domingo, 17 de julho de 2022

Glamorização da maconha não é boa para ninguém, diz historiador, FSP

 A sociedade brasileira tem pouco interesse em discutir a descriminalização da maconha, diz o historiador Jean Marcel Carvalho França, e isso explica mais a falta de avanços nesse tema que o conservadorismo da população do país.

Professor da Unesp de Franca, ele é autor de "História da Maconha no Brasil", que ganha agora uma nova edição pela Jandaíra. O livro aponta o enraizamento do consumo da cânabis no cotidiano dos brasileiros, principalmente negros e pobres, desde o século 18.

No episódio desta semana, o pesquisador discutiu como os movimentos proibicionistas, que ganharam impulso no começo do século 20, difundiram discursos alarmistas e construíram uma imagem negativa dos usuários da maconha, que, em alguma medida, perdura até hoje.

França também defendeu que o debate sobre os usos da maconha deve ser mais pragmático, balanceando os potenciais terapêuticos e os possíveis custos sociais relacionados ao seu consumo, e criticou a ampliação do acesso à cânabis por meio de decisões judiciais, não de um debate público mais amplo.

Jean Marcel Carvalho França, professor de história da Unesp, em sua casa, em Franca - Pierre Duarte - 25.mar.15/Folhapress

Desde o século 19, sabia-se que o brasileiro usava a cânabis como uma erva para múltiplas doenças e que os velhinhos tinham em casa plantada para eventualmente tomar um chá calmante. A partir de 1830, começou a preocupação se isso não tinha um efeito sobre a mão de obra escrava, do ponto de vista do rendimento do trabalho. Isso é muito diferente do que vai acontecer a partir do início do século 20, quando se associa a maconha à criminalidade e se esvazia seu potencial médico

Jean Marcel Carvalho França

professor de história da Unesp

PARA SE APROFUNDAR

Jean Marcel Carvalho França indica

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  • "Nordeste", de Gilberto Freyre, sobre os usos cotidianos da maconha

  • "Os Intelectuais e a Sociedade", de Thomas Sowell

Cláudio saiu de Santos, todo dia, para virar maior artilheiro do Corinthians, FSP

SÃO PAULO

Corinthians chega ao duelo da noite de sábado (16), contra o Ceará, sem que nenhum de seus jogadores tenha feito gol nas seis partidas anteriores. No domingo, comemora o centenário de um homem que colocou 305 bolas na rede vestindo sua camisa.

Cláudio Christóvam de Pinho nasceu em 17 de julho de 1922, em Santos. De lá nunca saiu. Exceto todo dia, ou quase isso, entre 1945 e 1957, período em que se tornou ídolo de um alvinegro não praiano e o maior artilheiro de sua história.

Ninguém fez tantos gols pelo Corinthians quanto Cláudio, um dos únicos dez jogadores até hoje homenageados em forma de busto no Parque São Jorge. Mas resumir a números a trajetória daquele que ficou conhecido como Gerente é ignorar a essência do clube preto e branco, mais amor (e dor) do que glória –embora tenha havido muita glória no tempo do Gerente.

"Sou corinthiano por causa do Corinthians e por causa dos corinthianos", explicou, em depoimento ao livro "Coração Corinthiano" (1992), do corinthiano Lourenço Diaféria.

Cláudio, com sua serenidade, tornou-se um líder respeitado, chamado pelos companheiros e também pelos dirigentes do Corinthians de Gerente - Acervo/Folhapress

O santista fora torcedor do Santos, time no qual iniciou a carreira. Antes da chegada ao Corinthians, marcou o primeiro gol do Palmeiras com esse nome, em 1942. No fim de sua trajetória de chuteiras, ainda defendeu o São Paulo. Mas um jogo de 1955, um empate por 5 a 5 com o Vasco, que vencia por 4 a 1 e depois por 5 a 2, ajuda a explicar por que Cláudio era mesmo Corinthians.

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"Olhei lá para cima, as bandeiras, a face da torcida. Parece um rosto só. Um único nariz, dois olhos luminosos, uma única pele, uma única boca gritando ‘Corinthians!’. A torcida é uma coisa só. Fala com um, anima o outro, berra com aquele, e a torcida esperando o milagre", descreveu, segundo Diaféria. "Não comecei corinthiano. Eu fui corinthiano depois. E nunca mais deixei de ser."

O Santos ficou para trás, mas não sua Santos. Abandonar a cidade jamais pareceu uma alternativa viável. Por isso, quando o Corinthians o contratou, em 1945, decidiu permanecer em casa. Mesmo depois de bem ambientado na zona leste paulistana, persistiu na migração pendular, ainda tão comum a muitos daqueles que trabalham na capital paulista.

