sexta-feira, 20 de setembro de 2024

O QUE A FOLHA PENSA - O fogo e o risco de savanização amazônica, FSP

 

-
Incêndio florestal atinge a Terra Indígena Kayapó, no Pará - Marizilda Cruppe - 12.set.24/Greenpeace Brasil/Divulgação

Para além da catástrofe conjuntural, os megaincêndios —quando o terreno queimado ultrapassa 10 mil hectares— em florestas na amazônia elevam o risco de uma devastação irreversível do bioma.

Uma área de 67 mil hectares na Terra Indígena Kayapó, no Pará, está em chamas desde 8 de agosto, de acordo com monitoração por satélite da Nasa. Esse tipo de destruição avassaladora foi verificado pela primeira vez na região em 1998, ano de ação do El Niño, que diminui o volume de chuvas.

Em 2023, tal fenômeno meteorológico aliado à mudança climática, que eleva temperaturas em todo o mundo, também causou forte estiagem no bioma, e sabia-se que ele se estenderia por 2024.

Segundo especialistas, a estação seca nos mais de 2 milhões de km² do sul da amazônia ficou de quatro a cinco semanas mais longa e cerca de 20% mais intensa nos últimos 40 anos. Sem a proteção de sua umidade natural, florestas ficam mais inflamáveis.

Daí a mudança no perfil das queimadasque têm atingido mais florestas primárias —que ainda não sofreram mudanças por atividade humana. Isso contribui para o processo de degradação da mata, que perde as árvores mais altas, criando clareiras que enfraquecem o ecossistema com vento, luz do sol e calor.

PUBLICIDADE

De acordo com o MapBiomas, entre janeiro e agosto de 2024, mais de 1,7 milhão de hectares de floresta queimaram na amazônia. No mesmo período do ano passado, o número foi bem menor, cerca de 482 mil hectares.

Estiagem, incêndios florestais e degradação podem fazer com que a amazônia não consiga mais produzir o volume de chuvas necessário para manter sua sobrevivência, o que levaria ao temido ponto de não retorno —quando a o processo de savanização do bioma torna-se irreversível.

Estima-se que tal cenário tenha início se e quando 25% da floresta amazônica estiver destruída. Apesar de não haver consenso científico sobre essa porcentagem, projeta-se que até 2050 esse ponto será ultrapassado.

O governo federal precisa implantar políticas nacionais contínuas para prevenção do fogo, adaptação à mudança climática, regularização fundiária e descarbonização da agropecuária.

Já as gestões estaduais não podem depender só do Planalto, dado que são responsáveis por autorizar queimadas e têm efetivo mais numeroso de bombeiros e brigadistas para combate ao fogo.

Devem-se integrar ações em ambas as esferas, para que a maior floresta tropical do planeta não rume com celeridade a uma tragédia previsível.

editoriais@grupofolha.com.br

Haddad volta à USP, é criticado por alunos e tenta provar que não é comunista nem neoliberal, FSP

 Eduardo Cucolo

SÃO PAULO

Bem recebido pelos professores, mas não tanto pelos alunos, o ministro Fernando Haddad (Fazenda) voltou nesta sexta-feira (20) à USP (Universidade de São Paulo) para um evento, no qual afirmou que o governo Lula optou por uma política econômica que surpreendeu o mercado e promoveu um ajuste fiscal não recessivo.

Na entrada do evento, organizado pelas três faculdades pelas quais passou (Direito, Economia e Filosofia, Letras e Ciências Humanas), o ministro foi recebido por estudantes com uma série de cartazes críticos. Um deles, que dizia "abaixo o arcabouço fiscal", foi citado por ele durante a palestra.

Ao final da apresentação e de uma rodada de perguntas, alguns estudantes presentes entoaram um coro contra o arcabouço, que traz as metas para o resultado das contas públicas.

Antes, o ministro recorreu a uma frase de um amigo para falar sobre as críticas à condução da política fiscal. Segundo Haddad, se alguém defende um superávit primário nas contas públicas de 0,2% do PIB (Produto Interno Bruto) como meta, é tachado como neoliberal. Se defende um déficit do mesmo valor, é chamado de comunista. "Então a diferença entre um liberal e um comunista é 0,4% da meta", afirmou.

