terça-feira, 10 de setembro de 2024

Projeto do combustível do futuro prevê estocagem de CO2 que pode beneficiar Petrobras e poluentes, FSP

 

Brasília

O projeto de lei dos biocombustíveis, chamado de combustível do futuro, cria o marco legal para a estocagem de CO2 no subsolo, ou CCS (captura e armazenamento de carbono, em inglês).

Apoiadores projetam nesta tecnologia uma indústria bilionária para neutralização da pegada de carbono de setores que têm emissão intensiva (como carvão, gás e óleo). Críticos questionam sua viabilidade e veem risco de fortalecimento da indústria poluente em detrimento de fontes sustentáveis de produção.

A tecnologia de CCS permite armazenar gás carbônico no subsolo. O projeto cria as diretrizes legais para a estocagem e também para captura e transporte do CO2 no Brasil —o texto está na Câmara dos Deputados e pode ser votado nesta semana.

Plataforma da Petrobras no Rio de Janeiro - Pilar Olivares - 5.set.2018/Reuters

Petrobras pode ser uma das grandes beneficiadas com este mercado, uma vez que já atua com a estocagem (é uma das companhias no mundo com maior expertise no setor) e poderia oferecer este serviço para outras empresas —inclusive utilizando os poços do pré-sal.

O projeto altera o objeto social da estatal para prever a atuação em "atividades relacionadas à movimentação e à estocagem de dióxido de carbono."

"A Petrobras é uma das mais interessadas no tema, pois já possui um dos maiores programas de captura e armazenamento de CO2 em operação no mundo. Além disso, o CCS vem como alternativa para estruturação da transição energética", diz Tiago Santana, sócio coordenador de relações governamentais do Perman Advogado.

William Wills, diretor-técnico do Centro Brasil no Clima, afirma que a tecnologia pode ser importante para ajudar a cumprir as metas do Acordo de Paris, mas a indústria não pode deixar de desenvolver outras rotas de produção menos poluentes.

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"Ainda há muitas incertezas quanto ao CCS, uma interrogação no potencial de longo prazo e no custo para se manter o carbono estocado por séculos", diz.

Um dos principais entraves é a viabilidade econômica, já que o processo é caro.

Há indústrias que emitem gás carbônico misturado com outras moléculas, como a siderurgia. Neste caso, é necessário primeiro separar o poluente, para depois estocá-lo, o que tem custo alto.

Já o agronegócio deve ter vantagem, porque a fermentação da cana já produz CO2 com alto grau de concentração, praticamente pronto para ser estocado.

O projeto de lei determina que a ANP (Agência Nacional de Petróleo) deve regulamentar este mercado, segundo diretrizes do CNPE (Conselho Nacional de Política Energética), e que as autorizações para exploração do subsolo da União terão duração de 30 anos.

"Uma vez aprovado, o esforço vai ser de regulamentação, porque a ANP vai ter muitas atribuições. Ela era uma agência de competência limitada, e apesar de muito capacitada, está ampliando muito suas atribuições. Isso pode ser um gargalo. Precisamos reforçar a ANP", afirma Isabela Morbach, diretora da CCS Brasil.

Especialistas projetam o surgimento de polos logísticos de CCS, que servirão de ponto intermediário entre a empresa que emite e a que estoca.

A tendência é que eles fiquem próximos à costa, mas em regiões bastante industrializadas —por exemplo, no norte do Rio de Janeiro.

Presidente da Associação Brasileira do Carbono Sustentável, que representa o carvão, Fernando Luiz Zancan defende a estocagem como forma viabilizar o uso de usinas termelétricas.

"O CCS é importante para petróleo, gás, carvão e para os biocombustíveis terem emissões neutralizadas. Para nós, não existe indústria de carvão de grande porte sem ter captura de CO2", afirma.

Sob reserva, representantes destes setores avaliam que haverá uma forte pressão para que o governo dê incentivos iniciais para o mercado de CCS —o que é criticado por quem questiona o método.

"Setores que deveriam reduzir níveis de atividade e ter um papel menos importante na sociedade podem acabar ganhando mais subsídio. Quero que o CCS dê certo, mas ele não pode ser tratado como bala de prata. Precisamos de outras medidas em conjunto para processos mais limpos e renováveis", afirma.

"Não defendo que o CCS sirva para justificar a manutenção integral dos fósseis como são usados hoje, mas existe uma transição a ser feita", diz Isabela Morbach.

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Luís Mattos

Há 2 horas

O combate às mudanças climáticas deve se concentrar na outra ponta do processo, isto é, na escolha e uso de fontes de energia limpa. A estocagem de CO2 é mais uma tentativa desesperada dos detentores do controle das fontes de energia fósseis ( óleo, gás, carvão) no sentido de continuar faturando.

