sexta-feira, 4 de agosto de 2023

Cancellier, justiça e reparação, FSP

 Soraya Smaili

SÃO PAULO (SP)
No centro da imagem, uma pessoa de costas com toga e chapéu de formando em frente a uma colagem de imagens que incluem textos e balanças.
Meyrele Nascimento/SoU_Ciência

A busca por justiça e reparação em nome de Luiz Carlos Cancellier e de todos os dirigentes de universidades federais que foram vítimas de perseguição durante os governos Temer e Bolsonaro ganhou ainda mais força com a Carta de reitores e ex-reitores de universidades federais de todo o país enviada recentemente ao Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, reivindicando a devida atenção a um capítulo sombrio da história recente de nosso país, destacando a importância de resgatar a memória de Cancellier e exigindo justiça e reparação. Desde a ditadura militar a autonomia universitária não tinha sido tão atacada quanto nos últimos anos de ascensão da extrema-direita na política depois do golpe parlamentar, jurídico e midiático contra a presidente Dilma Rousseff. As universidades públicas foram alvos preferenciais no neofascismo brasileiro.

A Carta, enviada também ao Ministro da Justiça Flávio Dino e ao Ministro da Educação Camilo Santana, reforça o compromisso dos pesquisadores e ex-reitores em buscar a justiça e a reparação. A Carta destaca o parecer de julho de 2023 do Tribunal de Contas da União (TCU) que não encontrou irregularidades na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) após uma denúncia obscura em 2017, mandando arquivar o processo. No entanto, as medidas arbitrárias tomadas pela Polícia Federal e pelo judiciário resultaram em perdas irreparáveis, incluindo a morte do reitor, causando indignação e clamor por justiça.

Em março, o Ministro Gilmar Mendes já havia indicado a suspeição da juíza do caso, Janaina Cassol, e observou que, na decisão da magistrada havia "excessos de linguagem" e "afirmações categóricas e imperativas" que concordavam com a tese do Ministério Público, o que caracterizava uma antecipação da sentença. Gilmar apontou que parte significativa da decisão assume de modo categórico a existência da "organização criminosa, de diversas condutas já declaradas ilícitas e a responsabilidade penal de diversos acusados", o que, para ele, representa uma prévia da condenação. Com isso, ao reitor foi negado "o direito à devida investigação, munida das garantias constitucionais, a partir da presunção de inocência, do devido processo legal e ampla defesa sob mediação de julgador imparcial."

A juíza do caso é investigada por outras ações envolvendo abuso de poder e reclamações disciplinares. Ela é cria do lava-jatismo e de seu modo de proceder punitivista e persecutório. Uma audácia padeceu de uma irremediável arrogância, um inegável abuso de autoridade, como se o fim justificasse todos os meios, até os mais duvidosos. À guisa de moralizadores da República, seus protagonistas trilharam um percurso marcado por abusos, desconsiderando princípios constitucionais básicos como a presunção de inocência e o devido processo legal. A Lava-Jato, nas palavras de seus idealizadores, seria a luz que conduziria o Brasil à probidade, mas sob esse manto de justiça incorruptível, a operação ocultou inúmeras ilegalidades. Operações midiáticas, vazamentos seletivos, conduções coercitivas desnecessárias e a colaboração promíscua entre juízes e promotores, pintaram um cenário distorcido onde a justiça parecia se confundir com espetáculo. A luta contra a corrupção é necessária, é claro, mas jamais deve servir de álibi para a barbárie jurídica e o atropelo das garantias individuais.

Recém-eleito, Bolsonaro, inspirado no caso da UFSC, anunciou a Lava-Jato da Educação, incluindo a investigação de repasses, subsídios e isenções fiscais que beneficiavam as instituições privadas. Estas logo se mobilizaram e enterraram a iniciativa. Basta lembrar que a irmã de Paulo Guedes era dirigente da Associação Nacional de Universidades Privadas, que representa os interesses de grandes monopólios educacionais. Mas a perseguição seletiva, como na operação original, se dirigiu unicamente aos reitores e gestores das universidades públicas, com ameaças diretas ou veladas, substituição de procuradores, blitz de auditorias, interferência nos processos eleitorais etc. Nesse caso o lava-jatismo esteve combinado com a guerra ideológica contra as universidades públicas, acusadas de todos os despropósitos pelos olavistas e pastores que ocuparam a cadeira do MEC.

