segunda-feira, 18 de julho de 2022

Celso Rocha de Barros -Militares são inimigos de meio Brasil? FSP

 Sou um cidadão brasileiro que vota na esquerda. Tenho uma pergunta para as Forças Armadas brasileiras: vocês são um exército que eu compartilho com meus compatriotas de direita, ou são o braço armado dos meus adversários nas eleições?

As Forças Armadas ainda são brasileiras, ou aceitaram o papel de braço armado da extrema-direita que Jair Bolsonaro lhes ofereceu? São o exército de uma república democrática ou uma milícia de direita sustentada com dinheiro público?

Pergunto pelo seguinte: está cada vez mais claro que há gente nas Forças Armadas do Brasil tentando roubar a eleição para Jair Bolsonaro.

Presidente Jair Bolsonaro ao lado de Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, ministro da Defesa - Marcos Corrêa - 25.ago.21/PR

É fácil identificá-los. Se um militar está dando palpite sobre urna eletrônica ou TSE é porque é um político bolsonarista infiltrado nos quartéis. Como todo político bolsonarista, quer dar um golpe de estado para roubar dinheiro público e matar trabalhadores, na bala, na fome ou por falta de vacina.

O ano de 2022, aliás, é especial para a ala golpista das Forças Armadas. Esse ano o escândalo Proconsult comemora seu 40º aniversário.

Ninguém nunca viu fraude na urna eletrônica, mas todo mundo já viu militares brasileiros tentando roubar uma eleição: foi em 1982, no Rio de Janeiro, quando a ditadura tentou fraudar a eleição para governador que Leonel Brizola havia ganho. Para fazê-lo, usaram uma empresa corrupta para contabilizar os votos, a Proconsult. Para comemorar os 40 anos do escândalo Proconsult, os bolsonaristas agora pedem "apuração paralela".

Como em 1982, é tudo bandidagem, é tudo roubalheira.

No dia de hoje, bem mais que a metade do povo brasileiro pretende votar contra Jair Bolsonaro. Cerca de metade dos brasileiros pretende votar em Lula. Pouco mais de 10% pretende votar em Ciro, Tebet, ou nos outros candidatos.

Os militares pretendem roubar a voz e os votos, o dinheiro e os direitos de mais do que metade dos brasileiros? Pretendem fazer isso e continuar sendo sustentados pelo imposto de 100% dos brasileiros?

No caso dos militares que criticam urna eletrônica e TSE, a resposta é obviamente sim. Eles querem roubar mais da metade do Brasil.

Em uma república funcional, o cidadão não pode ter um segundo de dúvida de que as Forças Armadas são politicamente neutras.

Se o Brasil entrar em guerra, eu tenho que me apresentar para lutar. Se na trincheira meu oficial me der a ordem de me jogar sobre uma granada para salvar meus camaradas de armas, eu tenho que pular para a morte. Se entre a ordem e o salto eu gastar um segundo pensando "por que ele não mandou um direitista saltar?", a bomba explode e a trincheira toda morre.

Se membros graduados das Forças Armadas continuarem seus ataques ao TSE, essa relação de confiança entre mais da metade do Brasil e os compatriotas a quem confiamos a guarda das armas da República demorará décadas para ser restaurada, mesmo se o golpe de Bolsonaro der errado.

Se os ataques ao TSE continuarem, a farda brasileira será reduzida a uniforme de um partido político especialmente vagabundo, o bolsonarismo. Para Bolsonaro, a farda é só o uniforme de um tipo de funcionário público que mela eleição quando a direita perde. Retomando a pergunta do começo do texto: eu gostaria de saber se ele tem razão.

Minissérie de Michael Pollan na TV omite ayahuasca, Marcelo Leite, FSP

 Marcelo Leite

SÃO PAULO

Não se deixe levar pelas críticas que virão a seguir: vale a pena assistir a minissérie sobre psicodélicos "Como Mudar Sua Mente", de Michael Pollan, autor do best seller de mesmo título. É bem boa --mais pelo que mostra do que pelo que deixa de mostrar, como ayahuasca e ibogaína.

Pessoa anda de bicicleta em estrada estreita distorcida na metade superior da imagem, como se fosse uma parede vertical
Imagem de abertura da série dd Michael Pollan na Netflix - Reprodução/Netflix

São três os pontos fortes no que o documentário apresenta para o público. Primeiro, e mais importante, os depoimentos tocantes de pessoas com transtornos mentais profundos que se curam com psicodélicos. É com justiça que ganham o primeiro plano, em detrimento das experiências do autor com as substâncias.