Cartaz com críticas ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad, na USP (Universidade de São Paulo)
Cartaz com críticas ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad, na USP (Universidade de São Paulo) - Ana Bottallo/Folhapress

O ministro começou sua apresentação falando sobre a transição do governo, na qual avaliou que Lula herdou uma situação de anormalidade nas contas públicas, com calote de precatórios, destruição do cadastro dos programas sociais e aumento de emendas parlamentares.

PUBLICIDADE

Afirmou, ainda, que o governo optou por uma estratégia de ajuste fiscal não recessivo, contrariando a expectativa do mercado de que o Executivo cometeria um de dois erros: não fazer o ajuste, e deixar juros e dólar dispararem, ou fazer um ajuste recessivo. Isso explicaria as falhas de projeção do mercado para o PIB (Produto Interno Bruto), segundo Haddad.

"O que se vê é esse nervosismo, a cada dois dias um susto. Nada do que o mercado projeta se confirma", disse o ministro.

Durante a apresentação, afirmou que a questão fiscal importa e que foi o arcabouço que permitiu pagar benefícios sociais, aumentar investimentos e reduzir as tensões sociais que ainda existem no cenário político.

Haddad também defendeu a estratégia do governo de aumento da arrecadação, dizendo que, ao longo de dez anos, um conjunto de empresas se apropriou do orçamento público e começou a aprovar leis que tiraram receitas de mais de R$ 200 bilhões do governo. Por isso, um dos caminhos do ajuste seria cobrar tributos de quem deixou de pagar.

"O mais engraçado é que quem mais se beneficia dos incentivos fiscais são os primeiros a exigir o equilíbrio fiscal. Todo mundo quer o equilíbrio fiscal, desde que não mexa com o seu", afirmou.

O ministro seguiu na crítica ao afirmar que, no Brasil, todo benefício fiscal visto é um direito adquirido, tanto do trilionário como daquele que está no topo da carreira do serviço público.

Segundo o ministro, outro problema são as muitas teses tributárias. Na maioria dos casos, defendendo privilégios de alguém, e contestando leis que, para ele, já possuem dispositivos feitos para gerar questionamentos.

"Por isso que hoje não adianta ser economista para ser ministro da Fazenda. Você tem de ter no mínimo um bom corpo de advogados para te defender. Pelo menos 20% do meu tempo é estudando ações judiciais que a União pode perder e que podem acarretar o desequilíbrio das contas", afirmou.

"Isso é uma indústria, você não consegue se livrar disso."

Segundo o ministro, o planejamento tributário virou critério para saber quem vai ganhar a disputa no mercado. "O planejamento tributário responde por 80% da disputa, e 20% você vai falar de competência."

PROTESTOS

Em meio a gritos de guerra como "o arcabouço ataca a educação, queima floresta e dá dinheiro para o patrão", estudantes da USP de diferentes faculdades protestaram após o encerramento da palestra do ministro.

As principais críticas eram em relação ao limite de gastos e à ineficiência nas ações de prevenção e controle dos fogos que se alastram pelo país desde o começo de agosto.

Pedro Chiquitti, 20, estudante de história e parte do coletivo Juntos, conta que o DCE (Diretório Central de Estudantes) esteve com Lula e Haddad, em 2022, fazendo campanha para o segundo turno das eleições presidenciais, mas que agora tem um papel também de questionar o desempenho do atual governo.

"Nossa principal demanda é contra o arcabouço fiscal, porque ele limita os gastos que devem ser investimentos. O Plano Safra, por exemplo, destinou R$ 400 bilhões ao agronegócio, mas apenas R$ 75 bilhões para pequenos produtores", diz.

Muitos criticaram também a postura que consideram mais à direita do ministro, que dialoga com setores que se beneficiam de incentivo fiscal e agravam a crise climática.

"O Fernando Haddad é um consenso entre a própria direita que é aquilo que há de mais ‘moderado’ e de mais contato com a Febraban [Federação Brasileira de Bancos], a Fiesp [Federação das Indústrias do Estado de São Paulo] e os bancos. Na nossa interpretação é uma escolha de projeto político, de não enfrentar a crise climática, não enfrentar a lógica do teto de gastos, privilegiando atender os setores da especulação imobiliária".