terça-feira, 8 de agosto de 2023

Jair e Donald: dois golpes, Celso Rocha de Barros, FSP

 "Apesar de ter perdido, o acusado estava determinado a permanecer no poder. Por isso, por mais de dois meses após a eleição [...], o acusado mentiu que o resultado da eleição foi alterado por fraude, e que ele, na verdade, havia vencido a eleição. Essas acusações eram falsas, e o acusado sabia que eram falsas. Mas o acusado as disseminou [...] para que suas alegações, sabidamente falsas, parecessem legítimas, criassem uma atmosfera nacional de desconfiança e raiva, e erodissem a fé do público na administração da eleição."

Não, ainda não é a sentença contra Jair. É o começo da acusação das autoridades americanas contra Donald Trump, apresentada semana passada.

O que as descobertas das autoridades americanas mostram é que as histórias de Donald em 2020 e Jair em 2022 foram muito parecidas.

Com árvores ao fundo, Trump, um homem branco, cabelos loiros grisalhos, aparece em primeiro plano, de terno azul e gravata vermelha, com Bolsonaro ao fundo, um homem branco, cabelos castanhos e terno escuro. Eles estão de perfil e Bolsonaro está inclinado falando ao microfone suspenso no ar
Os ex-presidentes Jair Bolsonaro e Donald Trump durante entrevista a jornalistas na Casa Branca, nos Estados Unidos - Brendan Smialowski - 19.mar.2019/ AFP

Desde muito cedo, as autoridades americanas já haviam demonstrado que todas as alegações de fraude apresentadas por Trump eram falsas. O republicano alegava, por exemplo, que no estado da Geórgia milhares de votos teriam sido registrados em nome de pessoas que já haviam morrido. As autoridades lhe informaram o número correto: dois. As acusações desmentidas pelos próprios assessores de Trump incluíam, vejam só, um ataque às máquinas de votação (página 9 da acusação).

No Brasil, Bolsonaro já disseminava informações falsas sobre o processo eleitoral desde sempre. Recentemente, foi tornado inelegível pela Justiça brasileira por ter mentido sobre isso em uma reunião de embaixadores. Sempre soube que era mentira. Nunca encontrou qualquer prova de fraude nas urnas eletrônicas. Até o hacker Walter Delgatti Neto, ex-"Vaza Jato", atual "Vaza Carla", disse a Bolsonaro que as urnas brasileiras não podiam ser hackeadas.

Por que Trump e Jair contaram mentiras fáceis de refutar sobre o processo eleitoral? Para causar um levante popular que justificasse a suspensão da ordem democrática. Suas mentiras só precisavam sobreviver no público o suficiente para que o caos se instaurasse.

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Segundo as autoridades americanas, em 3 de janeiro, três dias antes da invasão do Capitólio, um assessor da Casa Branca alertou um dos cúmplices de Trump ("co-conspirador número 4", no indiciamento) de que, se Trump tentasse permanecer no poder, "haveria revoltas em todas as grandes cidades dos Estados Unidos" (p. 30). O co-conspirador respondeu: "Bem, é por isso que existe um Insurrection Act". O Insurrection Act autoriza o presidente americano a usar as Forças Armadas dentro dos Estados Unidos para reprimir revoltas populares.

Era exatamente o plano dos bolsonaristas, seja nas várias minutas de golpe já encontradas pedindo "artigo 142", seja na estratégia dos terroristas bolsonaristas que tentaram explodir o aeroporto de Brasília, seja no plano dos acampados em frente aos quartéis (segundo confissão do extremista Oswaldo Eustáquio à revista piauí): criar um caos que "exigisse" a intervenção das Forças Armadas.

Na semana passada, aliás, não descobrimos apenas que os dois planos golpistas eram parecidos. Em entrevista ao site O Antagonista, o próprio Bolsonaro declarou que o problema de dar um golpe teria sido "o 'after day': como é que o mundo vai se relacionar conosco?". Para Bolsonaro, o que atrapalhou seu golpe foi o de Trump ter dado errado.


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