segunda-feira, 12 de setembro de 2022

Bolsonaro 'tchutchuca' e mulher-onça mostram crise no horário político, fsp

 Gustavo Zeitel

Passada a era das superproduções marqueteiras, assistir ao horário político se tornou mesmo um enfado. Das campanhas eleitorais em TV aberta, só sobraram a reiteração de promessas vagas e os clichês, que abundam em discursos, roupas e até nos enquadramentos. Nas eleições mais tensas desde a redemocratização, a campanha televisiva consolidou a própria decadência.

TV ainda é relevante, porque se faz presente em mais lares do que a internet. Mas sua eficácia em convencer os eleitores perdeu força. A pesquisa Ipec da semana passada revelou que 67% do eleitorado teve mais certeza do voto assistindo às propagandas partidárias.

A baixa qualidade das produções também se explica pela brevidade da corrida eleitoral, que se tornou uma abstração na linguagem das redes sociais. Por ironia, o horário político é um dos raros momentos em que a eleição aparece de modo ostensivo, lembrando sua existência à população.

O presidente Jair Bolsonaro participa de desfile do Sete de Setembro na Esplanada dos Ministérios com a primeira-dama, Michelle Bolsonaro - Gabriela Biló/Folhapress

Na noite da última terça-feira, os presidenciáveis foram à TV concentrando o discurso no bicentenário da Independência. Em seu programa, o candidato do PT, Luiz Inácio Lula da Silva, tentou resgatar as cores da bandeira nacional, hoje símbolo do bolsonarismo. A voz em off da atriz Marieta Severo assegurava que a bandeira "é a esperança", enquanto imagens mostravam crianças negras portando a flâmula nos ombros.

Era um sinal necessário para a campanha petista. No debate da BandLula se mostrou apático e pouco falou sobre o que pretende fazer se eleito. Preso a 2003, o líder das pesquisas parece ter se esquecido do desafio que representa o Brasil de 20 anos depois. Seu programa eleitoral abusa de tomadas aéreas, mostrando um imenso país, de rios caudalosos e ricos biomas. Não deixa de ser uma alusão aos tempos de bonança do seu segundo mandato.

Soraya Thronicke, autointitulada "mulher-onça", controlou o comportamento histriônico revelado no debate da Band. Enfim felina, a senadora tentou parecer viável nos generosos dois minutos e dez segundos dados pelo seu partido, o União Brasil. Aposentando o gestual agressivo, Thronicke vestiu um casaco de couro ao modo dos personagens da novela "Pantanal" e se sentou em frente a um televisor que transmitia discursos de Lula e Bolsonaro.

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Entre imagens e rugidos de onça, Thronicke fez um contraponto aos líderes da pesquisa, reafirmando seu projeto de imposto únicoSegundo a pesquisa Datafolha, ela soma 1% das intenções de voto. Para os próximos três anos, a senadora é candidata a "despontar fragorosamente para o anonimato", como dizia o cronista Otto Lara Resende.

A candidata Soraya Thronicke (União Brasil) durante o debate dos presenciáveis para as eleições de 2022 transmitido pela Band
A candidata Soraya Thronicke, do União Brasil, durante o debate dos presenciáveis para as eleições de 2022 transmitido pela Band - Bruno Santos/Folhapress

Um dia antes de promover sua micareta neointegralista, o presidente Jair Bolsonaro, do PL, não usou o tempo de TV para dissertar sobre os símbolos nacionais. Inábil com o registro figurado da linguagem, Bolsonaro exercitou o nacionalismo rasteiro, que deu origem à estética tosca de sua caterva. Por isso, a campanha só conseguiu reproduzir o hino nacional e pintar a tela de verde e amarelo.

Uma frase de Lula foi editada, sugerindo que o adversário "defende bandido". Em seguida, Bolsonaro apareceu às câmeras, abordando o tema da segurança pública, que tomaria todo o tempo do programa. Com uma caneta Bic no bolso —emulando a simplicidade de uma pessoa que não compra 51 imóveis em dinheiro vivo—, destacou o aumento de apreensão de drogas em seu governo.

O general Braga Netto, vice da chapa, apareceu de súbito ao lado de um gráfico que reforçava a tese da campanha. Segundo ele, o feito era resultado da valorização do trabalho dos policiais no governo Bolsonaro. A estratégia adotada foi toda equivocada, porque o tema só cativa a base fanática do candidato, sem oferecer soluções para questões mais urgentes, tal como o aumento da fome no país.