Depois vem a admirável pesquisa de arquivo, que desenterrou várias imagens e cenas da história da psicodelia, antes e depois das proibições baixadas nas décadas de 1970 e 1980. Por fim, entrevistas com personagens marcantes dessa história, como as de Ann Shulgin (morta no último dia 9), Rick Doblin e Annie e Michael Mithoefer.

São quatro episódios, dedicados respectivamente a LSD (ácido)psilocibina (cogumelos "mágicos")MDMA (ecstasy) e mescalina (cactos peiote). O quarto e último capítulo não deriva daquele livro de 2018, mas da obra seguinte de Pollan, "Esta é sua Mente sob o Efeito de Plantas" (2021).

Nada melhor que o LSD para introduzir o contexto e retraçar o percurso que estigmatizou psicodélicos. Após descobertas suas propriedades lisérgicas em 1943, pelo químico Albert Hofmann, a droga foi amplamente distribuída pelo laboratório suíço Sandoz a quem quisesse fazer experimentos científicos e clínicos com ela.

Frasco com rótulo antigo do medicamento Delysid, nome comercial de LSD do laboratório Sandoz, distribuído só para médicos
Frasco de LSD produzido pela Sandoz para uso experimental antes da proibição - Reprodução

Milhares de pacientes tomaram o ácido para se tratar, legalmente, nas décadas de 1950 e 1960, com bons resultados. Até a CIA se interessou pelo LSD, e é quase certo que foi responsável, na origem, por sua adoção pelo movimento hippie. A voga contestatória assim deflagrada levou à proibição e, em 1970, à Guerra às Drogas de Richard Nixon.

Essa pré-história científica dos psicodélicos precisa ser conhecida, para que o público entenda por que se fala hoje de um renascimento psicodélico e que a pesquisa com essas substâncias poderosas de uso milenar foi abortada por motivação política autoritária.

A minissérie decola de verdade no segundo capítulo, sobre psilocibina. Outra história rica, contada com copioso material de arquivo, mas é com o depoimento de um paciente com transtorno obsessivo compulsivo (TOC) que o documentário se revela cativante.

O rapaz conta ter sofrido muito, na adolescência, com a morte de um amigo próximo. Sob efeito do psicodélico, viu-se caindo com ele no abismo, até que o outro se estatela no chão, enquanto o psiconauta segue em queda, atravessando o chão que lhe parecia concreto.

Quando chega ao piso de outra realidade, renasce como muda de árvore que cresce e, como planta, contempla a própria família a passear. Compreende então a desimportância das manias que o afligem. Com uma única dose de psilocibina, os sintomas de TOC ficam meses sem reaparecer.

O episódio seguinte, sobre MDMA, traz o testemunho mais chocante, de uma mulher com transtorno de estresse pós-traumático (TEPT). O irmão morrera de overdose, a mãe matou duas pessoas e depois suicidou-se, a moça viu sua casa arrasada pelo furacão Katrina, depois foi estuprada, engravidou e abortou.

Com ajuda do MDMA, consegue reconstruir a vida. Parece milagre, e com efeito a série peca por veicular visão talvez excessivamente positiva do potencial dos psicodélicos para tratar os males da mente.

Pollan faz ressalvas, verdade. Menciona que não devem ser usados por pessoas com tendências psicóticas e que nem todos se beneficiam nos estudos clínicos, mas alguma ênfase adicional sobre limitações viria a calhar.

Outro ponto fraco é a perspectiva estreita, norte-americana. Câmeras e microfones só deixam o território dos EUA em curtas excursões ao México, para falar dos danos culturais e ecológicos da descoberta dos cogumelos e cactos alteradores da consciência pelos conterrâneos de Pollan.

O documentário abre exceção também para o Reino Unido, com a excelente entrevista com Ben Sessa, do Imperial College de Londres, explicando o mecanismo de ação de MDMA. Nada que não soe familiar a americanos, sotaque inclusive.

É de lamentar que a minissérie passe ao largo de outros continentes psicodélicos, como os domínios da dimetiltriptamina (DMT), na América do Sul, e da ibogaína, originária da África e muito usada no Brasil para tratar dependência química. Salvo engano, a palavra "ayahuasca" só é pronunciada uma vez em quase quatro horas.

