sexta-feira, 10 de maio de 2024

Tragédias no exterior podem ajudar na reconstrução do RS, Rodrigo Zeidan, FSP

 Os efeitos econômicos de desastres naturais podem ter dono ou não. Não me interessa muito, neste momento, buscar culpados. Como muitos brasileiros, admiro quem está fazendo o máximo para ajudar e espero muito mais das esferas governamentais. Obrigado a todos os brasileiros que estão doando, dos mais pobres às celebridades, que estão gastando tempo e dinheiro tentando fazer algo.

Como analista, me preocupo com a reconstrução de Porto Alegre e outras cidades. E, sim, partes de muitas cidades precisam ser reconstruídas, não na sua essência, mas em infraestrutura e organização para sobreviver aos próximos desastres, alguns que serão inevitáveis. E podemos aprender com os erros e acertos de experiências internacionais, como as dos furacões Katrina e Rita, que devastaram Nova Orleans e outras cidades em 2005.

O Estado americano colocou montanhas de dinheiro para a reconstrução. De acordo com Kevin Gotham, de 2005 a 2011, o programa GO Zone entregou US$ 23 bilhões em subsídios livres de impostos para famílias e empresas nas áreas afetadas. Além disso, O Departamento Federal de Desenvolvimento Urbano investiu mais US$ 19 bilhões para apoiar a reconstrução de infraestrutura.

Casa destruída pelo furacão Katrina em 2005 - Divulgação

O problema foi a falta de planejamento desses programas. O dinheiro não foi alocado de forma eficiente, muitas vezes indo para áreas pouco afetadas. A maior parte dos subsídios comerciais foi para as grandes empresas, as que precisavam menos de ajuda.

Houve também muitos gastos ineficientes regionalmente. Webster e Adelson mostram, em uma análise de 92 mil subvenções, que o principal programa do departamento federal, Road Home, entregou para os bairros mais ricos mais dinheiro do que precisavam e deixou as áreas mais pobres com muito menos recursos do que necessitavam. Para ter uma ideia, se as famílias nas áreas mais pobres tivessem recebido os mesmos recursos, cada uma teria recebido, direta ou indiretamente, mais US$ 18 mil.

Pelo menos há esperança em relação ao mercado de trabalho. Estudos de Groen e PolivkaZissimopoulos e Karoly e Brown e coautores mostraram que efeitos sobre o desemprego local duraram somente cerca de um ano nos estados da Louisiana e do Mississippi, com número de postos de trabalho e desemprego no nível pré-Katrina depois disso. Ainda assim, os efeitos de curto prazo foram grandes, com número de empregos formais caindo 35% em Nova Orleans e 12% em todo o estado da Louisiana.

No Brasil, muitas vezes o sujeito é indeterminado. Problemas não têm donos e ninguém coloca a cara a tapa para admitir erro. Em casos de desastres naturais, às vezes não há mesmo o que fazer, embora haja como se preparar minimamente (o que o governo do Rio Grande do Sul parece não ter feito).

Mesmo que a prevenção completa não seja possível, é ainda mais importante ter processos para lidar com as consequências. Precisamos de recursos robustos para as comunidades do Rio Grande do Sul quando o pior da crise passar, para ajudá-las a se reerguer. No mínimo, precisamos aprender com os erros dos outros.

É possível fazer direito, limitando os danos de longo prazo e ajudando os mais pobres (renda diretamente para eles é sempre o melhor remédio). O problema é que vão aparecer abutres em cima de qualquer dinheiro para o Sul.

Que desta vez eles não consigam e tenhamos uma resposta que seja tão forte quanto as de quem tem ajudado. De verdade.


Como funcionam os purificadores que tornam potável água da enchente e que serão usados no Rio Grande do Sul, BBC News FSP

 

Giulia Granchi
BBC NEWS BRASIL

Na tarde de quarta-feira (8/5), 220 purificadores de água chegaram à cidade de Canoas (RS), na região metropolitana de Porto Alegre.

Comprados pelo influenciador Felipe Neto por meio de valores arrecadados em vaquinha online e transportados com o suporte da Força Aérea Brasileira (FAB), os equipamentos foram testados durante coletiva de imprensa.