O simples "arquivamento do caso" da UFSC pelo TCU não é suficiente. É essencial apurar as causas e responsabilizar os envolvidos, evitando que episódios similares ocorram no futuro. A história de Cancellier deve servir como um alerta para a importância de defender a autonomia e a integridade das universidades e de seus dirigentes e sistemas internos de controle.

Embora a reparação não possa trazer de volta a vida perdida de Luiz Carlos Cancellier, ela pode ser alcançada através da memória e da divulgação das injustiças sofridas por ele e por tantos outros dirigentes universitários. A criação de monumentos e memoriais que apresentem essas histórias ao público é fundamental para garantir que essas tragédias jamais sejam esquecidas.

Reforçamos a necessidade de apuração e responsabilização dos envolvidos em todos os casos de perseguição a reitores e reitoras de instituições federais. A sociedade deve reconhecer o papel vital das universidades durante a pandemia da Covid-19, demonstrando coragem e dedicação ao salvar vidas mesmo diante das adversidades impostas pelo governo Bolsonaro (ver o painel de ações das universidades em defesa da vida produzido pelo SoU_Ciência).

A busca por justiça e reparação é incansável, e o apoio de diversos pesquisadores e ex-reitores ratifica a relevância desse movimento. A memória de Luiz Carlos Cancellier e de todos os que sofreram com a perseguição injusta deve ser eternizada como um lembrete para as gerações futuras, reforçando a importância de defender a democracia, a liberdade e a integridade acadêmica.

Que ações efetivas sejam tomadas pelas autoridades para apurar os fatos e garantir a responsabilização dos responsáveis, trazendo alento às vítimas e suas famílias. Juntos, pesquisadores e ex-reitores, contribuiremos para a construção de um futuro mais justo e respeitoso com a educação e o conhecimento em nosso país. A busca por justiça é uma luta de todos nós, em prol de uma sociedade mais justa e democrática.

Movimento de angolanos sem-teto ocupa prédios históricos no centro de SP, FSP

 Mariana Zylberkan

SÃO PAULO

Em frente à janela do prédio tombado construído na década de 1920 com vista para a prefeitura paulistana, Mimi Luciavava, 47, se arruma para trabalhar em uma das salas comerciais transformada em residência com cozinha, sala e quarto separados por um lençol.

Ela faz parte dos cerca de 90 moradores do imóvel, ocupado desde abril por um movimento formado por imigrantes angolanos sem-teto. O edifício fica na praça do Patriarca, centro de São Paulo,

A maioria que mora na ocupação está há menos de um ano na cidade e se mudou para o prédio histórico após passar por abrigos voltados a receber imigrantes na região. Mesmo empregados, os moradores afirmam não terem como arcar com os custos do aluguel e manterem suas famílias.

Angolana Mimi Luciavava, 47, é uma das moradoras de prédio na praça do Patriarca, no centro de São Paulo, por movimento de moradia de imigrantes
Angolana Mimi Luciavava, 47, é uma das moradoras de prédio na praça do Patriarca, no centro de São Paulo, por movimento de moradia de imigrantes - Danilo Verpa/Folhapress

Essa é a razão pela qual Mimi se mudou para o prédio que já foi sede de secretarias municipais e estava fechado. "Cheguei a São Paulo em fevereiro e estava em um abrigo para imigrantes. Assim que consegui trabalho, saí de lá para dar lugar a alguém que precisasse mais do que eu", diz ela que vive na ocupação desde maio com a irmã grávida de oito meses e a sobrinha de 5 anos.

Com quase 32 mil pessoas em situação de rua, a cidade de São Paulo reúne 588.978 imóveis vazios, entre apartamentos e casas, conforme dados do Censo 2022 publicado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas).

A entrada no prédio pelo portão de ferro trabalhado é controlada por um porteiro também angolano e a sobreloja foi transformada em uma igreja evangélica com púlpito, cadeiras de plástico e cultos duas vezes por semana.

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Nos corredores, a estrutura de ferro do elevador original, com acionamento manual das portas, é usado para estender roupas. Os dois únicos banheiros foram divididos para separar o uso por moradores do sexo feminino e masculino.

Perto dali outro imóvel localizado no calçadão do centro histórico da cidade também foi ocupado pelo movimento de moradia e abriga cerca de 60 angolanos. "Morava em ocupação e percebia a necessidade dessas pessoas que vêm de outro país para tentar a vida em São Paulo", diz a líder do Movimento Social por Moradia, Adilma Sousa dos Santos, 47. "Não me conformo em ver tanta gente sem ter onde morar e tantos imóveis vazios no centro", continua. Segundo ela, o prédio que foi sede da secretaria de Urbanismo e Obras da gestão municipal estava desocupado há cinco anos.

