quinta-feira, 11 de maio de 2023

MATHEUS DE CASTRO FONSECA Vivemos em um mundo bacteriano, FSP

 Matheus de Castro Fonseca

Mestre em biologia celular e doutor em fisiologia e farmacologia (UFMG), é pesquisador associado de pós-doutorado no California Institute of Technology (EUA)

Lavamos compulsivamente as mãos e fazemos caretas quando alguém espirra perto de nós —na verdade, fazemos o que podemos para evitar encontros desnecessários com o mundo dos "germes". No entanto, "andamos em placas de Petri" repletas de colônias bacterianas que recobrem desde a nossa pele até o íntimo de nossas entranhas.

Para cada célula do nosso corpo existe aproximadamente uma célula bacteriana. Durante a vida, somos colonizados com 100 trilhões de bactérias, criando um ecossistema diversificado cujas contribuições para a saúde humana permanecem pouco compreendidas. Se olharmos diferentes populações humanas pelo mundo, encontraremos pelo menos 10 mil espécies de bactérias que compõem nosso microbioma.

Estudo revela como o desequilíbrio da microbiota intestinal pode levar à doença de Parkinson - Karime Xavier - 22.mar.2018/Folhapress - Folhapress

No entanto, um grupo bem menor, cerca de 70 espécies, são capazes de causar doenças. Isso não quer dizer que um desbalanço da microbiota, ou seja, um excesso ou redução de bactérias simbióticas, possa ser maléfico para o nosso organismo —e isso é o que recentemente tem sido observado em pacientes com certas doenças neurodegenerativas. Mas como os microrganismos intestinais podem gerar distúrbios cerebrais?

Em 2006, a neurocientista canadense Jane Foster e seu grupo estavam trabalhando com dois grupos de camundongos: um com uma seleção saudável de microrganismos no intestino e outro que não tinha microbiota (animais conhecidos como "livre de germes" —do inglês "germ-free"). Ao avaliar os animais sem as bactérias intestinais, estes pareciam menos ansiosos do que seus equivalentes saudáveis. Quando colocados em um labirinto com alguns caminhos abertos e alguns murados, eles preferiram os caminhos expostos, indicando um menor nível de ansiedade. Isso demonstra que, de alguma maneira, as bactérias no intestino pareciam estar influenciando o cérebro e o comportamento. No entanto, devido à grande resistência da comunidade cientifica em acreditar que as bactérias intestinais podem alterar a atividade cerebral e o comportamento, o estudo só foi publicado em 2011.

Desde então, contudo, o campo fez avanços significativos. Em 2022, por exemplo, o grupo deste pesquisador brasileiro que vos escreve demonstrou que uma espécie específica de bactéria que pode modular a patologia da doença de Parkinson, fazendo com que essa se inicie no intestino e, posteriormente, "migre" para o cérebro.

Apesar da extrema resistência dos cientistas mais tradicionais, hoje em dia o eixo intestino-microbiota-cérebro é uma das principais sessões de discussão em reuniões de neurociência. Atualmente já se é comprovado o papel do microbioma intestinal em patologias como Alzheimer, depressão e até mesmo o Transtorno do Espectro Autista (TEA).

Essas descobertas levam os pesquisadores a investigar as ligações entre bactérias intestinais e sintomas dessas doenças neurológicas —e a começar a testar tratamentos que repovoam o microbioma intestinal a partir do zero. Sabem como? Transplante Fecal de Microbioma (FMT, do inglês "Fecal Microbiome Transplant").

O crescente interesse no microbioma intestinal, iniciado em 2006, tem colocado a ciência mundial unida com o objetivo de desvendar como esses organismos podem afetar o funcionamento do cérebro e serem utilizados para prevenir ou tratar doenças neuropsiquiátricas —e não apenas na academia. Em fevereiro de 2019, a Axial Therapeutics, em Massachusetts (EUA), empresa fundada para desenvolver terapias para doenças neurodegenerativas e neuropsiquiátricas, levantou US$ 25 milhões em financiamento. Outra companhia, a Finch Therapeutics (Massachusetts), que está desenvolvendo um medicamento de microbioma oral para o TEA, anunciou que havia obtido US$ 90 milhões.

E o Brasil? Engatinhando, sofrendo com cortes no orçamento para a ciência e tecnologia, sem plano de Estado (somente de governo) para as mesmas, exportando cérebros e cultivando a velha tradição de fomentar pesquisadores em final de carreira que não abrem espaço para novas mentes e que ainda sugam grande proporção do financiamento das agências de fomento. Novamente, vemos o Brasil ficando para trás.