 Bebida sagrada Ayahuasca na Aldeia Lobo Velho
Bebida sagrada Ayahuasca na Aldeia Lobo Velho - Renan Omura/Agência Mural)

Quem já teve oportunidade de viajar com psicodélicos poderá incomodar-se com animações e efeitos deformadores de imagens a que o documentário recorre para ilustrar depoimentos sobre experiências de doentes e do próprio Pollan. Não é raro que pareçam quase infantis, se não kitsch.

Mais incômodo pode surgir com as menções de Pollan a usos "irresponsáveis" de psicodélicos, seja no tempo dos hippies, seja no uso adulto clandestino ("recreativo", diz quem se alinha com a proibição legal ainda vigente). Decerto eles não são isentos de riscos psicológicos, e mesmo físicos, ainda que pequenos e controláveis, mas as perorações soam algo moralistas.

São defeitos dignos de nota. Quem sabe, o preço a pagar para tornar viável um produto visual com apelo para um público amplo e ingênuo sobre psicodélicos, quando não preconceituoso, após meio século de propaganda proibicionista.

Isso não justifica, entretanto, que se deva privilegiar a medicalização à americana dos psicodélicos. Eles têm história e raízes muito mais profundas fora dos EUA.

-------

Para saber mais sobre a história e novos desenvolvimentos da ciência nessa área, inclusive no Brasil, procure meu livro "Psiconautas - Viagens com a Ciência Psicodélica Brasileira"


Coronéis da PM paulista reagem às críticas de candidatos às câmeras, Marcelo Godoy, OESP

 


Professor do Curso de Aperfeiçoamento de Oficiais da Polícia Militar de São Paulo, o coronel José Vicente da Silva Filho decidiu testar entre seus alunos o apoio da tropa ao programa de câmeras nos corpos dos policiais de São Paulo. Principal polêmica da campanha eleitoral paulista, o projeto é criticado pelo candidato apoiado por Jair Bolsonaro, o ex-ministro Tarcísio Gomes de Freitas (Republicanos), e pelo candidato ao Senado pelo PSB, o ex-governador Márcio França. Ambos buscam votos dos praças da PM, que se veriam “vigiados” pelo equipamento.

O coronel da reserva da PM de São Paulo José Vicente da Silva Filho.
O coronel da reserva da PM de São Paulo José Vicente da Silva Filho. Foto: André Lessa/Estadão

José Vicente se tornou um dos maiores interlocutores das PMs do País com as universidades e o mundo político. A defesa da modernização do policiamento em busca da eficiência no combate ao crime é o centro de suas críticas às práticas ultrapassadas da Segurança Pública. E qual o resultado de sua pesquisa com os capitães? “Dois terços deles se mostraram francamente favoráveis. Estou falando de capitães que estão de serviço. São eles os gerentes mais próximos da tropa.”

Continua após a publicidade

Para o coronel, os principais críticos do projeto – capitães afastados, que estão no Parlamento – são movidos por questões eleitorais. Há muito mal-estar no comando da PM com os ataques às câmeras. Coronéis da ativa ouvidos pela coluna consideram ofensiva a posição de Tarcísio e de França, que nem mesmo procuraram o Comando da corporação para se inteirar do projeto antes de fazerem suas críticas.

O candidato bolsonarista alega poder criticar o projeto por ser o único dos concorrentes ao Palácio dos Bandeirantes com experiência no comando de tropa – ele foi capitão do Exército e esteve em missão no Haiti. Tarcísio pode saber comandar uma patrulha, mas nunca chefiou um batalhão, nem tem conhecimento estratégico dos programas de policiamento da PM paulista, que se orgulha de nunca ter precisado de ajuda do Exército para manter a ordem no Estado.

Um coronel ouvido pela coluna, que comanda o policiamento de uma área da Grande São Paulo, comparou a postura de Tarcísio à de um hipotético capitão da PM que se tornasse ministro da Defesa e resolvesse mudar programas do Exército sem consultar o Alto Comando da Força Terrestre. O desrespeito ao trabalho da corporação, que durante oito anos pesquisou, testou e planejou o programa das câmeras, se tornou evidente para os coronéis. Pior. Em entrevista ao Roda Viva, Tarcísio disse consultar soldados nas ruas que criticam o programa, incentivando o conflito entre praças e oficiais, corroendo a hierarquia e a disciplina da tropa.

