sexta-feira, 11 de outubro de 2024

Chuvas não conseguem repor toda a água consumida do Aquífero Guarani, alerta estudo, Agência Fapesp

 O sistema, que atende a mais de 90 milhões de pessoas, está sendo superutilizado em diversas regiões do Estado de São Paulo. Pesquisadores empregaram isótopos estáveis para desvendar a relação entre águas pluviais e águas subterrâneas no abastecimento das nascentes

José Tadeu Arantes | Agência FAPESP – Estudo conduzido por pesquisadores da Universidade Estadual Paulista (Unesp) mediu a contribuição das águas pluviais e subterrâneas para a manutenção de nascentes e rios na região de Brotas, na porção central do Estado de São Paulo, localizada na sub-bacia do Alto Jacaré-Pepira, onde o abastecimento urbano, a agricultura e o turismo intensivo dependem fortemente dos recursos hídricos. Os resultados, divulgados na revista Isotopes in Environmental and Health Studies, indicam que as chuvas não conseguem repor toda a água do Aquífero Guarani que vem sendo utilizada nas diversas atividades humanas, o que coloca a sustentabilidade do sistema em risco.

Os aquíferos são as maiores fontes de água potável do mundo. E o Guarani é o maior aquífero transfronteiriço – isto é, que se estende pelo subsolo de vários países. Sua área total, de aproximadamente 1 milhão de quilômetros quadrados (km2), abrange trechos no Brasil, no Paraguai, no Uruguai e na Argentina. Dois terços estão no território nacional, alcançando os Estados de Goiás, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.

Nas partes centrais da Bacia Sedimentar do Paraná, o Aquífero Guarani pode atingir espessuras de até 450 metros e situar-se a profundidades superiores a 1.000 metros. Ainda que a quantidade de água doce seja descomunal – com um volume total armazenado de 30 mil quilômetros cúbicos (km3) e um volume disponível de 2 mil km3 –, esse recurso natural, como tudo no mundo, também é finito, sujeito a esgotamento e contaminação por poluentes. Daí a necessidade de estudos que possibilitem compreender a fundo seus mecanismos hidrológicos, assim como de ações de monitoramento do consumo e da recarga que permitam a adoção de mecanismos de gestão que garantam o uso parcimonioso e a preservação. Sabe-se que, em algumas regiões, o rebaixamento dos níveis da água subterrânea chega a ultrapassar 100 metros.

O Estado de São Paulo consome cerca de 80% da água extraída do Aquífero Guarani no país. Dados de 2010 indicaram um consumo ainda maior, superior a 95%. Poços para abastecimento urbano, em primeiro lugar, e para irrigação agrícola, em segundo, são os principais fatores de redução do conteúdo líquido – o que, no contexto da atual emergência climática, com períodos de seca severa, é algo a ser considerado com muita atenção.

“Monitoramos as nascentes, os rios, os poços e a chuva ao longo de oito anos, no período 2013-2021, utilizando isótopos estáveis de hidrogênio [1H-2H] e oxigênio [16O-18º] como marcadores da origem da água. Constatamos que cerca de 80% do volume de água dessas nascentes é proveniente da descarga de águas subterrâneas do Sistema Aquífero Guarani [SAG]”, conta Didier Gastmans, pesquisador do Centro de Estudos Ambientais (CEA) da Unesp, no campus de Rio Claro, coordenador do Laboratório de Recursos Hídricos e Isótopos Ambientais (Larhia) e um dos autores do artigo.

Gastmans informa que, mesmo em períodos de chuva intensa, a maior parte da água que alimenta as nascentes provém do aquífero, com apenas 20% da descarga anual sendo devida à água da chuva recém-infiltrada. Para chegar a essas conclusões, os pesquisadores realizaram um monitoramento detalhado da sub-bacia, acompanhando as variações na profundidade do nível da água subterrânea, a quantidade de chuva e as razões isotópicas da água das nascentes, da água da chuva e da água de um poço profundo de monitoramento instalado na região.

“Os isótopos estáveis de hidrogênio e oxigênio, constituintes da molécula da água, funcionam como ‘impressões digitais’, que permitem identificar a origem da água. As amostras da água da chuva apresentam uma grande variação nos valores dos isótopos, refletindo a influência de diferentes processos atmosféricos sazonais. Já as amostras da água subterrânea mostram uma composição isotópica muito mais constante ao longo do ano. Algo bastante semelhante foi observado na água das nascentes, indicando que elas são predominantemente alimentadas por águas profundas”, explica Gastmans.