Brasil está menos desigual porque triplicou Bolsa Família, não porque melhorou, FSP

 

SÃO PAULO

A queda da desigualdade de renda no Brasil no ano passado parece uma ótima notícia. Mas ela só ocorreu porque os brasileiros estão cada vez mais dependentes de programas sociais em uma economia que cresce pouco e entrega empregos de baixa qualidade.

Por trás da menor desigualdade da série está o fato de o país ter praticamente triplicado o gasto com o Bolsa Família em relação ao que despendia antes da pandemia. Como proporção do PIB, o valor saltou de cerca de 0,4% para mais de 1,5%.

Cerca de R$ 175 bilhões serão gastos com o programa neste ano, que atenderá quase 21 milhões de famílias, metade no Nordeste.

Baianos fazem fila em Salvador para se cadastrarem ao recebimento do Bolsa Família - Cleber Sandes/Folhapress

Não é à toa que o rendimento domiciliar per capita da metade da população mais pobre subiu 18% no ano passado, para R$ 537 ao mês — que a queda da desigualdade tenha sido mais proeminente nos estados nordestinos.

Na conquista por eleitores na campanha presidencial de 2022, tanto Lula (PT) quanto Bolsonaro (PL) prometerem manter o valor de R$ 600 aos mais pobres pagos na pandemia.

Lula foi além, e acrescentou um adicional de R$ 150 por criança de até seis anos, e mais R$ 50 por dependente entre 7 e 18 anos ou gestante. Com isso, o valor médio aos beneficiários atingiu R$ 714.

PUBLICIDADE

Lula foi eleito com essa plataforma na área social, assim como Bolsonaro prometera algo parecido. Politicamente, é o que grande parte do país, majoritariamente pobre, queria.

Mas não deixa de ser preocupante o fato de o Brasil ter triplicado esse tipo de gasto social para proporcionar uma vida minimamente digna à população. Embora, mesmo assim, os 5% mais pobres ainda vivam com menos de R$ 90 por mês.

Em crise há muitos anos, a vizinha Argentina também foi aumentando, com o passar do tempo, gastos desse tipo, que hoje equivalem também a cerca de 1,5% do PIB.

Em comum, os vizinhos mantêm o PIB per capita e níveis de produtividade estagnados há muitos anos. E, agora, têm proximidade ideológica entre Lula e Alberto Fernández.

Mas ambos países mostram que, sem crescimento sustentável alavancado por reformas pró mercado, usar dinheiro público para combater as mazelas sociais funciona por um tempo, mas não se sustenta. Pois é dos impostos gerados pela atividade que vêm o dinheiro para essas ações.


Brasil pode mediar acordo de paz quando países se cansarem da guerra, diz Amorim, FSP

 Patrícia Campos Mello

SÃO PAULO

O assessor especial do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Celso Amorim, propôs ao presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski, o início de um processo diplomático chamado de "negociações por proximidade", mesmo antes de a Rússia desocupar os territórios que capturou durante a guerra.

Nesse modelo, dois países em conflito se reúnem em uma cidade e se comunicam por meio de intermediários não alinhados a nenhum deles, trocando informações sobre posicionamentos, ideias e preparando para o contato direto.

O ex-chanceler Celso Amorim, assessor especial de Lula, durante entrevista coletiva em Brasília - Pedro Ladeira - 5.dez.22/Folhapress

Zelenski tem deixado claro que o único plano de paz aceito pela Ucrânia tem como condição prévia a desocupação dos territórios ucranianos e reforçou esse posicionamento nas redes sociais após o encontro com Amorim nesta quarta-feira (10).

Mesmo assim, o ex-chanceler se mostrou otimista. "Ele ouviu", disse à Folha, descrevendo a reação do ucraniano às ideias do Brasil para a paz.

Qual foi o objetivo da sua visita à Ucrânia? O objetivo foi a criação de confiança, manutenção do diálogo. A negociação tem várias etapas, a primeira é a criação de confiança entre os atores. Para isso, ela foi muito positiva.

PUBLICIDADE

Zelenski abordou a ideia de criar um tribunal internacional para julgar o crime de agressão? Qual é o posicionamento do Brasil nesse sentido? Não abordou. Para cada lado, a agressão é vista de forma diferente. Se você falar com os russos, eles vão dizer que as populações russas do leste da Ucrânia também estão sendo atacadas. Eu compreendo a posição dos ucranianos, eles querem naturalmente mostrar como foram vítimas da agressão, mas eu não quero ficar nisso.

