quinta-feira, 10 de abril de 2025

Estudo reconstrói um século de poluição na cidade de São Paulo com base em sedimentos aquáticos, Agência Fapesp

 José Tadeu Arantes | Agência FAPESP – A história da poluição por metais na cidade de São Paulo pode ser lida nas camadas de sedimentos acumuladas ao longo do último século. Por meio da paleolimnologia – método que permite reconstruir mudanças ambientais passadas com base em testemunhos sedimentares –, pesquisadores reconstruíram um século de poluição por metais na capital a partir de amostras coletadas no Lago das Garças, no Parque Estadual das Fontes do Ipiranga (Pefi). O estudo evidenciou forte correlação entre a industrialização, o crescimento populacional e o aumento desse tipo de poluente. Os resultados foram publicados na revista Environmental Science and Pollution Research.

Os cientistas analisaram as concentrações de oito metais – cobalto, cromo, cobre, ferro, manganês, níquel, chumbo e zinco – no fundo do reservatório, cujos sedimentos guardam registros de aproximadamente cem anos.

“Tudo o que vai acontecendo em uma bacia de drenagem acaba, de alguma forma, ficando registrado nos sedimentos dos ambientes aquáticos. Escolhemos o Lago das Garças pelo fato de ele nunca ter sido dragado, o que permitiu a preservação da sequência histórica da deposição de poluentes”, conta Tatiane Araujo de Jesus, coordenadora do Laboratório de Sistemas de Engenharia Ecológica da Universidade Federal do ABC (UFABC) e primeira autora do artigo.

Os pesquisadores coletaram testemunhos de sedimentos com o auxílio de mergulhadores. Esses testemunhos são cilindros verticais de material depositado do fundo do lago. Como o carbono-14 não se presta à datação de amostras relativamente recentes, as camadas foram datadas por meio do chumbo-210. O princípio físico é o mesmo do carbono-14: o decaimento radioativo do isótopo. “O chumbo-210 tem uma meia-vida de aproximadamente 22,3 anos, então, por meio da atividade desse isótopo, conseguimos atribuir uma idade a cada camada de sedimentos, como se estivéssemos numerando as páginas de um livro”, explica Jesus.


(a) Testemunho sedimentar; (b-c) Detalhe do fatiamento das amostras a cada 1 cm (fotos: Tatiane Araujo de Jesus)

Os resultados revelaram três grandes períodos na evolução da poluição por metais na cidade de São Paulo. Camadas correspondentes ao período pré-industrial, que se estendeu até 1950, apresentaram baixas concentrações de metais, refletindo uma época em que o local era menos impactado por atividades humanas. Vale lembrar que o reservatório, formado pelo represamento do córrego do Campanário em 1893, foi usado para abastecimento de água até 1928.


Planta datada de 1914 com indicação de uma represa no córrego do Campanário já em 1893 (fonte: Arquivo do Estado de São Paulo/foto: Tatiane Araujo de Jesus)

No período 1950-1975, os níveis de metais começaram a aumentar progressivamente. Fatores como a intensificação do tráfego aéreo no Aeroporto de Congonhas (inaugurado em 1936), o crescimento das montadoras e metalúrgicas no ABC Paulista e a urbanização desordenada contribuíram para o acúmulo de poluentes.

O pico da poluição ocorreu no período seguinte, 1975-2000. A partir da década de 1970, houve um aumento expressivo na concentração de metais como chumbo, níquel, ferro, cromo e cobre. Na avaliação dos dados coletados, deve ser considerado o fator local, pois o período coincide com a instalação da Rodovia dos Imigrantes (1974), que intensificou o tráfego de veículos na região. “Observamos que a maior parte desses metais detectados era proveniente de emissões veiculares e industriais”, conta a pesquisadora.

Um dos achados mais marcantes do estudo foi a queda dos níveis de chumbo nos sedimentos posteriores a 1986, quando o Brasil proibiu o uso de gasolina com chumbo por meio do Programa de Controle de Emissões Veiculares (Proconve). “Até então, o chumbo era utilizado como aditivo na gasolina e, com sua proibição, observamos a diminuição de sua concentração nos sedimentos. Isso mostra como políticas ambientais podem ter impactos positivos e mensuráveis”, ressalta Jesus.

Apesar da redução do chumbo, as concentrações de outros metais continuaram aumentando ao longo dos anos 1990, em particular cobalto, níquel e cobre, provavelmente relacionados a mudanças nos processos industriais. Os dados indicam que uma siderúrgica próxima ao reservatório, que antes produzia aço, passou a fabricar artefatos metálicos nesse período, o que pode ter modificado o perfil da poluição metálica.

O estudo não apenas revelou a evolução da poluição por metais em São Paulo, mas também destacou a importância dos sedimentos como indicadores ambientais. “Os sedimentos são como um arquivo: eles guardam as evidências das mudanças no ambiente ao longo do tempo. Esse tipo de análise pode ser útil para guiar estratégias de proteção e recuperação do meio ambiente”, afirma a pesquisadora.