Brookfield investirá US$ 1,1 bilhão para entrar no mercado de combustível sustentável de aviação, FSP

 

Joe Ryan
Bloomberg

O fundo de investimentos Brookfield Asset Management anunciou investimento de US$ 1,1 bilhão (R$ 6,15 bilhões) na startup de combustível sustentável Infinium.

O gestor de ativos canadense divulgou nesta terça-feira (10) que investirá mais de US$ 200 milhões (R$ 1,12 bilhão) no Projeto Roadrunner da Infinium, que está em desenvolvimento no oeste do Texas (EUA), e mais US$ 850 milhões (R$ 4,76 bilhões) em outros projetos da Infinium ao redor do mundo.

Avião da Emirates Airlines é abastecido com combustível sustentável de aviação
Avião da Emirates Airlines é abastecido com combustível sustentável de aviação - Rula Rouhana/Reuters

O acordo marca o primeiro investimento direto da Brookfield em combustível de aviação sustentável. A Infinium produz seus combustíveis através de um processo que combina água, dióxido de carbono residual e energia renovável.

Eles podem ser usados no lugar de combustíveis fósseis em aviões, navios, caminhões e na indústria.

A Brookfield fará o investimento através do seu fundo de transição mundial. A empresa também atuará como líder na oferta de ações preferenciais da série C da Infinium.


Iniciativa privada tem papel ativo para acelerar plano de descarbonização no âmbito do G20, Ricardo Mussa, FSP

 

Os efeitos devastadores das queimadas no interior de São Paulo são mais um sinal de alerta para reforçar que é cada vez mais urgente adotar esforços conjuntos para acelerar a transição rumo a uma economia "net zero".

Incêndio em mata no bairro de Perus, ao lado do Rodoanel, em São Paulo - Danilo Verpa - 10.set.24/Folhapress

Sem descartar outras causas críticas, é fato que o fogo escalou de maneira brutal em um cenário de forte seca vivido pelo país —a de maior extensão e intensidade dos últimos 70 anos, de acordo com estudo divulgado neste mês pelo Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais).

Para mudar tal quadro extremamente preocupante, não há fórmulas prontas ou soluções fáceis, como bem diz um recente manifesto assinado por mais de 50 lideranças empresariais de grandes companhias brasileiras.

Só há uma certeza: o Brasil precisa acelerar e aprofundar a construção de diretrizes e metas de um plano nacional de descarbonização para ser levado à COP30 (Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas), que acontecerá em Belém, em 2025.

E o momento é mais do que oportuno.

No ano passado, o Brasil assumiu a presidência rotativa do G20 até novembro de 2024. E a reunião de Cúpula de Líderes do G20 será justamente no Rio de Janeiro, onde estarão delegações de 19 países-membros, mais a União Africana e a União Europeia.

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A iniciativa privada tem papel essencial nesse processo. Não por acaso, foi criado o B20 —fórum de diálogo mundial que conecta a comunidade empresarial aos governos do G20, mobilizando quase mil representantes do setor privado dos países-membros.

O chamado "communiqué", documento oficial do B20, reúne todas as recomendações provenientes das oito forças-tarefas do grupo de engajamento do setor privado. Pela primeira vez o documento foi entregue antecipadamente, com o objetivo de ser analisado e influenciar as negociações dos líderes mundiais antes da reunião de cúpula do G20.

O resultado foi apresentado no final de agosto ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

São mais de 20 propostas de políticas públicas e três recomendações claras:

1) acelerar o desenvolvimento e o uso de soluções de energia renováveis e sustentáveis para garantir a descarbonização de todos os setores a curto e longo prazo;

2) dobrar a eficiência energética até 2030, possibilitando a redução gradual das emissões, e promover a eficiência dos recursos e a economia circular;

3) promover soluções naturais eficazes para mitigar as mudanças climáticas e aumentar a biodiversidade, com potencial de reduzir de 5 a 12 GtCO2e (bilhões de toneladas de dióxido de carbono equivalente) por ano até 2030, contribuindo com cerca de 20% a 50% da redução necessária para estar no caminho das emissões líquidas zero.

Essas recomendações, por si só, já são um grande avanço. Como líder da força-tarefa de Transição Energética do B20 Brasil, acredito firmemente que o atendimento dessas propostas seja um passo essencial para o enfrentamento conjunto dos desafios globais.

O planeta precisa de soluções renováveis, sustentáveis, eficientes e, principalmente, disponíveis. Só assim será possível garantir a segurança energética e manter as metas do Acordo de Paris, pelo qual os países signatários concordaram em limitar o aumento da temperatura global idealmente até 1,5°C.

Para alcançar esse objetivo, é essencial uma colaboração coordenada e diversificada entre governos, empresas, instituições, comunidades e outros envolvidos que olhem, juntos, para um horizonte factível.