A equipe de Bolsonaro, porém, tentou fazer um aceno ao eleitorado feminino. Com imagens de mães brincando com seus filhos, foi apresentada uma proposta de suporte para mulheres vítimas de violência doméstica. O empenho em combater a desigualdade de gênero durou poucas horas. No dia seguinte, o "imbrochável" fez comparações entre a primeira-dama e Janja, mulher de Lula.

Tanta misoginia abre mesmo espaço para Simone Tebet, do MDB, angariar o apoio das mulheres. Salvo Thronicke, a mulher-onça, ela é a única notícia da eleição. Eloquente, Tebet —ou "a Simone", como prefere ser chamada— fez Bolsonaro de "tchutchuca" na Band. Numa linguagem documental bem amadora, ela é apresentada no horário político como uma cidadã a serviço do país. Tebet é filmada dirigindo um carro, enquanto repassa sua biografia.

Cheia de boas intenções, ela aparece entusiasmada numa visita a uma escola de balé na periferia. Ouvindo mulheres de baixa renda, tenta atrair o eleitorado feminino de modo insistente, senão enfadonho. Ao cabo da corrida eleitoral, é certo que Tebet terá importância política bem maior, algo trabalhado desde sua atuação como uma das "estrelas" da CPI da Covid. Enquanto isso, ela tenta se transformar na pessoa mais legal do planeta.

Já Ciro Gomes deve sair do tamanho de Sergio Moro, um anão político. Em que pese a dificuldade de apresentar propostas em 52 segundos, a equipe do pedetista usou, naquele programa, a mesma linguagem açodada e confusa pelo qual o candidato se notabilizou.

Os segundos se resumiram a gráficos coloridos que pululavam na TV, anunciando recortes de pesquisas favoráveis a Ciro. Numa profusão de números, o horário político mais pareceu um comercial de loja de eletrodomésticos e só atrapalhou os devaneios do candidato.

De modo geral, as propagandas foram todas bem pobres. Duas presenças no horário eleitoral, porém, indicam que a filiação do brasileiro à direita política não desapareceu. Na avenida Paulista, Felipe D’Ávila, do Novo, usou camisa branca para transmitir serenidade e encarnar um coach.

Aproveitando o aniversário da Independência, ele, que tem um patrimônio de R$ 24 milhões, perguntou se o telespectador se sente independente, insinuando um conceito perverso de liberdade, em voga no governo Bolsonaro.

Depois, ainda houve tempo para a aparição de Padre Kelmon, do PTB, uma criatura política que só existe pelo aparelhamento religioso do Planalto. Vestindo batina, ele aquiesceu ao ouvir o aviso de seu vice, o pastor Garmonal — "acreditem, se a esquerda voltar, nossas liberdades, nossa fé, correm grande perigo".

Mesmo com Lula e Bolsonaro liderando o certame, o brasileiro deve acreditar em tudo. De repente, quatro paraquedistas podem cair sobre nossas cabeças.

sábado, 10 de setembro de 2022

Presidente pesado - editorial FSP.

 A mais recente pesquisa Datafolha confirma o progressivo, porém moroso, estreitamento da diferença numérica entre os dois principais candidatos à Presidência.

Embora a distância seja a menor desde maio, observa-se desde o início da campanha um quadro de poucas mudanças, no qual Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a menos de um mês do pleito, mantém os mesmos 45% das intenções de voto da sondagem da semana passada, ante 34% de Jair Bolsonaro (PL), que oscilou dois pontos para cima.

Para notar uma tendência mais consistente de crescimento das intenções de voto no atual mandatário, é preciso considerar um período maior de tempo.

Há quatro meses, ele marcava 27%, enquanto Lula tinha 48%; em julho, foi a 29%, variação ainda dentro da margem de erro de dois pontos percentuais para mais ou para menos. Nas duas sondagens seguintes, em agosto e início de setembro, ficou nos 32%.

O movimento é acompanhado por uma melhora paulatina da avaliação do governo, como costumeiramente ocorre em períodos eleitorais. Desde o início do ano, a parcela dos que consideram a administração federal ótima ou boa se elevou de 22% para 31%.

