sábado, 6 de agosto de 2022

Jô, ao mestre, com carinho, Cristina Serra, FSP

 


Vou falar do Jô Soares com quem convivi e trabalhei e que tanto me ensinou, com sua generosidade transbordante. Conheci o Jô comunicador depois de ter passado a infância assistindo a seus personagens humorísticos na TV. Em 2012, com o coração aos pulos, sentei-me ao lado dele pela primeira vez, na famosa bancada do seu programa da madrugada. "Programa do Jô. Não vá pra cama sem ele", dizia o divertido bordão.

O batimento cardíaco logo voltou ao normal porque Jô tinha uma incrível capacidade de deixar as pessoas muito à vontade ao lado dele. Tinha um interesse genuíno em conhecer pessoas e suas histórias, das mais simples às celebridades. Jô abriu espaço para um quadro de debates sobre política, feito por jornalistas mulheres, carinhosamente por ele chamadas de "Meninas do Jô".

Era um prazer vê-lo trabalhar. Ele estimulava a divergência, o embate entre diferentes argumentos e pontos de vista. Fazia isso com graça e elegância. Era um mestre do diálogo respeitoso. Não gostava de programa morno. Sabia sentir o pulso da plateia. Se percebia o desinteresse em algum assunto, não hesitava em abandonar o roteiro e improvisar outra pauta, mais instigante.

De família rica na infância e juventude, conheceu as vicissitudes da vida quando os negócios do pai foram à falência, como conta em suas memórias. A grandiosidade do seu talento lhe abriu portas, mas a consagração nunca lhe tirou os pés do chão. Jô exerceu seu ofício com coragem e compromisso com o Brasil.

Na época do impeachment de Collor fez entrevistas memoráveis (quando o programa era exibido no SBT). Muitos anos depois, já na Globo, no ciclo tormentoso que resultou no golpe contra Dilma Rousseffentrevistou a presidente no Palácio da Alvorada, o que lhe valeu ameaças movidas pelo ódio que já fermentava. Sua defesa da democracia e da legalidade eram inarredáveis, tanto quanto a missão de provocar o riso para fazer pensar.

Obrigada, querido Jô, por tudo!

Hélio Schwartsman - Acordo difícil para Bolsonaro, FSP

Jair Bolsonaro tem um problema, que é evitar a cadeia depois que perder o cargo de presidente. Estamos no Brasil. Tenho, portanto, dificuldade em vislumbrar um processo penal contra ele chegando ao trânsito em julgado. Sempre há uma corte acima que pode anular tudo. Mas dá para imaginar uma prisão preventiva no meio do caminho.

Pizzas à parte, a questão é que, mesmo que houvesse disposição de luminares da República de trocar uma blindagem jurídica pela garantia de não radicalização por parte de Bolsonaro, esse seria um acordo difícil de promover. O primeiro obstáculo é que ele seria ilegal. Nenhum procurador nem juiz pode prometer que vai aliviar num caso que possa cair em suas mãos. Bolsonaro já deu mostras de suas limitações cognitivas, mas acho que nem ele acreditaria que um acordo que não pode nem ser confessado seria honrado.

Antigamente até havia um expediente para resolver isso. Era o exílio num país em que a ex-autoridade pudesse viver uma aposentadoria tranquila. O ugandense Idi Amin Dada passou seus últimos anos na Arábia Saudita; o derradeiro xá do Irã, Mohammad Reza Pahlavi, ficou pingando de país em país sonhando com uma volta triunfal; o haitiano Baby Doc viveu uma longa temporada na França; até o Brasil abrigou o paraguaio Alfredo Stroessner.

Do final dos anos 90 para cá, porém, a vida de ex-ditadores ou meros aspirantes, como seria o caso de Bolsonaro, ficou mais difícil. Uma série de avanços na legislação de direitos humanos, com destaque para o Estatuto de Roma (1998), que criou o Tribunal Penal Internacional, tornou a promessa de exílio dourado muito menos crível, já que genocídio, tortura, crimes contra a humanidade e outras violações frequentemente perpetradas por tiranos ganharam jurisdição universal.

Foi um passo importante para a ideia de justiça, mas perdemos uma ferramenta útil para promover trocas de regime sem maiores turbulências.

Novo slogan político, in Caleidoscópio, Ostra feliz não faz pérola, Rubem Alves

 Alguém escreveu  num muro branco da Universidade do Porto em Portugal, a sua exigência política: "Queremos mentiras novas!" Quem o escreveu sabia das coisas. Sabia que seria inútil pedir o impossível: "Basta de mentiras!". Na política, apenas as mentiras são possíveis. Mas ele já estava cansado das mentiras velhas, batidas, como piadas cujo fim já se conhece, que diariamente aparecem nos jornais. Mentiras velhas são um desrespeito à inteligência  daqueles a quem são dirigidas. Que mintam, mas que respeitem minha inteligência. Mintam usando a imaginação! Por isso escrevia, em nome da inteligência, do possível e do humor: "Queremos mentiras novas!"