terça-feira, 8 de agosto de 2023

A fanática e perigosa cruzada de André Janones, Glenn Greenwald, FSP

 Nas últimas duas eleições nacionais, cerca 50% dos brasileiros votaram no ex-presidente Jair Bolsonaro. Isso preocupa alguns setores da sociedade, que até hoje tentam entender por que o projeto bolsonarista foi capaz de acumular tanto apoio e buscam a melhor forma de combatê-lo.

Entre esses setores, as pessoas mais sérias trabalham no sentido de construir alternativas que sejam capazes de disputar o voto bolsonarista. Há, por outro lado, aquelas que, de forma preocupante, buscam atalhos fora da política, preferindo jogar no tapetão para tirar Bolsonaro do jogo.

O deputado federal André Janones durante visita à fábrica de Oskar Schindler, na Polônia
O deputado federal André Janones (Avante-MG) durante visita à fábrica de Oskar Schindler, na Polônia - Reprodução/Twitter

Essa estratégia tem como seu mais excitável representante o deputado federal André Janones (Avante-MG), que se destaca não por sua atividade parlamentar, mas por sua agitação pró-Lula nas redes sociais.

Janones está em uma cruzada para criminalizar o bolsonarismo no país. Se conseguir, os 58 milhões de eleitores de Bolsonaro em 2022 —mais de 6 milhões só em Minas, estado de Janones— terão duas escolhas: o silêncio sobre suas convicções políticas ou a prisão por expressá-las.

É difícil exagerar o despotismo dessa proposta. Não há no mundo um país democrático que tenha proibido criminalmente um partido ou movimento político apoiado por cerca de metade da população. Por definição, qualquer país que fizesse isso deixaria de ser democrático.

Em defesa desse projeto, Janones frequentemente e grotescamente explora a memória do Holocausto, trivializando as milhões de mortes de judeus, homossexuais e outras minorias.

Em 27 de julho, ele postou uma selfie "visitando a fábrica de Oskar Schindler". No dia anterior, esteve em Auschwitz. Dia após dia, Janones segue um roteiro turístico do Holocausto, postando na internet e pedindo apoio para seu projeto.

A exploração da memória do Holocausto é ofensiva por muitas razões. Uma delas é que foram justamente os judeus sobreviventes do nazismo e seus descendentes, conscientes dos perigos da censura, que se dedicaram a militar em favor da liberdade de expressão mais ampla.

Nos EUA, esses intelectuais judeus de esquerda estavam juntos dos principais líderes negros do movimento por direitos civis, defendendo a liberdade de expressão como escudo dos marginalizados e dissidentes. Janones passa seus dias explorando o Holocausto para defender o oposto do que a tradição intelectual judaica prega. A audácia choca.

O autoritarismo de Janones, porém, não se limita a criminalizar metade da população. Ele quer proibir que as pessoas sejam contra o seu projeto.

O deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) argumentou que o nazismo é mais forte em países em que é proibido por lei (como Brasil, Alemanha, Polônia) do que onde não existe proibição (como os EUA).

Eu concordo: nos EUA, o partido nazista é juridicamente legal, mas não passa de uma piada sem relevância. O martírio decorrente da repressão estatal muitas vezes fortalece um movimento, não o enfraquece. Outras pessoas podem discordar, mas, para Janones, esse argumento é criminoso:

"Qualquer apologia ao nazismo, ainda que disfarçada sob a manta do 'direito de expressão', deve ser punido com cassação de mandato, inelegibilidade e, a depender da gravidade do caso, com PRISÃO!", escreveu em rede social.

No mundo de Janones, quem se opõe à criminalização e à censura de movimentos políticos é nazista e deve ser preso. Janones faz um jogo ofensivo e anti-intelectual, partindo de temas profundos e sérios.

É curioso que Janones tenha se convertido em fanático lulista. Ele saiu do PT em 2016, citando "rompimento ideológico" e acusando o partido de abandonar a defesa dos mais pobres e "caminhar junto com os banqueiros".

Quando eleito em 2018, declarou: "Não contem comigo pra defender Lula, nem Bolsonaro". Quando saiu candidato, criticou Lula pela suposta "apologia à ignorância", pelo fato de Lula ressaltar que não fez curso superior.

Desde então, ele se reposicionou como defensor fanático do PT nas redes sociais, copiando as táticas que o bolsonarismo é acusado de usar. De perfil combativo, costuma dar respostas ríspidas e já foi criticado, inclusive por petistas, por recorrer a notícias distorcidas e sensacionalistas sobre seus opositores.