"É uma tecnologia muito eficiente e de fácil manuseio. E nós trouxemos hoje 220 purificadores. Cada purificador tem a capacidade de purificar 5 mil litros de água por dia. Isso nos permitirá purificar 1,1 milhão de litros de água/dia", disse Paulo Pimenta, ministro da Secretaria de Comunicação Social da Presidência (Secom), na ocasião.

Purificador de água foi testado em Canoas (RS) - Reprodução/Felipe Neto

De acordo com os fabricantes, o processo é bastante simples: primeiro, a água recebe cloro, passa por dois níveis de filtro particulado e acaba em uma membrana de ultrafiltração —um filtro semelhante aos usados em máquinas de diálise.

A empresa que vendeu os purificadores, a PW Tech, afirma que os instrumentos são capazes de filtrar água doce contaminada de rios, poços, lagos, açudes, cisternas, chuva, entre outros.

"Elimina 100% de vírus e bactérias e reduz 99,5% de partículas presentes na água. A água filtrada pelos purificadores é considerada potável e é 100% segura", garante a companhia.

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O infectologista Alexandre Schwarzbold, professor da Universidade Federal de Santa Maria e consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), explica a tecnologia.

"O processo físico e químico é muito simples, como todas as ideias geniais, e tem grande impacto do ponto de vista de controle de carga de doença. A filtração é eficaz contra a maioria das bactérias e vírus, incluindo as principais causas de doenças diarreicas", aponta Schwarzbold, que não tem envolvimento direto com o produto.

O preço do item se inicia em R$ 18.500,00, mas as versões enviadas para o Rio Grande do Sul incluem kits de manutenção e um filtro de linha, chegando a R$ 22.000,00.

"A grande utilidade do purificador é viabilizar água potável para os abrigos que não têm água potável. Boa parte dos abrigos pode ter água potável. Então, 220 purificadores, na nossa avaliação, serão suficientes para suprir a demanda por água potável nesses abrigos, que estão concentrados, na sua grande maioria, aqui na região metropolitana", afirmou o ministro.

Na avaliação do médico Alexandre Schwarzbold, a solução do purificador é bem-vinda e tem potencial.

"Considerando os cerca de 150 mil desalojados e cerca de 47 a 50 mil desabrigados, temos aproximadamente 200 mil pessoas sem acesso à água potável, devido à escassez. Muitas delas estão em espaços públicos, como vias e estradas, em situações improvisadas, como em Eldorado do Sul, onde a cidade desapareceu e as pessoas estão acampadas à beira das estradas, e precisam de acesso à água."

"Portanto, a gestão precisa ser centralizada em alguns abrigos e pontos de distribuição para alcançá-las. Com 220 purificadores, podemos atender cerca de 60 a 70 mil pessoas, um terço do total. Isso é muito positivo."

Como pontos de atenção, o médico alerta que o instrumento requer, além de uma distribuição de água bem planejada, o lembrete de troca de filtro.

"A manutenção desses equipamentos, incluindo a substituição de filtros, é essencial para garantir a eficácia do processo. O Estado deve gerenciar cuidadosamente esse processo, caso contrário, corre-se o risco de não estar purificando adequadamente."

A ideia do equipamento, segundo a empresa, é ser um instrumento "portátil, de baixo custo e fácil instalação e manutenção."

"Passados cinco anos, temos equipamentos em mais de 20 países, em projetos e ações da ONU para crises humanitárias. A tecnologia já promoveu o acesso à água potável em regiões de conflito e sob o efeito de emergências climáticas como Ucrânia, Faixa de Gaza, Síria, Haiti, Paquistão e Etiópia", disse a assessoria de imprensa da PW Tech à BBC News Brasil.

"Aqui no Brasil, os purificadores vêm sendo destinados a áreas remotas e sem infraestrutura de saneamento básico, como a Ilha do Bororé, em São Paulo, e comunidades indígenas Yanomami, no Amazonas. Também se destina a programas na área de saúde e educação, disponibilizando água limpa para Unidades Básicas de Saúde e escolas."

Este texto foi publicado originalmente aqui.

Guaíba recebeu quase metade do volume de água de Itaipu em uma semana de chuvas, aponta instituto da UFRGS, g1

 As recentes chuvas no Rio Grande do Sul levaram 14,2 trilhões de litros de água entre 1º e 7 de maio para o lago Guaíba, segundo o Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Foi o transbordamento do Guaíba que inundou ruas, causou mortes e deixou Porto Alegre em calamidade.

