terça-feira, 17 de setembro de 2024

Alvaro Costa e Silva - O circo das cadeiradas, FSP

 O chamado antissistema é o próprio sistema em ação. É a maneira de fazer política que conquista eleitores pelo menos de uns 30 anos para cá, oficializando governos liderados por comediantes que se valem da sedução da cultura de massa. Com o avanço das redes sociais, o esquema se fortaleceu: personalidades inventadas, mitos forjados, eventos falsos, mentira passando por informação verdadeira. Circo sem pão.

Ao chamar Datena de "arregão" no debate, Marçal ganhou a cadeirada ao vivo. Cena típica dos mais apelativos programas de auditório. Não por acaso, o apresentador Ratinho convidou os dois para brigarem diante de suas câmeras: "Pode meter o braço".

O candidato provocador agradece a agressão, pois a baixaria o põe de novo na berlinda. Discute-se se o coach é um Bolsonaro reboot, que avança na mesma faixa de votos e ameaça jogar o capitão definitivamente para a reserva. Ou se é um Celso Russomanno reciclado, que vai perdendo gás ao longo da disputa.

Marçal, ao contrário do que se acredita, é bem tradicional em intenções e gestos. Sua campanha expõe dois pilares da política brasileira. O primeiro é o descumprimento sistemático da lei eleitoral. O segundo é a suspeita cada vez mais forte da penetração do crime organizado nas estruturas do Estado.

Para ficar em só exemplo, e dos mais comuns: os repórteres Aline Ribeiro e Rafael Soares mostraram que um candidato a vereador de Nilópolis, na Baixada Fluminense —que nas redes postava vídeos dizendo ter o sonho de ver as pessoas conversando em frente ao portão de casa sem serem assaltadas— foi condenado a mais de sete anos de prisão por integrar uma milícia.

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Com 14% da população vizinha de organizações criminosas, segundo pesquisa do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, é escancarada a interferência de facções como PCC e Comando Vermelho nas eleições municipais. As cidades com mais casos de atentados e assassinatos de lideranças comunitárias registraram uma queda acima da média nacional no volume de candidaturas. Com o tempo, só vão ficar os palhaços e os bandidos.

Vacilou, dançou, Dora Kramer FSP

 Um dos motivos entre os vários que puseram o PSDB na rota do infortúnio foi a ausência de posicionamento nítido desde que deixou o Planalto. E até antes disso, quando na eleição de 2002 os tucanos se dedicaram ao exercício do equilibrismo.

Posto em desassossego na corda bamba, o tucanato saiu derrotado. Em seguida fez oposição tímida aos governos petistas e, depois do impeachment de Dilma Rousseff (PT), apostou na lei do menor esforço, acreditando que na eleição de 2018 seria beneficiário do recall da quase vitória de Aécio Neves em 2014.

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O prefeito Ricardo Nunes (MDB), candidato à reeleição em São Paulo, e o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) participam de evento no batalhão da Rota - Zanone Fraissat/Folhapress

De novo perdeu e nunca mais se recuperou. Aí o erro dialoga com falha no senso de oportunidade. Mas há equilibristas que se equivocam por excesso de oportunismo. É o caso de Jair Bolsonaro (PL). Fosse mais atento à dinâmica da política como ela é, o ex-presidente levaria em conta os ditames da história para perceber que a deposição dos pés em duas canoas dificilmente dá camisa a alguém.

Quem faz política precisa ter nitidez de posição. O muro é um lugar confortável, mas eleitoralmente ineficaz. Saber como e quando pular do barco é uma arte na qual o centrão é catedrático.

Na disputa à Prefeitura de São Paulo, o apoio errático de Bolsonaro ao prefeito Ricardo Nunes (MDB) com sinais de apreço dirigidos a Pablo Marçal (PRTB) para disfarçar a evidência de que o voto dessa direita não tem dono denota insegurança nas escolhas.