E enfatiza que, embora algumas reduções nos níveis de poluição tenham sido observadas, muitos metais persistem nos sedimentos, constituindo um passivo ambiental. “O que podemos fazer agora é usar esses dados para estabelecer metas de recuperação. Sabemos quais eram os níveis naturais desses metais antes da industrialização e podemos trabalhar para tentar reverter parte do impacto”, diz.

Além disso, o estudo traz reflexões sobre áreas de conservação, como o Parque Estadual das Fontes do Ipiranga. “Não basta apenas cercar um local e chamá-lo de área de preservação. Se a poluição atmosférica e a deposição de poluentes não forem controladas na região ao redor, o impacto continuará”, alerta Jesus.

Os resultados reforçam a necessidade de políticas públicas mais rigorosas para a redução da poluição industrial e veicular, além de medidas de recuperação ambiental em áreas contaminadas. “Os dados históricos nos ajudam a entender como chegamos até aqui e podem servir de base para decisões mais informadas sobre o futuro da qualidade ambiental da cidade”, conclui a pesquisadora.

O estudo foi apoiado pela FAPESP por meio de bolsas de doutorado concedidas a Tatiane Araujo de Jesus (04/08071-5) e a Sandra Costa‑Böddeker (04/08675-8), segunda autora do paper.

O artigo Metal pollution reconstruction in São Paulo City (Southeast Brazil) over the twentieth century by paleolimnological approach pode ser acessado em: https://link.springer.com/article/10.1007/s11356-025-35998-0.
 

Livros apontam culpados, mas não explicam a derrota democrata de 2024, Lucia Guimarães, FSP

 A campanha presidencial americana de 2024 já ganhou dois registros em livro. Nenhum oferece profundidade histórica, mas ambos reforçam a convicção de que a insistência de Joe Biden em se candidatar era uma catástrofe anunciada que nem seus assessores nem a liderança do Partido Democrata tentaram evitar a tempo.

O mais recheado de fofocas é "Fight: Inside the Wildest Battle for the White House" (luta, dentro da mais selvagem batalha pela Casa Branca, em tradução livre) que acusa o entorno de Biden de enganar o povo americano, escondendo o declínio mental do presidente. Os autores são dois repórteres, Jonathan Allen e Amie Parnes, que não tiveram acesso aos responsáveis pela campanha.

O segundo livro é "Uncharted: How Trump Beat Biden, Harris, and the Odds in the Wildest Campaign in History" (desconhecido: como Trump derrotou Biden, Harris e as probabilidades na campanha mais selvagem da história), de Chris Wipple. O autor discorda da tese do acobertamento, mas não oferece uma tese convincente sobre o que motivou democratas veteranos de outras Presidências a não soar o alarme sobre a evidente fragilidade do candidato.

Um homem de cabelos grisalhos, vestindo um terno escuro e uma gravata listrada, está sentado em uma cadeira de escritório. Ele tem a cabeça inclinada para baixo, com a mão cobrindo parte do rosto, sugerindo um momento de reflexão ou preocupação. À sua frente, há uma mesa com documentos e um fichário aberto. Ao fundo, podem ser vistos quadros emoldurados e uma bandeira.
O ex-presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, participa de reunião no Salão Oval da Casa Branca - Andrew Caballero-Reynolds/10.jan.25/AFP

Ficamos sabendo que Barack Obama, o mais popular democrata dos EUA, juntou-se à pressão para Biden desistir —o que ele fez em julho—, mas era radicalmente contra a escolha de Kamala para liderar a chapa em novembro. Obama deu aprovação antecipada ao editorial que seu amigo próximo George Clooney publicou no jornal The New York Times pedindo a renúncia da candidatura de Biden. Se as fontes citadas nominalmente ou anônimas dos dois livros são confiáveis, o declínio cognitivo de Biden já era claro no começo de 2024, quando o presidente tinha 81 anos.

Allen e Peters citam comentários de interlocutores que descreviam um chefe de Estado quase fantasmagórico. Grandes doadores de campanha manifestavam perplexidade sobre jantares extremamente coreografados e, ainda assim, Biden perdia o fio da meada em conversas.

Kamala foi surpreendida pela renúncia e teria tido uma conversa surreal com o chefe, suplicando a Biden que ele endossasse imediatamente sua candidatura para transferir os delegados democratas na convenção do partido em agosto. Ao mesmo tempo, Obama e a influente deputada Nancy Pelosi agiam para que a convenção fosse disputada, não uma coroação de Kamala.

Parece haver consenso de que Kamala não considerava a possibilidade de derrota e, ao saber do resultado, em novembro, perguntou se haveria recontagem de votos. Também é difícil duvidar da versão de que Biden, obcecado pela própria herança política, engessou a mensagem da candidata, insistindo que ela não podia expressar qualquer diferença de opinião sobre as prioridades do presidente. Por que Kamala se intimidou? É uma pergunta sem resposta satisfatória nos dois livros.