A homogeneidade das águas subterrâneas indica que o aquífero não é afetado diretamente por efeitos de sazonalidade, sendo essencialmente composto por uma fonte majoritária de água subterrânea com contribuições bem menores da água da chuva. Por outro lado, o rebaixamento do poço durante o período de monitoramento sugere que tenha ocorrido uma redução das taxas de recarga, devido à diminuição dos volumes totais de precipitação e ao aumento da evapotranspiração. Em outras palavras, o montante de água que entra no aquífero por meio da recarga não está sendo suficiente para repor o montante de água que sai do reservatório – o que é altamente preocupante.

“Sempre existiu uma falsa ideia de que todas as áreas de afloramento do Aquífero Guarani fossem também áreas de recarga para as regiões confinadas e mais profundas do aquífero. Mas nosso estudo apontou que a recarga que ocorre nas áreas de afloramento contribui fundamentalmente para a manutenção do sistema hidrológico local, ou seja, para a manutenção dos fluxos dos rios e das descargas das nascentes. As águas subterrâneas que estão sendo hoje superutilizadas nas várias modalidades de consumo humano são, na verdade, bastante antigas. Como a datação com carbono-14 apresenta várias incertezas, realizamos em parceria com a Agência Internacional de Energia Atômica um projeto no qual foi utilizado um outro traçador, um gás nobre, o criptônio-81, que, associado a outro isótopo, o hélio-4, proporciona valores muito precisos de idade. E detectamos idades variando de 2.600 anos, em Pederneiras, até 127 mil anos em Bebedouro, 230 mil anos em Ribeirão Preto e 720 mil anos no Paraná”, conta Gastmans.

Sustentabilidade

O Aquífero Guarani abastece cerca de 90 milhões de pessoas. Durante a estação seca, sua contribuição chega a suprir 90% da descarga das nascentes. A exploração excessiva, combinada com secas prolongadas no contexto da emergência climática, pode comprometer sua capacidade de sustentar o fluxo dos rios e nascentes, exacerbando crises hídricas como as que ocorreram entre 2014 e 2015 e, novamente, entre 2017 e 2021, no Estado de São Paulo.

“Compreender como o aquífero é recarregado e a dinâmica entre as águas pluviais e subterrâneas é o primeiro passo para garantir sua utilização de forma sustentável. Monitoramento em larga escala e gestão adequada são os passos subsequentes”, conclui Gastmans.

O estudo recebeu apoio da FAPESP por meio de dois projetos (15/15749-2 e 18/06666-4).

O artigo How much rainwater contributes to a spring discharge in the Guarani Aquifer System: insights from stable isotopes and a mass balance model pode ser acessado em: www.tandfonline.com/doi/full/10.1080/10256016.2024.2397469.

A luz do Sol pode fazer você beber água salgada, The News

 

Calma. A gente explica. Um sistema feito por engenheiros do MIT — uma das melhores universidades do mundo — conseguiu transformar água salgada em potável usando apenas a luz do Sol como bateria.

  • O grande diferencial do equipamento é ajustar a produção de água seguindo a quantidade de luz solar. Isso significa que quando o Sol brilha mais, ele produz mais água, e quando uma nuvem passa, a produção cai.

🚰 Por que isso é relevante? Quase 98% da água do planeta é salgada, e, com a abundância da água do mar, a dessalinização pode fazer com que regiões de secas ganhem uma alternativa de água limpa.

Hoje, as alternativas usadas — como as usinas de dessalinização — dependem muito de combustíveis fósseis. Além da sustentabilidade, o Sol é um recurso “infinito”, mais barato e mais estável.

Depois de 6 meses de testes em poços no Novo México, o sistema conseguiu manter uma média de dessalinizar 5 mil litros de água por dia, o que é suficiente para hidratar cerca de 3 mil pessoas.

No fim da linha, o novo sistema do MIT pode mudar a vida de milhões de pessoas ao reduzir o custo da dessalinização, principalmente em lugares que, além da falta de água, também convivem com a falta de energia.

O atual panorama: Cerca de 2 bilhões de pessoas ao redor do mundo — 1/4 da população global — não têm acesso a água potável limpa e segura.

quinta-feira, 10 de outubro de 2024

Minas do Leão transforma lixo em energia e neutraliza gases do efeito estufa, Jornal do Comercio RS

 Minas do Leão, na região Centro-Sul, tornou-se exemplo no Estado e no País na destinação e beneficiamento, com a garantia de economia circular, de resíduos das cidades gaúchas. Em relação às emissões de gases do efeito estufa, o município ocupa posição oposta à de Candiota.

