domingo, 8 de setembro de 2024

MANOEL GALDINO Gaslighting intelectual, FSP

 Manoel Galdino

Doutor em ciência política pela USP, é diretor executivo da Transparência Brasil

Há em curso uma crítica, pela esquerda, ao chamado identitarismo, centrada na forma como pessoas negras, mulheres e comunidade LGBTQIA+ têm participado do debate público. Embora existam mesmo excessos, com grupos mobilizando suas identidades para se colocarem em posição de superioridade ética, eles são menos insidiosos ou poderosos do que outro fenômeno que dominava o debate público de forma invisível até então: o gaslighting intelectual.

O livre mercado de ideias, em que pessoas ou grupos não são deslocados para uma posição defensiva do ponto de vista psicológico, nunca existiu plenamente. O gaslighting intelectual, caracterizado pela negação sistemática de realidades sociais evidentes, há muito tempo já minava o debate público ao distorcer a própria base sobre a qual as discussões deveriam ocorrer.

Marcha da Consciência Negra em protesto contra o racismo no Brasil, em 2020 - Danilo Verpa/Folhapress

Considere a discussão sobre cotas raciais no Brasil nos anos 2000. Afirmava-se que o racismo no país era inexistente e que as cotas criariam esse problema em nosso paraíso racial. O gaslighting, definido como forma de abuso psicológico onde se leva o outro a questionar sua percepção da realidade, manifestava-se fortemente. Ao negar a realidade do racismo e deslegitimar os sofrimentos vividos como algo esporádico, em vez de estrutural e recorrente, distorcia-se a própria base do debate.

Não se trata de querer interditar o debate ao rotular certos argumentos como abuso psicológico. Contudo, é fundamental reconhecer como a negação sistemática de opressões baseadas em raça, gênero e identidades LGBTQIA+ impacta negativamente a participação de vozes diversas no espaço público.

A construção de um debate público aberto e inclusivo não pode envolver o retorno ao estado anterior de coisas.

As críticas que têm acentuado o suposto identitarismo como raiz dos males contemporâneos precisam tomar cuidado para não se engajar, mais uma vez, em gaslighting intelectual. Fez mal no passado, continuará fazendo novamente.

sexta-feira, 6 de setembro de 2024

Ministério Público faz sessão de desgravo a promotor vítima de racismo no TJ-SP, FSP

 

SÃO PAULO

O MP-SP (Ministério Público de São Paulo) realizou nesta sexta-feira (6) uma sessão solene de desagravo ao procurador de Justiça Eduardo Dias de Souza Ferreira, vítima de racismo nas dependências do TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo).

"Não é fácil falar. Não é fácil estar aqui", discursou Eduardo Dias, no encerramento da cerimônia. "Tenho recebido muitas mensagens, muito apoio. Fui às lagrimas. Uma dizia: 'muito triste o que aconteceu com você. É lamentável, repugnante, mas ainda bem que foi com você, porque sei que levará isso adiante'", disse ele.

Segundo a convocatória para a sessão de desagravo, ao tentar ingressar no TJ-SP no último dia 30 de julho, Eduardo Dias, "enquanto cidadão, negro e procurador de Justiça, foi retirado de um elevador para ser revistado e passar por um sistema de detector de metais, depois de ter se identificado regularmente na entrada do tribunal".

"A credibilidade do doutor Eduardo Dias de Souza Ferreira, exemplar colega, indica a necessidade de pronta e enérgica resposta do Ministério Público", acrescentou o texto. O procurador está no Ministério Público desde 1989 e é também professor da PUC-SP.

Eduardo está em primeiro plano, usando um terno e gravata cinza, com uma camisa azul. Sua cara é marcada pela sombra de uma janela.
Retrato do procurador Eduardo Dias, na Promotoria do Ministério Público de São Paulo - Zanone Fraissat/Folhapress

O promotor Mario Malaquias, integrante da Rede de Enfrentamento ao Racismo do MP-SP, disse que o ato de desagravo mostra o compromisso do órgão com o combate à discriminação.

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"O que traz todas essas pessoas aqui é a indignação. Quando uma sessão desta acontece, o Ministério Público mostra repúdio a não só este caso como a todos que acometem a população, especialmente a negra", afirmou.

Motauri Ciocchetti de Souza, corregedor-geral do MP-SP, também discursou. "Receba da Corregedoria Geral e do seu amigo um abraço fraterno. Somos maiores que pessoas pequenas."

Em nota publicada em 8 de agosto, a Associação Paulista do Ministério Público (APMP), que representa mais de 3.000 membros do órgão, manifestou "irrestrito apoio" a Eduardo Dias, destacou o histórico do procurador na defesa dos direitos humanos e pediu rigorosa apuração dos fatos. "Nenhuma forma de discriminação pode ser admitida", dizia a nota.

Na ocasião, a SSP (Secretaria da Segurança Pública) afirmou que o segurança que interceptou Dias é um policial militar que faz parte do corpo de segurança da presidência do tribunal e que as circunstâncias do episódio seriam investigadas pela Assessoria Policial Militar na corte. "Serão tomadas as medidas cabíveis em caso de qualquer irregularidade constatada", afirmou a pasta.

Folha voltou a questionar a SSP sobre o episódio e aguarda resposta.

Com a mesma tacada, Paes vai encaçapando Ramagem e Castro, FSP

 Cláudio Castro mexeu mais uma vez na cúpula da segurança. Exonerou o delegado Marcus Amin, secretário de Polícia Civil, e o coronel Leandro Monteiro, secretário de Defesa Civil e comandante-geral do Corpo de Bombeiros. Classificou as mudanças como "decisões de caráter pessoal", mas fica difícil separá-las do contexto das eleições municipais.

Eduardo Paes –que tenta a reeleição e é favorito nas pesquisas– conseguiu fugir da nacionalização da campanha apostando em outro viés: a estadualização da disputa. A estratégia é vincular Alexandre Ramagem, candidato do bolsonarismo, a Cláudio Castro, mal avaliado na cidade e cujo governo está perdido no combate à violência. "Castro é Ramagem, o Wilson Witzel das eleições de 2024. São os responsáveis pela segurança pública do Rio", disparou Paes em suas redes sociais.

Delegado conhecido por fazer comentários em programas de televisão, Marcus Amin ficou menos de um ano no cargo. No modelo de alta rotatividade, foi o quarto secretário de Polícia Civil constituído pelo governador. Sua nomeação só ocorreu depois que a Alerj aprovou um projeto de lei complementar para mudar a lei orgânica da corporação. Amin só havia atuado como delegado por dez anos, a regra anterior exigia 15.

Nos bastidores do Palácio Guanabara, dão como favas contadas que as indicações para a segurança partem do presidente da Alerj, Rodrigo Bacellar. Daí os atritos internos. O ex-secretário de Polícia Civil José Renato Torres foi retirado do cargo após sinalizar a Castro que não acataria ordens de deputados da base do governo para nomeações em delegacias.

Sombra de Cláudio Castro e de ascensão meteórica na política fluminense, Rodrigo Bacellar trabalha para concorrer ao governo do estado daqui a dois anos. Para cacifar-se, estreitou os laços com o clã Bolsonaro. Por enquanto, ganhou a medalha de imbrochável.

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O movimento esbarra de novo em Eduardo Paes, que deverá ser candidato em 2026 com apoio de Lula. Paes garante que não, comprometendo-se a concluir o mandato de prefeito se vencer a eleição. "Juro pelo Vasco e pela Portela", diz ele. Mas quem acredita?