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Bolsonaro avançou muito pouco, porém, na redução de sua acachapante rejeição, que alcança 51% do eleitorado —não muito diferente do pico de 55% apurado em junho. O contingente dos que dizem não votar em Lula em nenhuma hipótese é bem menor, embora tenha subido de 33% para 39% desde maio.

Não por acaso, o petista mantém vantagem na simulação de um hoje mais provável segundo turno, de 53% a 39% —cifras quase idênticas às da pesquisa anterior (53% a 38%). A diferença, no entanto, caiu de 29 para 14 pontos neste ano.

Tudo considerado, são evidentes as fragilidades de Bolsonaro na busca pela reeleição, a despeito do desembolso descomunal de dinheiro público em medidas eleitoreiras. A elevação do Auxílio Brasil a R$ 600 e a deflação produzida pela redução de impostos sobre combustíveis surtiram efeito modesto, até aqui, nas intenções de voto.

A aprovação a seu governo ainda é inferior à obtida em 2014 pela petista Dilma Rousseff (36%), que se reelegeu a muito custo e não concluiu seu segundo mandato.

O presidente continua muito mal entre eleitores mais pobres, mulheres e nordestinos. Entre beneficiários diretos ou indiretos do Auxílio Brasil, Lula lidera por 56% a 28%.

Convém não subestimar, todavia, as vantagens do incumbente na disputa eleitoral —ainda mais tratando-se de um que não mostra nenhum escrúpulo na exploração da máquina pública e até de um evento nacional como o bicentenário da Independência.

editoriais@grupofolha.com.br

07.09.22 | Telha geradora de energia e solo que respira: do custo a economias, conheça casa referência nacional de sustentabilidade em Piracicaba, g1

 

Fonte: G1 - 04.09.2022
Bruno Leoni/g1
São Paulo - O impacto ambiental gerado pelas mudanças climáticas tem levado tanto a população a repensar sua forma de viver como setores da economia a repensarem os serviços e produtos oferecidos. E isso não tem sido diferente no setor imobiliário.

Lançada na terça-feira (30) no Residencial AlphaVille, no bairro Santa Rose Ipes, em Piracicaba (SP), a Casa Verde, que conta 300 metros quadrados, se propõe a ser uma referência em relação às habitações sustentáveis, com recursos que vão de telhas que geram energia a um solo que permite a permeabilidade da água, para manter nutrientes.

O g1 Piracicaba entrevistou os responsáveis pelo projeto e o dono do empreendimento, a fim de criar um guia sobre o que é uma residência com certificação de sustentabilidade, bem como suas tecnologias e o processo envolvido.

Possível saída para a crise climática

Produzida a partir de um estudo em parceria com a Universidade de São Paulo (USP), a Fundação Vanzolini e a arquiteta Mirtes Luciani, que também é professora, a casa foi pensada exclusivamente para servir de exemplo em acessibilidade e saúde, além de englobar as questões ambientais que uma residência possui.

“É a saída para as mudanças climáticas, e creio que será uma tendência no mercado. Temos que avaliar o custo de um móvel para o meio ambiente, e isso vai muito além de entender o impacto sobre terreno. É necessário entender como o solo é afetado, consumo de energia, enfim, como esse imóvel afeta meu bairro, minha cidade, até mesmo meu vizinho”, afirma Mirtes.

Telhas fotovoltaicas e solo que respira

A estrutura da residência é completamente voltada para atender as exigências ambientais das certificações, que avalia todo o sistema que envolve a construção, sendo a primeira no Brasil a usar tecnologia da telha fotovoltaica, que é capaz de transformar energia solar em energia, além de controle de resíduos, recursos naturais e um biodigestor para tratamento de esgoto.

“Precisa de estudo sério para fazer uma casa assim, é um investimento. A casa possui sistemas inteligentes de, por exemplo, coleta de água da chuva. Pensamos também no terreno, sendo assim, fizemos um chão, no lado externo da casa, em que água penetra o solo, fazendo com que os microrganismos e a própria terra respirem e tenha nutrientes. Telhado, piso, tipo de tinta, tipo de parede, tudo foi pensado para a eficiência. ”, diz a arquiteta.

O engenheiro Marcos Aprilanti, que participou da produção da casa, fala que a tendência é que o mercado tenha que ficar mais responsável.