Os dois imóveis têm decisões de reintegração de posse a serem cumpridas nos próximos dias 15 e 17. Em nota, a prefeitura disse que não foi notificada sobre as ações e que assistentes sociais estiveram nos endereços, mas os moradores recusaram encaminhamentos a abrigos municipais. O proprietário do prédio na praça do Patriarca foi procurado pela reportagem, mas não se posicionou sobre o assunto até esta publicação.

Para manter funcionários na portaria e pagar os honorários advocatícios do escritório que representa os moradores na ação judicial, o movimento cobra entre R$ 200 e R$ 250 de cada um por mês.

Outro morador, Armando Mafuka, 33, disse que soube da ocupação poucos dias antes de acabar o prazo de permanência no centro de acolhida onde ele, a mulher e a filha moravam desde que chegaram de Angola. "Não tinha para onde ir", diz ele, que trabalha como faxineiro em um programa de emprego da prefeitura. "Estava andando pelo centro e vi um grupo de pessoas em frente ao prédio e pedi ajuda."

Ele conta que escolheu morar no Brasil por causa da facilidade com o idioma, já que o português também é a língua oficial de Angola. "Facilita para conseguir emprego e para a minha filha ir à escola", diz.

A poucos quilômetros de distância, em frente à praça da República, o primeiro fórum de Justiça Federal da capital paulista, inaugurado em junho de 1968, também serve de moradia a dezenas de famílias de estrangeiros sem-teto, a maioria angolanos, que ocuparam o imóvel público no último dia 7. O grupo não faz parte do Movimento Social por Moradia, segundo a líder Adilma. A Folha tentou entrar no prédio e falar com os ocupantes, mas não foi autorizada.

O endereço estava desocupado desde o início de abril deste ano, quando as atividades foram direcionadas para a sede do Juizado Especial Federal, na avenida Paulista. No local funcionava a Central de Conciliação de São Paulo que mudou de endereço para ficar mais perto dos outros fóruns, segundo o Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3).

Procurada, a secretaria de Habitação disse que não recebeu cadastros habitacionais dos ocupantes. O Centro de Referência e Atendimento para Imigrantes também esteve no local para prestar informações sobre vagas de trabalho, segundo a administração.

A Superintendência do Patrimônio da União no Estado de São Paulo, órgão do Ministério da Fazenda responsável pela gestão do imóvel, negou que o prédio estava abandonado. Afirmou também que, uma vez desocupado, o prédio teve a segurança reforçada, mas isso não impediu a entrada dos imigrantes. O local será destinado para habitação de interesse social, na modalidade reforma, do Programa Minha Casa Minha Vida.

Ministério dos DH e INSS discutem parceria para proteger idosos contra golpes, FSP

 

BRASÍLIA

O Ministério dos Direitos Humanos e o INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) estão negociando um acordo de cooperação técnica para ampliar a proteção aos idosos e diminuir o risco de que sejam vítimas de golpes e fraudes financeiras envolvendo seus benefícios.

INSS e Ministério dos Direitos Humanos negociam acordo para evitar fraudes contra idosos
INSS e Ministério dos Direitos Humanos negociam acordo para evitar fraudes contra idosos - Marcelo Camargo/Agência Brasil

As conversas ocorrem no âmbito do grupo de trabalho do Ministério dos Direitos Humanos que discute ações de enfrentamento à violência financeira e patrimonial contra a pessoa idosa. Nesta quinta-feira (3), uma reunião para discutir o tema contou com a presença da secretária-executiva do ministério, Rita Oliveira, do secretário nacional dos Direitos da Pessoa Idosa, Alexandre da Silva, e do presidente do INSS, Alessandro Stefanutto.

A ideia é retomar espaços para atendimento humanizado, integrar o Disque 100 (sobre violações de direitos humanos) e o Ligue 135 (do INSS) para receber denúncias de fraudes financeiras, reformular o aplicativo Meu INSS e realizar mutirões em municípios para disponibilizar informações sobre os serviços existentes.

O acordo busca atuar em frentes nas quais foi identificada violência contra a pessoa idosa, eliminando o atravessador que oferece ajuda para que eles acessem o benefício —e que, eventualmente, pode cometer uma fraude.

Dentro da negociação também está prevista uma campanha que vai tratar de educação financeira e riscos de violência patrimonial.