Os democratas martelavam a mensagem sobre o perigo do autoritarismo sob Trump, os americanos se queixavam do preço dos ovos e a campanha limitava o acesso à candidata, enquanto Trump percorria estúdios de podcast e se colocava disponível para mídias alternativas.

Se ainda não é possível explicar o fracasso dos democratas em 2024, os dois livros lembram que a imprensa política americana continua embriagada com a proximidade ao poder. E cobre campanhas como corridas de cavalos em que a democracia sempre sai perdendo.


A elitização dos parques de São Paulo, FSP

 Vicente Vilardaga

São Paulo

Ir aos parques Ibirapuera e Villa-Lobos no fim de semana virou uma custosa experiência de consumo. Deixou de ser um passeio barato e acessível. Desde que eles ganharam gestão privada, o primeiro em 2019 e o outro em 2022, as comidas e bebidas aumentaram consideravelmente de preço.

Os parques estão de transformando em uma espécie de shopping a céu aberto. A entrada é livre, mas o custo da permanência só sobe. O que se pretende é tirar os mais pobres do parque, mantê-los na periferia e deixar o lazer em algumas áreas verdes só para os abonados.

Barraca no Ibirapuera
Barraca de comidas e bebidas no parque Ibirapuera: preço de meio litro de água de coco é R$ 17

Uma forma de fazer isso é esgotando o limite de renda do consumidor. Outra é ostentando luxo. Se não pode pagar uma mísera água de coco para toda sua família, a pessoa não vai ao parque. Isso faz parte de processo de gentrificação, de elitização dos espaços. É o mesmo que vem acontecendo no centro da cidade. Mais do que um caso isolado, é um imperativo do mercado e uma política de governo.

Quem vai ao parque só para passear ou praticar esportes precisa se alimentar e se hidratar. Há bebedouros no Ibirapuera, mas muita gente gosta de comprar água. Se for essa a decisão, vai ter de pagar até R$ 10. No caso de um café expresso, o desembolso será de R$ 12.

O restaurante italiano Bottega Bernacca inaugurou uma filial no parque neste ano
O restaurante italiano Bottega Bernacca inaugurou uma filial no parque neste ano

Os preços no Ibirapuera, localizado na zona Sul, atingiram os níveis dos estabelecimentos das regiões de mais alta renda da cidade. Um litro de água de coco sai por R$ 27, meio litro, por R$ 17, e uma tigela de açaí, por R$ 48. Uma tapioca com manteiga custa R$ 28. Em um dos restaurantes locais, o Selvagem, um café da manhã vale R$ 119. Para estacionar no parque gasta-se R$ 18 por três horas

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Estabelecimentos refinados estão ocupando o lugar, como o restaurante italiano Bottega Bernacca. Uma filial foi instalada ali neste ano. As massas custam de R$ 79 a R$ 130. Outro exemplo é a Casa Nubank Ultravioleta, destinada aos clientes premium do banco. Quem não está nessa condição tem de desembolsar R$ 150 para entrar no local.

Alameda no Ibirapuera: parque vem perdendo apelo popular e está mais elitizado
Alameda no Ibirapuera: parque vem perdendo apelo popular e está mais elitizado

O Villa-Lobos, na zona Oeste, segue na mesma toada. Antes da concessão para a iniciativa privada tinha a sua entrada principal cheia de barracas que vendiam, por valores razoáveis, pastel e água de coco, por exemplo. Era um ambiente popular. Hoje todo o comércio está dentro do parque e os preços estão no padrão do Ibirapuera. Aliás, o estacionamento custa R$ 23 para ficar entre 5h30 e 19h30. Algumas voltas no carrossel saem por R$ 40.

Há, inclusive, uma empresa, a Cia do Tomate, que, desde 2023, comercializa uma área de 1,2 mil metros quadrados no Villa-Lobos para a realização de piqueniques ou para as pessoas passarem um tempo num espaço privativo. O preço para um grupo de quatro amigos ficarem simplesmente sentados no local, durante três horas, com almofadas e guarda-sóis, é de R$ 200.

O parque Villa Lobos ganhou uma área para a realização de piqueniques privativos
O parque Villa Lobos ganhou uma área para a realização de piqueniques privativos

Se quiserem acesso aos jogos, como badminton e basquete, o valor sobe para R$ 1.260. Com um lanchinho, salta para R$ 1.560. O pacote mais caro da Vila Picnic é de R$ 6.500 para eventos com 50 pessoas. Dá direito a comidas, água e suco e acesso a várias atividades recreativas para crianças e adultos.

Isso pode parecer conversa de pobre, mas exibe um problema de todos os tempos no Brasil: tirar os menos favorecidos de vista. O aumento de preço tem muito a ver, provavelmente, com as quantias pagas pelos comerciantes que operam nos parques às concessionárias. Não é o caso, porém, de extrapolar e transformar o Ibirapuera e o Villa-Lobos em lugares só para privilegiados.