Conforme o levantamento do Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG), do Observatório do Clima, o município responsável pelo depósito e tratamento – com geração de energia e futura geração de combustível – dos resíduos de 80 municípios gaúchos registrou em 2022 emissões negativas, ou seja, capturou mais do que lançou gases do efeito estufa à atmosfera. Foram -460,9 mil toneladas de gases do efeito estufa no balanço entre gases lançados e removidos da atmosfera. O município ocupa a 5536ª posição entre todos no País. Ou o 32º menos poluente do Brasil.
"O aterro de Minas do Leão é o maior do Rio Grande do Sul e o segundo maior do Brasil. Nós encaramos este tipo de empreendimento como um grande biodigestor, no qual, 50% é matéria orgânica. É nela que temos que aplicar tecnologia para evitarmos o lançamento de gases na atmosfera. Gerar gás e energia elétrica a partir dos resíduos é a forma que encontramos para valorizarmos este produto que é essencial e precisa de soluções", explica o diretor-presidente da Companhia Rio Grandense de Valorização de Resíduos (CRVR), Leomyr Girondi.
Foi um processo iniciado há quase uma década. Em 2015, a CRVR passou a gerar energia com a sua biotérmica instalada junto ao aterro, tornando-se a segunda operação deste tipo no País. Algo que, entre 2022 e 2023, a empresa multiplicou em todos os seus outros aterros no Estado. Atualmente, há capacidade instalada para a geração de 8,5 MWh, dos quais, 1 MWh é usado na própria operação do aterro, tornando o empreendimento autossustentável, e outros 7,5 MWh são lançados para a rede de energia.
"O biogás é capturado a partir da fração orgânica dos resíduos, tem a temperatura regulada para movimentar os motores a combustão da usina, e isso gera a energia. Hoje, com a volatilidade deste mercado, em que há mais oferta do que demanda de energia, o valor obtido é em torno de R$ 110 para cada MWh gerado, o suficiente para cobrir os custos. Mas temos plena consciência da importância ambiental deste processo, que terá cada vez maior valor econômico”, explica o dirigente.

Empresa investe para produzir gás combustível

A geração de energia térmica a partir de biomassa no Rio Grande do Sul ainda não ultrapassou 2% do total da carga gaúcha. A CRVR, por outro lado, mesmo com excesso de chuvas em maio, avança. Investe neste ano R$ 123 milhões, e pretende iniciar a operação em abril de 2025, para a produção de metano a partir da biomassa dos resíduos.
O cronograma inicial previa o início das operações em Minas do Leão já no final deste ano, mas foram dois meses com o canteiro de obras parado. Agora, todos os equipamentos para a nova planta industrial para a produção do gás já estão no local para o início da montagem da unidade.
"Existe uma capacidade de mercado muito grande para absorção deste produto. É o mesmo gás que as famílias consomem em casa, que move os veículos e também que é usado em processos industriais. E é obtido a partir de economia circular, do que era resíduo", comenta Girondi.
planta de produção de gás metano terá capacidade de 66 mil metros cúbicos por dia. E a empresa já está de olho na oportunidade de tornar a sua operação ainda mais limpa, e lucrativa, em relação aos créditos de carbono.
Conforme os dados do SEEG, um dos itens em que a economia de Minas do Leão ainda gera gases de efeito estufa significativos ao ambiente – hoje neutralizados pelas ações no aterro – é com o transporte intenso naquela região. O plano, explica Girondi, é que a frota de caminhões que transportará o gás comprimido pelo Estado seja movida por este gás, em mais uma experiência de economia circular.
E há potencial para mais negócios e maior desenvolvimento de tecnologia a partir do lixo. Segundo Leomyr Girondi, além dos 50% de carga orgânica, que geram gás produtivo, outros 39% dos rejeitos são inutilizáveis e encaminhados a tratamentos específicos, desde o aterro até o tratamento de efluentes líquidos. Mas há outros 11% que poderiam ser reaproveitados em ações de reciclagem e hoje são descartados.
Em Minas do Leão, a CRVR investe em estudos de um processo mecanizado para essa separação mais adequada. Ação que tem os olhos não apenas no reaproveitamento de materiais pelos setores produtivos, mas no mercado de crédito de carbono. Neste ano, a empresa faz o seu primeiro inventário completo de emissões e capturas, que inclui não só a operação em si em Minas do Leão e em outros aterros, mas também toda a cadeia dos resíduos.
"Empreendimentos que recebem menos resíduos, com reciclagem mais eficiente, têm vida útil maior e geram maior riqueza. Um aterro gera em torno de 240 mil créditos por ano. Estamos cada vez mais atentos a este mercado futuro", aponta o representante da CRVR.

Resíduos sólidos e geração de energia no RS

* Menos de 2% a geração de energia do Estado vem da biomassa.
* A geração de energia e combustível a partir de resíduos sólidos e de cascas de arroz são as mais promissoras em biomassa na região.
* Há projetos em execução em Minas do Leão, Uruguaiana e Itaqui.
* Com 16,4% do potencial rastreado, a Fronteira Oeste é a região com maior potencial para produção de energia a partir de biomassa no Estado.
* As cheias geraram pelo menos 800 mil toneladas de resíduos que agora começarão a ser tratados e destinados.