moacyr, e fica bem em frente ao edifício Martinelli. Começou a ser construído em 1942 e recebeu o Habite-se em 1955. É tombado pelo Conpresp (Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo).

"É uma obra muito desafiadora", diz Samuel Kruchin, proprietário do escritório, que foi responsável, por exemplo, pela restauração do edifício Sampaio Moreira, na rua Libero Badaró, e do Tribunal de Justiça, na Praça da Sé. "Não se trata de uma intervenção que segue critérios de uma simples reforma. Temos que respeitar as soluções formais do edifício, conforme sua história."

Pilares na entrada do edifício Viadutos
Colunas na entrada do edifício Viadutos, na Bela Vista: Artacho Jurado usou pastilhas cor-de-rosa - Vicente Vilardaga

O problema das pastilhas é que elas têm um prazo de validade. Num prédio de 70 anos elas começam a se soltar e a cair, ameaçando os transeuntes. No Copan foi isso que aconteceu e um cachorro foi atingido e morto.

O revestimento não é algo isolado, mas parte do conjunto arquitetônico como um todo. Por isso, numa obra tombada, deve ser considerado o aspecto cromático. As cores das novas pastilhas devem ser idênticas às originais, a fim de manter a integridade da obra.

Não se trata simplesmente de removê-las e colocar, arbitrariamente, quaisquer outras no lugar. "A gente removeu pastilhas em diversos pontos para identificar as seis cores básicas e descobrir como elas se compõem", afirma Kruchin. "Verificamos que há pelo menos três mix de cores. Precisamos verificar também se as diferenças cromáticas foram causadas pela exposição ao sol."

Edifício Copan
Um dos principais desafios na reforma do edifício Copan é a substituição das pastilhas - Vicente Vilardaga

As pastilhas não são colocadas uma a uma. Elas medem 4 cm² e são fixadas em placas de 30 cm por 60 cm. A obra já começou e envolve 15 trabalhadores. Seu custo será de R$ 8 milhões.

O prédio é gigante. Tem 24 andares, pé direito de 4,5 metros e mede 143 metros de altura, sendo um dos mais altos da cidade. Suas fachadas têm 21 mil metros de superfície, sendo que 7 mil metros são de área geminada ou de granito, que também será restaurado.

Há o granito bruto, presente no guarda-corpo dos terraços e o preto, que é o do embasamento do edifício, que vai até o primeiro andar. "Existem furos que a gente vai fechar e as pedras do terraço estão muito sujas, afetadas pela poluição", diz Kruchin. "Recuperá-las também será um trabalho muito delicado."

O edifício São João, assim como o Altino Arantes, do banco Santander seguem um estilo americano pela verticalidade e composição dos volumes. Não há qualquer influência francesa, como se via na cidade até então. São construções modernas e sem ornamentação, mas muito elegantes e austeras.