Não é novidade que os apoiadores mais ferrenhos do PT usam táticas espúrias. Marina Silva, entrevistada por mim em 2018, acusou o partido de ser o pioneiro do "gabinete do ódio" e da destruição de biografias. No entanto, ver esse fanatismo convertido em propostas legislativas eleva a preocupação a um nível ainda maior.

Em 2019, entrevistei Lula e perguntei a ele como explicar a ascensão do bolsonarismo no Brasil. Lula me respondeu citando o escritor Mia Couto: "em tempo de terror, escolhemos monstros para nos proteger".

Receio que, ao apoiar figuras como Janones, a esquerda brasileira esteja cometendo o mesmo erro.

Jair e Donald: dois golpes, Celso Rocha de Barros, FSP

 "Apesar de ter perdido, o acusado estava determinado a permanecer no poder. Por isso, por mais de dois meses após a eleição [...], o acusado mentiu que o resultado da eleição foi alterado por fraude, e que ele, na verdade, havia vencido a eleição. Essas acusações eram falsas, e o acusado sabia que eram falsas. Mas o acusado as disseminou [...] para que suas alegações, sabidamente falsas, parecessem legítimas, criassem uma atmosfera nacional de desconfiança e raiva, e erodissem a fé do público na administração da eleição."

Não, ainda não é a sentença contra Jair. É o começo da acusação das autoridades americanas contra Donald Trump, apresentada semana passada.

O que as descobertas das autoridades americanas mostram é que as histórias de Donald em 2020 e Jair em 2022 foram muito parecidas.

Com árvores ao fundo, Trump, um homem branco, cabelos loiros grisalhos, aparece em primeiro plano, de terno azul e gravata vermelha, com Bolsonaro ao fundo, um homem branco, cabelos castanhos e terno escuro. Eles estão de perfil e Bolsonaro está inclinado falando ao microfone suspenso no ar
Os ex-presidentes Jair Bolsonaro e Donald Trump durante entrevista a jornalistas na Casa Branca, nos Estados Unidos - Brendan Smialowski - 19.mar.2019/ AFP

Desde muito cedo, as autoridades americanas já haviam demonstrado que todas as alegações de fraude apresentadas por Trump eram falsas. O republicano alegava, por exemplo, que no estado da Geórgia milhares de votos teriam sido registrados em nome de pessoas que já haviam morrido. As autoridades lhe informaram o número correto: dois. As acusações desmentidas pelos próprios assessores de Trump incluíam, vejam só, um ataque às máquinas de votação (página 9 da acusação).

No Brasil, Bolsonaro já disseminava informações falsas sobre o processo eleitoral desde sempre. Recentemente, foi tornado inelegível pela Justiça brasileira por ter mentido sobre isso em uma reunião de embaixadores. Sempre soube que era mentira. Nunca encontrou qualquer prova de fraude nas urnas eletrônicas. Até o hacker Walter Delgatti Neto, ex-"Vaza Jato", atual "Vaza Carla", disse a Bolsonaro que as urnas brasileiras não podiam ser hackeadas.

Por que Trump e Jair contaram mentiras fáceis de refutar sobre o processo eleitoral? Para causar um levante popular que justificasse a suspensão da ordem democrática. Suas mentiras só precisavam sobreviver no público o suficiente para que o caos se instaurasse.

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Segundo as autoridades americanas, em 3 de janeiro, três dias antes da invasão do Capitólio, um assessor da Casa Branca alertou um dos cúmplices de Trump ("co-conspirador número 4", no indiciamento) de que, se Trump tentasse permanecer no poder, "haveria revoltas em todas as grandes cidades dos Estados Unidos" (p. 30). O co-conspirador respondeu: "Bem, é por isso que existe um Insurrection Act". O Insurrection Act autoriza o presidente americano a usar as Forças Armadas dentro dos Estados Unidos para reprimir revoltas populares.

Era exatamente o plano dos bolsonaristas, seja nas várias minutas de golpe já encontradas pedindo "artigo 142", seja na estratégia dos terroristas bolsonaristas que tentaram explodir o aeroporto de Brasília, seja no plano dos acampados em frente aos quartéis (segundo confissão do extremista Oswaldo Eustáquio à revista piauí): criar um caos que "exigisse" a intervenção das Forças Armadas.

Na semana passada, aliás, não descobrimos apenas que os dois planos golpistas eram parecidos. Em entrevista ao site O Antagonista, o próprio Bolsonaro declarou que o problema de dar um golpe teria sido "o 'after day': como é que o mundo vai se relacionar conosco?". Para Bolsonaro, o que atrapalhou seu golpe foi o de Trump ter dado errado.