Acho importante, até comentei com Zelenski, o processo diplomático chamado "negociações por proximidade", citado por Thomas Pickering. É um método usado com sucesso em situações análogas.

[Pickering foi embaixador dos EUA na ONU e citou a abordagem que envolve países terceiros em artigo na revista Foreign Affairs].

O terceiro país seria o Brasil ou a China? A China é um país que tem grande influência, comentei com o presidente Zelenski. Não estou dizendo se ele concordou ou não. E o Brasil também tem muita influência, por suas características. É só ver a importância que a mídia internacional dá à posição do Brasil.

Em tuíte após a reunião com o senhor, Zelenski afirmou que "o único plano capaz de deter a agressão russa é a fórmula de paz da Ucrânia". Ou seja, ele continua rejeitando a ideia de negociar antes de a Rússia desocupar os territórios ucranianos. Ele vai verbalizar dessa forma, da mesma maneira que os russos dizem que esse não é o melhor momento para negociar. Mas a gente não pode desistir. Desistir é a pior opção. Haverá um momento, até mesmo pelo cansaço dos países que apoiam um ou outro, em que o dano causado pela guerra será maior do que prejuízo causado por alguma concessão. Nesse momento, é importante que já haja países que estejam articulados, para que a oportunidade não escape entre os dedos. Eu acho que esse pode ser o papel do Brasil.

O secretário de Estado americano, Antony Blinken, afirmou que "se a Rússia parar de lutar, acaba a guerra. Se a Ucrânia parar de lutar, acaba a Ucrânia", em alusão à possibilidade de que Moscou fique com os territórios capturados. Como vê essa declaração? Temos conversado com os americanos também, sabemos de algumas preocupações deles. Mas as situações econômicas e políticas vão evoluindo. Respeito muito a posição dele, mas acho que tudo isso é muito retórico. Chegará o momento em que os países terão que optar entre a paz e a vitória; a vitória não virá claramente para nenhum dos dois.

Existe justamente essa aposta da Rússia de que o Ocidente vai se cansar, por motivos econômicos e políticos, de ajudar a Ucrânia, e que assim os russos vencem o conflito. Poderá sim haver o cansaço, mas o que é uma vitória de um ou de outro? É difícil de dizer. Ninguém levará tudo que tudo que quer de jeito nenhum. Então qual será a concessão fundamental?

Como o senhor vê a proposta de Zelenski de fazer uma cúpula Ucrânia-América Latina? Na minha opinião, isso mostra que ele tem confiança no Brasil.

Mesmo ele dizendo que o único jeito de parar a agressão russa é a fórmula ucraniana que implica desocupação dos territórios? Eu não esperaria que ele dissesse outra coisa. Eu não fui para lá para dizer esta proposta aqui está certa ou errada. Eu também conversei com Putin durante uma hora. A gente não tem uma tese, queremos apenas tornar o diálogo mais próximo, possível, talvez inicialmente de uma forma indireta. Eu não o vi reagir negativamente a essa ideia indireta. Mas não estou dizendo que ele concordou.

O assessor especial de Lula para política externa, o ex-chanceler Celso Amorim, e o vice-chanceler da Ucrânia Andrii Melnik, durante reunião em Kiev
O assessor especial de Lula para política externa, o ex-chanceler Celso Amorim, e o vice-chanceler da Ucrânia Andrii Melnik, apertam as mãos em reunião em Kiev. - Reprodução Twitter

Zelenski encarou com boa vontade o Brasil como mediador? Ele ouviu. A gente tem que ir falando, conversando, até surgir uma situação, às vezes algum aspecto específico, humanitário, alimentar, e aí expandir a negociação.

Eles levaram o senhor para Butcha (cidade ucraniana onde corpos foram encontrados nas ruas e em valas comuns após a retirada russa)? Sim, mas em Butcha vimos uma igreja, e dentro dela, uma exposição fotográfica. Obviamente nós somos contra as atrocidades e as mortes em qualquer lugar que ocorram. São imagens fortes, não vou entrar em detalhes. Mas não dá para tirar conclusões totalmente, são fotos.

Quais são os próximos passos? Continuar conversando. Esta visita era um passo importante que tinha que ser dado para mostrar que o Brasil é a favor da paz, não de A ou de B.

Zelenski convidou Lula a ir para a Ucrânia. Há previsão para a viagem? Não discuti isso com o presidente.

E há um convite da Rússia para o fim de junho. Tudo isso será avaliado.

  • SALVAR ARTIGOS

    Recurso exclusivo para assinantes

    ASSINE ou FAÇA LOGIN