“Veja bem, estamos falando de um processo que começa desde a avaliação da origem dos materiais usados na construção até a forma como uma janela é posicionada para causar mais claridade. A humanidade deve caminhar para isso”, afirma.

Água com captação da chuva e energia solar

Segundo os dados levantados pelos engenheiros da residência, estima-se que o consumo anual será de 15.278 kWh/ano, sendo a geração de energia solar em 10,903 kWh/ano. Dessa forma, 71% da energia elétrica utilizada será renovável. Além disso, a arquiteta afirma que até mesmo a métrica das torneiras foi pensada.

“Toda a água de vaso sanitário daqui é colhido da chuva, então temos vários pensamentos em pequenos detalhes que no final fazem a diferença. Como a residência é certificada, precisamos pensar antes, então, no planejamento, já se define aonde se pode chegar, no caso, o proprietário quis focar no consumo de energia e água, então toda a estrutura é voltada para esse pensamento”, pontua a arquiteta.

Já no caso da água, a casa tem sistemas de aquecimento da água do banho que usa energia solar e energia fotovoltaica. A gestão de economia é feita com reservatórios que captam águas da chuva. Com o sistema, a estimativa é de redução de 46% no consumo do recurso. “No caso dos pontos de saída de água, o projeto usou torneiras com metragem reduzida, justamente para evitar desperdícios e um consumo desnecessário”, comenta.

Retorno financeiro em cinco anos

Segundo a estimativa feita pelo projeto, o retorno do investimento igualado a um imóvel padrão é de cinco anos, dependendo de como o investimento for feito.

“Tudo depende do planejamento. Onde vai ser gasto? Qual a proposta? Eficiência, economia, ou os dois? Aqui não é mais caro, a única coisa é que o investimento inicial é maior, mas ao longo do tempo, esse investimento se dilui no quesito de manutenção, durante os anos. Quanto custa a manutenção de uma casa hoje?”.

Certificação nacional e internacional

A residência possui 11 requisitos do nível máximo da certificação AQUA-HQE, que por definição é uma construção de alta qualidade ambiental. A certificação foi possível graças a uma parceria com o governo francês, pelo Centro Científico e Técnico para a Construção.

Além dessa certificação, outras estão presentes no imóvel, como a da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), a NBR 9050, de acessibilidade universal no imóvel. A casa também conta com a Etiqueta do Programa Brasileiro de Etiquetagem (PBE-Edifica), de eficiência energética.

Como foi possível?

“Foram estudados, por especialistas, certificadores sustentáveis pelo mundo, e chegou-se à conclusão de que um dos melhores era um projeto francês, desenvolvido cerca de vinte anos atrás. Os franceses se demonstraram animados após o conato, transferirem ‘know-how’ para adaptação, pois a legislação é diferente, as normas são diferentes, a forma como se constrói é diferente, e em um ano e meio, trouxemos a certificação para cá, em 2008”, afirma Bruno Casagrande, gerente de marketing da Fundação Vanzolini.

Para conseguir uma certificação, deve-se atender a uma série de requisitos, disponíveis no site da Fundação Vanzolini, que possui um departamento técnico com todos os critérios, que são públicos, mas que devem ser seguidos para ser obter a certificação.

Qualquer interessado pode consultar os critérios, sendo obrigatórios para obter qualquer tipo de certificação. As certificações são diferentes entre si, atendendo critérios diferentes e projetos diferentes.

Quanto custa?

Segundo o engenheiro e proprietário do imóvel, Fernando Berssaneti, o metro quadrado ficou em R$ 6 mil, mas valeu a pena.

“Não queria que coisas triviais de uma residência comum incomodassem. A residência é para meus pais, que são idosos, então pensamos em sermos ecologicamente corretos de fato, mesclando com elementos da acessibilidade.”

Dificuldades na formalização

O maior desafio do projeto foi a formalidade e o fornecimento, que deve atender requisitos das certificações, grande parte, voltado para a origem dos produtos, bem como a origem do fornecedor.

“Tivemos que verificar se tudo era formal, se a mão de obra é legalizada, se recolhia os tributos. Tivemos que inclusive abrir empresas para certos setores, para a emissão de nota fiscal. Tornar o trabalho formal foi o mais desafiador”, conta.