"Eu já estava casado com a Norma. Morava na casa dos meus sogros. Levantava cedo. Às 5h20, pegava o bonde que vinha da Ponta da Praia e tinha o ponto final na praça Mauá. Descia, andava um pouco, na rua do Comércio tomava o ônibus para São Paulo. A viagem levava duas horas. Quando chovia, era lama, vinha pela estrada velha de Santos", recordou.

O trajeto se tornou menos solitário, ainda em 1945, quando chegou ao Corinthians outro ídolo histórico nascido no litoral, Baltazar. "Descíamos do ônibus de Santos no Parque Dom Pedro, onde pegávamos uma lotação até a rua São Jorge, esquina com a avenida Celso Garcia. A pé, fazíamos o trecho da avenida até o rio Tietê."

A parceria funcionou.

O ponta-direita Cláudio fez do centroavante Baltazar o Cabecinha de Ouro. Os cruzamentos eram precisos; as finalizações pelo alto, idem. "O Baltazar foi um jogador excepcional, um dos poucos cabeceadores que procuravam a bola. Eu já sabia onde ele gostava do lançamento: na esquerda, atrás do beque central. Eu centrava, ele pulava e cumprimentava, fulminava."

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Baltazar e Cláudio forjaram sintonia única - Acervo - 9.out.53/Folhapress

Ainda faltava, porém, alguma coisa. O Corinthians não ganhava nenhum título relevante desde 1941, algo que só mudaria com a chegada de garotos buscados no tradicional time de várzea do Maria Zélia, especialmente Roberto Belangero e Luizinho. Então, a partir de 1950 e até 1955, o clube viveu seu período mais vitorioso.

Em uma época na qual não existia uma competição nacional nem torneios internacionais periódicos estabelecidos, o time alvinegro alcançou três vezes seu principal objetivo, o Campeonato Paulista (1951, 1952 e 1954). Ganhou também três vezes a disputa interestadual do Rio-São Paulo, o Torneio Roberto Gomes Pedrosa (1950, 1953 e 1954).

A equipe ainda levou a Pequena Taça do Mundo (1953) e o Torneio Internacional Charles Miller (1955), derrotando rivais como Barcelona, Roma e Benfica. Foi um ciclo fantástico de conquistas, possível a partir do momento em que o habilidoso, pequenino e impetuoso Luizinho se posicionou na meia direita, entre Cláudio e Baltazar.

"Eu vinha com a bola dominada lá de trás, dava um toque para o Luizinho. O Luizinho já soltava a bola na frente, no meu pé. E com a bola no pé... Bem, era tudo mais fácil", recordou Cláudio.

"Ele estava numa fase ruim", disse Luizinho, à Folha, em 1974, rememorando o começo da parceria. "Estava faltando um meia para completar sua arte. Nós dois iniciamos as tabelas, coisa que antes da gente ninguém tinha feito."

Exagero, de certo, do camisa 8. Mas o camisa 7 era mesmo afeito ao jogo coletivo. Luizinho seria menos Luizinho sem Cláudio. E Baltazar seria bem menos Baltazar.

Houvesse nos anos 50 a contabilidade das assistências e a valorização estatística dos passes para gol, o Gerente de 1,62 m seria ainda mais aclamado. Ele era um preparador de jogadas, não propriamente um finalizador, o que torna ainda mais impressionante sua liderança na artilharia histórica do Corinthians.

Humilde, Cláudio sempre atribuiu à longevidade no clube essa posição na lista de goleadores. Contribuiu para o número excepcional de bolas na rede a qualidade nas bolas paradas.

Seu gol favorito foi o que decidiu o Torneio Charles Miller, uma batida de falta que iludiu Costa Pereira, goleiro do Benfica (considerado o melhor de todos os tempos da seleção portuguesa). O efeito da bola atordoou o arqueiro, que, consta na lenda alvinegra, exclamou: "Foi de curvita, ó, pá!".

Capitão alvinegro, líder extremamente respeitado –o apelido não era aleatório– e jogador fora de série, o Gerente não jogou uma Copa do Mundo. Disputou 12 partidas pela seleção brasileira e fez cinco gols, muito pouco para alguém de sua (baixa e) enorme estatura. "Eu sonhava estourar na Copa de 50", admitiu, em entrevista de 1983 à revista Placar.

Luizinho também não jogou o Mundial em 1954, Neto não disputou o torneio em 1990, Marcelinho não foi chamado em 1998.