“Eles (os candidatos) dão seus palpites, como se as fontes que eles têm fossem suficientes para compreender toda a atividade policial e, nisso, desrespeitam muitos aspectos técnicos, como é o caso das câmeras. Elas são parte de um projeto que já tem oito anos e foi minuciosamente trabalhado. É um projeto – há um escritório de projetos na PM, que procura colocar dentro de modelagens os projetos, o que é inclusive uma disciplina do mestrado da PM. Eles não procuram a PM porque julgam que as suas fontes são suficientes”, disse José Vicente. Daí o mal-estar nos coronéis.

Tarcísio Freitas é o candidato de Jair Bolsonaro em São Paulo.
Tarcísio Freitas é o candidato de Jair Bolsonaro em São Paulo. Foto: Wilson Dias/Agência Brasil

Para José Vicente, os parlamentares oriundos da PM que criticam o projeto estão há muito tempo afastados da PM e desconhecem o programa ou nunca tiveram “experiência estratégica da polícia”. “Ou seja, têm um olhar de baixo para cima (capitães) e nunca estiveram no topo da carreira para emitir opinião que tenha característica estratégica.” Para ele, o simples fato de serem oficiais da PM não lhes dá condições de dizer o que é bom e o que não é bom para a polícia.

“Há que se respeitar aspectos técnicos do trabalho, do cotidiano e do planejamento da PM, que tem se esmerado no planejamento de suas ações, distribuição de efetivo e organização de unidades, tudo levando em conta aspectos técnicos.” O projeto das câmeras levou à redução dos casos de mortes de policiais no Estado. Em 2021, a PM registrou o menor índice de mortes em 31 anos – apenas um PM morreu em tiroteio durante o serviço. O equipamento aumentou a segurança dos policiais. Além disso, ela representou um aumento do poder dos policiais, que dispõem agora de prova de que agiram corretamente.

“Os policiais estão cada vez mais gostando da brincadeira da câmera porque quem trabalha direito ganha proteção. Porque, frequentemente, os policiais são acusados por filmagens a distância e por reclamações de presos nas audiências de custódia e, agora, não tem mais como reclamar de quem trabalha corretamente”, disse José Vicente. A crítica dos bolsonaristas é de que o projeto seria feito para vigiar os policiais em vez de vigiar os bandidos.

Para o comando da PM, essa é outra bobagem inventada com fins eleitorais. De acordo com a corporação, houve queda no número de reclamações contra policiais na Corregedoria e nos batalhões que usam as câmeras. E, em mais de uma oportunidade, o equipamento foi decisivo para desarmar acusações falsas contra PMs. Tarcísio afirma que preferiria gastar dinheiro aumentando a vigilância de presos que estão em liberdade condicional ou temporária.

José Vicente afirma existirem 350 mil pessoas nessas condições no Estado de São Paulo. Para vigiar apenas 20 mil delas seria necessário gastar R$ 10 milhões por mês ou R$ 120 milhões por ano. Já com as câmeras dos PMs, o custo é de R$ 800 por equipamento com toda a assistência técnica e atualização incluída. “O candidato Tarcísio com seu passado de capitão do Exército, com sua experiência de Haiti, se julga em melhores condições para tratar do tema, mas sua experiência no Exército não tem nada a ver com a de Polícia Militar e de policiamento.”

Também chamadas de 'bodycams', as câmeras acopladas às fardas foram implementadas em São Paulo durante o governo de João Doria.
Também chamadas de 'bodycams', as câmeras acopladas às fardas foram implementadas em São Paulo durante o governo de João Doria. Foto: Taba Benedicto/Estadão

Para os coronéis da PM, como o ex-comandante do policiamento da Capital Glauco Carvalho, o programa das câmeras vai revolucionar a forma como se faz polícia no Brasil e aumentará a aprovação e a confiança da população na PM, além de aumentar a qualidade da prova do processo criminal. Em muitos dos casos, bastará o juiz assistir ao vídeo. E dar a sua sentença com a certeza de que a polícia cumpriu seu dever de proteger a população.

“Com a pesquisa DataFolha, que mostrou o apoio de 90% da população ao programa, eu acredito que os candidatos vão rever sua posição.”, afirmou José Vicente. Para o coronel, tudo o que é discurso agora terá de ser moderado pela realidade dos fatos. “A PM acredita muito na sua argumentação e vai desconstruir muito do que os candidatos estão falando.”