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Sobe naquela corda cujos movimentos tortuosos podem levar a derrubadas estrepitosas. Os "nítidos" nem sempre ganham, mas acumulam forças na derrota. Lula, PT e todas as suas idas e vindas são o exemplo mais notável.

Conseguiram ganhar cinco eleições presidenciais em oposição a avanços sociais e econômicos como o Plano Real, a privatização das telecomunicações e outros tantos. Como? Tendo a chamada firmeza ideológica.

Goste-se ou não do resultado, sendo o conteúdo muitas vezes para lá de questionável, fato é que o eleitorado não é dado a meios-termos. Notadamente em tempos de torcidas radicalizadas, o líder que vacila candidata-se a perder seu lugar na fila.


Quem é o eleitor evangélico de Marçal?, Juliano Spyer, FSP


Se der a lógica, haverá apenas uma vaga em disputa na eleição paulistana: a de adversário de Guilherme Boulos no segundo turno. O candidato do PSOL aparece em terceiro lugar em algumas pesquisas, mas deve ser impulsionado pelo voto útil de eleitores que, estando mais à esquerda, não querem dois representantes do bolsonarismo disputando o comando da cidade.

Marçal e Nunes, cada um a sua maneira, estão engajados em conquistar o eleitor evangélico. A estratégia do prefeito é atuar institucionalmente, dialogando com pastores e lideranças. Ele não é evangélico, mas tem o apoio da bancada evangélica na Câmara Municipal e de líderes influentes, como o pastor Silas Malafaia.

O ex-coach, por sua vez, aposta nas redes sociais para falar diretamente com os eleitores. Ele usa a visibilidade que conquistou para fazer associações que o público evangélico entende —por exemplo, apresentando a si próprio como Davi, Bolsonaro como Saul e o comunismo como Golias— e para discutir aborto, como fez na visita à Bienal do Livro na semana passada.

Se a disputa estivesse ocorrendo no início deste século, o resultado seria previsivelmente favorável ao prefeito, mas a internet mudou tudo. Hoje o termo "evangélico" se tornou mais amplo e flexível, como escreveu a antropóloga Christina Vital, em artigo nesta Folha, sobre o crescimento das "igrejas digitais".

Até recentemente, o evangélico era alguém que frequentava uma igreja física regularmente e, por isso, estava submetido à autoridade de um pastor. Esse grupo ainda existe, mas hoje temos evangélicos cuja ligação com a igreja é mais instável. Como o próprio Marçal, eles não congregam regularmente e vivem o cristianismo como um estilo de vida, não como religião.

Pablo Marçal em campanha na rua Santa Ifigênia - Rafaela Araújo/Folhapress

E quem é esse eleitor? Ele é predominantemente jovem, um "batalhador" egresso do ensino público que sonha ascender socialmente. Para ele, o cristianismo é uma ética, ou seja, um conjunto de princípios que o ajudam a sobreviver diante das dificuldades do dia a dia.

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Se frequenta uma igreja, essa igreja é possivelmente uma de bairro, para os mais pobres, ou igrejas badaladas, como a Batista da Lagoinha, ou de médio porte, como a Videira, de onde vem Marçal. Mas também há nesse grupo o crente desigrejado, que se afastou por motivos diversos, como falta de tempo ou desentendimentos, e ainda o "simpatizante", que considera suficiente o acesso à religião por meio digital.

A guerra está intensa. Apoiadores de Nunes circulam trechos de vídeos em que Marçal afirma que não paga dízimo e se compara ao rei Salomão.

O ex-coach responde constrangendo líderes. "Eu quero fazer um desafio: qualquer pastor que quiser apoiar o Nunes, que fale publicamente", provocou na sabatina d’O Antagonista, na sexta (13). "E não faça como o [apóstolo] Estevão Hernandes, que postou e apagou, porque os próprios membros não estão com ele."

Se a partir de Bolsonaro o eleitor evangélico entrou no mapa da política, visto muitas vezes como uma categoria monolítica, neste ano descobriremos como esse campo se divide. E quem é mais influente.