A torcida do Corinthians nunca entendeu as ausências de difícil explicação, mas também nunca deu tanto valor aos feitos em verde e amarelo. O que sempre lhe importou foi a produção em preto e branco, e é muito difícil cobrar produção maior do que a de Cláudio nessas cores.

São incríveis 305 gols. Que ficam bem longe de resumir sua contribuição.

Cláudio é o maior artilheiro da história do Corinthians. Morreu, em 2000, em sua Santos, sem demonstrar nenhuma arrogância a respeito do feito. O que lhe causava orgulho mesmo era encontrar algum alvinegro que lhe perguntasse: "Você é corinthiano, Cláudio?".

A indagação não era inteiramente descabida se levado em conta que foram vestidas as camisas de Palmeiras, São Paulo e Santos. Então, Cláudio explicava que amava o Corinthians por causa dos corinthianos.

"E você? Você é corinthiano?", respondia, devolvendo a pergunta. "Então, eu também sou. Sou. Porque você é." 

Perda do cromossomo Y pode ajudar a explicar por que homens morrem antes, FSP

 


Stefhanie Piovezan
SÃO PAULO

Um estudo publicado na última quinta-feira (14) na revista científica Science pode ajudar a explicar por que, em geral, os homens morrem antes das mulheres –no Brasil, a expectativa de vida para eles seria de 73,3 anos e para elas, de 80,3 anos, segundo o IBGE, desconsiderando a mortalidade provocada pela pandemia de Covid-19.

Segundo a pesquisa, conduzida por 25 cientistas dos Estados Unidos, Suécia e Japão, a falta do cromossomo Y observada em uma parte das células conforme os homens envelhecem –estima-se que ela afeta 40% dos idosos de 70 anos– propicia o surgimento de fibrose miocárdica, com comprometimento das células musculares do coração, e insuficiência cardíaca.

"Embora a perda do cromossomo Y já tenha sido associada a uma vida mais curta e ao aumento do risco de doenças relacionadas à idade, uma grande questão não abordada era se essa perda teria um papel causal no processo patológico", afirma o pesquisador Kenneth Walsh, professor na Escola de Medicina da Unidade da Virginia e um dos autores do artigo.

Enfermeira ampara homem idoso em corredor de hospital
Pesquisa sobre perda do cromossomo Y ajuda a compreender desenvolvimento de doenças em idosos - Thierry Zoccolan/AFP

"Alguns chegaram a argumentar que a perda do cromossomo seria um indicador benigno de envelhecimento, como cabelos grisalhos ou rugas. Assim, realizamos um estudo para investigar se ela tem um papel direto no processo de adoecimento e elucidar como contribui para doenças", diz

O estudo revela que camundongos machos tratados para perderem seu cromossomo Y nas células do sangue, o que ocorre em homens idosos, tiveram uma deposição excessiva de tecido conjuntivo no coração, rins e pulmões. Em outras palavras, um conjunto de respostas do sistema imunológico levou a um processo conhecido como fibrose, afetando o funcionamento de diferentes partes do corpo desses animais. A pesquisa aponta ainda que os roedores sem Y tiveram um tempo de vida menor.

Os pesquisadores também conduziram análises a partir do UK Biobank, um repositório contendo dados médicos de cerca de meio milhão de pessoas, e verificaram uma associação entre a falta do cromossomo Y, doenças cardiovasculares e insuficiência cardíaca.

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Após essas descobertas, a equipe se concentrou no coração por entender que poderia ajudar a elucidar um mecanismo que contribui para a insuficiência cardíaca não isquêmica, quadro que apenas nos Estados Unidos afeta cerca de 3 milhões de pessoas. "Essa forma é pouco compreendida em relação à insuficiência cardíaca isquêmica clássica, que resulta do bloqueio de uma artéria principal que fornece sangue ao músculo cardíaco. Além disso, existem muito poucas opções de tratamento para ela", explica Walsh.

Segundo os pesquisadores, um anticorpo neutralizador usado em uma parcela dos camundongos atenuou parte dos danos ao coração e talvez possa reverter parte dos impactos cardíacos desencadeados pela falta do Y. Esse é um dos próximos passos da pesquisa. Outro é buscar entender quem, além dos fumantes, está mais suscetível aos efeitos negativos da perda e por quê.

"Agora que existe um modelo experimental para análise em camundongos, podemos estudar por que o cromossomo Y é perdido e como preservá-lo", afirma o professor.

"Acima de tudo, precisamos definir os genes no cromossomo Y cuja perda leva a essas condições de doença", continua ele. "Uma vez que esses genes tenham sido identificados, poderemos realizar estudos mais profundos que poderão revelar novas características dos processos de adoecimento e envelhecimento, e levar ao desenvolvimento de novas terapias."