segunda-feira, 9 de setembro de 2024

Deixar Milei falar sozinho é o melhor remédio, Elio Gaspari FSP

 Bater boca com Javier Milei é fazer o seu jogo. Quando a Argentina precisa, pede ao Brasil que cuide de sua embaixada em Caracas.

Deixá-lo falar sozinho é o melhor remédio. Avisar que o Itamaraty cancelará reuniões é coisa de pirracento.

Na diplomacia profissional, pode-se até ir à reunião, desde que os negociadores sejam instruídos a adiar a discussão de todos os assuntos que interessam aos hermanos.

Forças de Segurança de Venezuela diante da embaixada da Argentina em Caracas - Alexandre Meneghini - 31.jul.2024/Reuters

KAMALA X TRUMP

Terça-feira Kamala Harris e Donald Trump terão seu primeiro debate.

Kamala entrará como favorita, até porque o ex-presidente está zonzo.

Por mais que se torça pela senhora, não se deve esquecer que ela foi pedestre no discurso diante da convenção dos democratas e na sua primeira entrevista.

A crise ambiental mudou de patamar, Elio Gaspari, FSP

 A crise climática está aí. O país vive a maior seca em mais de meio século, 2.000 municípios estão em condições de risco e cidades são tomadas pela fumaça dos incêndios. No Dia da Amazônia, soube-se que, em agosto, a região teve 38 mil focos de queimadas, um número superior aos anos de Bolsonaro. A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, disse no Senado que o bioma do Pantanal pode desaparecer até o fim deste século.

Os ambientalistas tinham razão. Vistos como profetas da catástrofe, revelaram-se clarividentes. E agora? O pior cenário seria a continuação do que acontece há décadas. Os defensores do meio ambiente reclamam, nada acontece (ou faz-se uma lei) e as coisas continuam na mesma. A orquestra toca a partitura errada e alguns instrumentos não tocam como deviam.

Uma grande nuvem de fumaça acima de uma área verde
Queimada em uma área desmatada dentro de uma fazenda às margens do ramal LP45 em Vila Nova de Samuel, no município de Candeias do Jamari, em Rondônia - Lalo de Almeida - 03.set.2024/Folhapress

Antes da posse de Lula, circulou a proposta de se cuidar do meio ambiente por meio de uma política de transversalidade. Por trás dessa palavra que pode dizer muito, ou nada, o problema ambiental seria enfrentado por uma agência, fosse o que fosse, prevalecendo sobre as burocracias dos ministérios.

Enquanto o novo governo era uma arca de sonhos, essa proposta inteligente ganhou destaque. Com a posse, veio a vida real. Mobilizaram-se burocratas que não queriam compartilhar o poder de seu quadrado e parlamentares que defendem os interesses dos agrotrogloditas. A ideia da transversalidade foi queimada no escurinho de Brasília.

Não há receita visível para se resolver o problema, mas está diante de todos a evidência de que as coisas não funcionam mantendo-se a máquina que existe. É como querer que um caminhão voe.

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No seu novo patamar a crise ambiental pede que se comece a discutir o formato da peça que implementará a transversalidade. Do jeito que estão as coisas, a ministra Marina Silva vai ao Senado e diz o seguinte:

— Nós estamos vivendo sob um novo normal que vai exigir do poder público capacidade de dar resposta que nem sabemos como vão se desdobrar daqui para a frente. (...) Somos cobrados para que se faça investimentos que são retro alimentadores do fogo.

Lindas palavras, mas a ministra é parte do que chama de "poder público". Além disso, se investimentos alimentam o fogo, cabe ao "poder público" expor a questão, até porque investimento não põe fogo em nada. Quem queima são iniciativas e barrá-las, expondo-as, é o que se precisa.

Em novembro de 2025 instala-se em Belém a 30ª Conferência da ONU para Mudanças Climáticas, a COP 30. O governo está tratando do assunto como se ele fosse mais um evento, procurando brechas para lustrar biografias.