O volume equivale a quase metade do reservatório da usina de Itaipu, segunda maior hidrelétrica geradora de energia do mundo, que tem 29 trilhões de litros de água e praticamente o triplo do tamanho do Guaíba (1.350 km² ante 496 km²).

Comparativo do volume recebido pelo Guaíba com o reservatório de Itaipu — Foto: Barbara Miranda/Arte g1

Comparativo do volume recebido pelo Guaíba com o reservatório de Itaipu — Foto: Barbara Miranda/Arte g1

" A comparação com Itaipu dá ideia da dimensão do evento. Mesmo excepcional, (essas chuvas de abril/maio) alteram o entendimento do comportamento da bacia do Guaíba em anos de El Niño forte", afirma Fernando Meirelles, pesquisador do IPH, citando o evento climático que agravou as chuvas na Região Sul.

Em tempos normais, os 14,2 trilhões de litros levariam 18 semanas para passar pelo Guaíba. A velocidade com que a água corre pelo lago – a chamada vazão – disparou. O que era 1,3 milhão de litros por segundo chegou perto dos 30 milhões de litros por segundo.

Este dilúvio em curto período fez o Guaíba, que tem em média 2 metros de profundidade, saltar para o nível de 5,2 metros – superando o recorde histórico registrado na cheia que alagou Porto Alegre em 1941 e alagando boa parte da capital gaúcha.

E de onde veio essa água toda?

O lago Guaíba é o destino dos rios Gravataí, dos SinosJacuíTaquariCaí e Vacacaí (esses dois últimos desaguam no Taquari). A chuva que caiu sobre esses rios viaja pelas bacias e desagua no lago porto-alegrense, que depois leva o volume até a Lagoa dos Patos, que encaminha o volume excedente para o oceano.

Quanta água chegou a Porto Alegre — Foto: Barbara Miranda/arte g1

Quanta água chegou a Porto Alegre — Foto: Barbara Miranda/arte g1

O Instituto Nacional de Pesquisas Especiais (Inpe) aferiu a queda de 12,7 trilhões de litros d'água oriundos das chuvas sobre os rios citados entre 28 de abril 6 de maio. O cálculo foi feito com base em uma sistema que une monitoramentos de pluviômetros, radares e satélites meteorológicos do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden).

Foi esse volume que causou destruição nas cidades mais ao norte do estado.

"A quantidade de água que o lago recebeu nesses dias, para se ter uma ideia, é como se tivesse caído em três dias o que ele recebe em um mês inteiro. A inundação em Porto Alegre e Canoas é consequência de toda esta água", diz Laercio Namikawa, que é pesquisador do setor ligado a desastres naturais do Inpe.

Os 12,7 trilhões de litros representam um volume inferior, mas próximo dos 14,2 trilhões que o IPH/UFRGS calcula ter chegado ao Guaíba entre  e 7 de maio, quando ocorreram os maiores impactos em Porto Alegre.

A diferença entre os números ocorre porque:

  • O Inpe fez o cálculo dos 12,7 trilhões com base em um sistema que une monitoramentos de pluviômetros, radares e satélites meteorológicos do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden);
  • Já o modelo hidrológico utilizado pelo Instituto de Pesquisas Hidráulicas para estimar os 14,2 trilhões leva em conta, além da água da chuva, a chamada “vazão de base”, o volume constante que flui por um curso hídrico, e variáveis como temperatura do ar, vento, sol e pressão atmosférica para calcular quanto de água chega a uma bacia.
  • Entre outros fatores, o volume aferido pelo IPH é maior porque os dados do Cemaden/Inpe não consideram, por exemplo, o próprio volume de água que já estava nas bacias e no lago.

O que pode acontecer com mais chuva no RS?

Na quarta-feira (8) o Guaíba baixou pela primeira vez dos 5 metros, segundo a Secretaria Estadual do Meio Ambiente e Infraestrutura (Sema). No entanto, o risco é a frente fria que deve chegar ao sul do país.

Segundo os meteorologistas, até domingo, uma frente fria deve subir para a metade norte do Rio Grande do Sul. O ponto de atenção é que esses são os dias em que a chuva deve ficar mais intensa e ela atinge, justamente, a cabeceira dos rios do estado.

➡️ Caso o lago não seja afetado por novas cheias, a previsão é de que ele leve ao menos 30 dias para voltar ao nível abaixo dos 3 metros.