Má ideia, pois o Lula que foi à COP 27 em 2022, no Egito, vestia o manto da proteção ambiental. Em Belém precisará mostrar resultados e ações.

LITIGÂNCIAS GERAIS

Vêm aí milhares de litígios, sobretudo nas regiões do Sul afetadas por enchentes. São devedores contra bancos, empresários contra fornecedores, fornecedores contra empresários e, acima de tudo, pessoas ou negócios prejudicados pela má gestão do poder público.

Algumas já chegaram à Justiça e calcula-se que a enxurrada seja de tal proporção que será necessário criar um protocolo para lidar com ela.

domingo, 8 de setembro de 2024

Vence a pilantragem dos influencers da saúde, Reinaldo José Lopes , FSP

 Aviso aos navegantes: na internet deste Brasil varonil, existe um vasto ecossistema de "influenciadores da saúde" dedicado a vender soluções estapafúrdias para doenças que deveriam ser tratadas com medicina de verdade. Para nossa sorte, também existem divulgadores científicos que costumam desmontar esses absurdos com precisão e bom humor.

Que bom, né? Mas o Judiciário do estado de São Paulo resolveu multar uma dupla dessas divulgadoras pela ousadia de criticar abertamente um sujeito que afirmou que diabetes é causado por… parasitas. E que recomendava um suposto "protocolo de desparasitação" como forma de resolver o problema.

Aparelhos utilizados por paciente com diabetes - Jardiel Carvalho - 14.nov.23/Folhapress

Em tempo: na imensa maioria dos casos, tendências genéticas e/ou má alimentação –em especial, é claro, o excesso de açúcar– são as responsáveis pelo aparecimento do diabetes. Dieta e, em certos casos, medicamentos ou o uso da insulina são as únicas abordagens recomendadas para tratá-la. Atribuir a doença a parasitas é delírio puro e simples.

Foi por dizer o óbvio acima que o duo NuncaVi1Cientista, formado pela bióloga Ana Bonassa (especialista no metabolismo do diabetes, inclusive) e pela farmacêutica Laura Marise, ambas com doutorado em suas respectivas áreas, está sendo penalizado. Elas terão de pagar R$ 1.000 em danos morais ao responsável pelas postagens descabidas. Como temos visto por aí (olá, Pablo Marsauron!), a pilantragem compensa.

O valor pode até ser modesto, mas o precedente aberto pela decisão da juíza Larissa Boni Valieris, da 1ª Vara do Juizado Especial Cível, parece-me absolutamente assustador. E reparem que o vídeo original publicado pelas divulgadoras (agora apagado por ordem judicial) não continha uma única acusação de delito. Limitava-se a reproduzir a página de uma rede social do nutricionista que replicou os disparates, informava que ele tinha bloqueado o pessoal do NuncaVi1Cientista quando avisaram-no de que ele estava espalhando bobagem e explicava como o diabetes realmente funciona.

A juíza Valieris, entretanto, apegou-se à interpretação de que reproduzir a rede social de uma pessoa sem autorização em outro perfil era injustificável. Não importa que o perfil com ideias perigosas para a saúde pública fosse aberto para quem quisesse ver. Segundo ela, deve ser observada "a inviolabilidade à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem das pessoas". "Verifica-se, pois, a ocorrência do dano moral, haja vista a situação de vergonha e tristeza a que fora submetido o autor [do processo], em razão da conduta do réu em publicar, sem autorização, seus dados em vídeo junto a rede social de amplo alcance", escreve ela na sentença.

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Do meu ponto de vista, seria interessante que o Judiciário brasileiro começasse a levar em conta a vergonha e a tristeza de familiares que vêm seus entes queridos deixando de lado tratamentos eficazes para se entupirem de "água alcalina" ou chazinhos duvidosos, colocando sua vida em risco porque acreditaram num rostinho carismático da internet.

Seria ainda mais interessante que o Judiciário aprendesse que muito ajuda quem não atrapalha, ao menos permitindo que pessoas que realmente entendem do que estão falando possam desmontar os argumentos dos picaretas sem temer assédio jurídico.

Sonhar não custa nada.