quarta-feira, 11 de maio de 2022

Marcelo Coelho - O que é atraso sobre aborto nos EUA no Brasil seria conquista histórica, FSP

 É retrocesso, sem dúvida. Depois da última decisão da Suprema Corte, a legislação sobre aborto pode se tornar mais restritiva nos Estados Unidos, conforme a força que setores religiosos, antifeministas e conservadores tiverem em cada estado americano.

Os protestos contra isso têm sido grandes nos EUA. Mas o que é atraso por lá seria até um progresso no Brasil.

Um dos estados campeões na campanha antiaborto, Oklahoma, aprovou agora uma lei chocante para os padrões americanos. Segue o ponto de vista "extremo" (palavras do presidente Biden) adotado no Texas em setembro do ano passado.

Ilustração que representa três mulheres grávidas em fileira na cor roxa, sobre um fundo azul, tendo sobre toda a imagem um vulto oval se assemelhando a um olho semiaberto
Ilustração publicada em 10 de maio - André Stefanini

E qual é o "extremismo" texano? Prender mulheres que fizeram aborto, tratá-las como assassinas? Não. O aborto ainda é legal no Texas e em Oklahoma. Repito: ainda é legal. O que os direitistas americanos fizeram, com grande estrépito, foi proibir o aborto depois de seis semanas de gestação. Antes de seis semanas, continua podendo.

Se tivéssemos isso no Brasil, a conquista seria histórica.

Há estados americanos onde você pode fazer aborto já com a gravidez avançadíssima. No estado de Vermont, a retirada do feto é possível em qualquer etapa: com oito, nove meses de gravidez.

Confesso que, aí, até eu fico assustado. Há outros radicalismos, como o de obrigar médicos do serviço público a realizarem operações de aborto mesmo se, por razões de consciência, sejam contrários à prática. É demais, a meu ver.

Só que, no Brasil, políticos e políticas morrem de medo de defender o mínimo. O medo de perder votos é tamanho, que fica parecendo escandalosa audácia apoiar até mesmo uma política de estilo conservador como a que existe no Texas e em Oklahoma.

Os governadores desses estados seriam vistos no Brasil como perigosos esquerdistas. Aborto até seis semanas de gravidez? Minha nossa!

E quem é a favor do aborto se esconde atrás da lenga-lenga de que "não é uma questão religiosa, é uma questão de saúde pública".

Não é questão de saúde pública. É questão de direitos da mulher. E, se quisermos, de direitos das crianças já nascidas: o direito de ter uma mãe que quis ser mãe e se sente pronta a cuidar delas.

Por que eu digo que não é questão de saúde pública? Claro, sabemos que milhares de mulheres morrem ao fazer aborto em clínicas clandestinas, ou se ferem em casa mesmo. A legalização do aborto evitaria, em grande parte, esse morticínio vergonhoso.

O problema é que o militante contra o aborto pode perfeitamente admitir isso. E dizer que, para resolver essa "questão de saúde pública", faltam ações da polícia no sentido de fechar essas clínicas e prender os responsáveis.

O militante contra o aborto pode ir além. Se ele acha que um embrião é como uma pessoa, seu raciocínio fica simples. Morrem mulheres em clínicas clandestinas? Sim, reprimiremos isso. Mas é também "questão de saúde pública" a morte desses pobres embriões.

Conclui-se que falar em "questão de saúde pública" é uma estratégia que serve tanto para quem é a favor do aborto como para quem é contra.

Se for para enrolar, sugiro então que se adote o seguinte raciocínio. O candidato, o "formador de opinião", toma a palavra, com seu cabelinho puxado para trás reluzente de brilhantina, e fala o seguinte.

"De fato, sou um conservador, um antifeminista, um seguidor de Donald Trump e admirador de Bolsonaro. E, nesse sentido, sou a favor das recentes mudanças legislativas aprovadas em estados americanos onde os valores da família são efetivamente seguidos e não há vestígio de comunismo ateu ou ideologia de gênero. Sou a favor da política adotada no Texas e em Oklahoma."

Estará sendo a favor do aborto até as seis semanas de gestação, acessível em qualquer hospital público ou particular.

Nos Estados Unidos, o presidente Biden iria chamá-lo de extremista de direita. Aqui, qualquer conservador texano deixaria candidatos de esquerda fazendo o sinal da cruz e repelindo tal demonstração de porra louquice.

"Não, não, cof, cof, é tudo questão de saúde pública. Não vamos mexer com a religião de ninguém." Ora essa. Quem for religioso, que não faça aborto. E que se lembre de não se divorciar também. E de não usar camisinha.

Quem acha que um embrião não é uma pessoa, tem o direito de interromper a gravidez pela razão que achar melhor.

Cito uma, bastante conservadora aliás. Trata-se de proteger os valores da família. De uma família que nasce de uma gravidez desejada, com filhos esperados e amados por um pai e uma mãe que fizeram a escolha de tê-los.


Nós, liberais, não queremos coagir ninguém, Deirdre Nansen McCloskey, FSP

 Talvez você já tenha ouvido falar de Friedrich Hayek (1899-1992), Prêmio Nobel de Economia em 1974.

Nossos amigos da esquerda encaram Hayek como "conservador", ou, na melhor das hipóteses, "neoliberal". Toca-se a música assustadora. Todos os nossos amigos no espectro convencional de esquerda e direita de um Estado coercivo se assustam facilmente —a esquerda com quem duvida da coerção do Estado sobre o mercado; a direita com quem duvida da coerção do Estado no quarto.

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Os políticos soam o alarme. Como disse o jornalista americano H.L. Mencken um século atrás: "A finalidade toda da política prática é conservar o populacho assustado (portanto ansioso por ser conduzido à segurança), ameaçando-o com uma série de diabretes, todos eles imaginários". Soa familiar?

Mas Hayek não era conservador. É verdade que ele estupidamente passou algumas semanas dando conselhos estúpidos a Pinochet. Mas os Garotos de Chicago aprenderam a teoria de preços na Universidade de Chicago, ensinada por um liberal chamado, ahn, Donald McCloskey.

Em 1960, Hayek redigiu um apêndice persuasivo de sua própria grande obra, "The Constitution of Liberty" (A Constituição da Liberdade), explicando "por que eu não sou conservador". Ele observou que a direita política quer nos coagir a construir uma versão fantástica do passado, e a esquerda quer nos coagir a construir uma versão fantástica do paraíso.

Nós, liberais, não queremos coagir ninguém e não gostamos de fantasias.

Em vez disso, encaramos o futuro com um otimismo racional, conforme o expressa Matt Ridley, fundamentado pelo sucesso espantoso de pessoas liberadas de 1776 até o presente. Foi um aumento de 3.000% na renda real por cabeça, principalmente entre as cabeças pobres, com a dignidade do voto e da livre expressão.

Os resultados no Reino Unido e nos Estados Unidos, na Itália e no Japão, em Botsuana e no Chile, ficam aquém das fantasias da esquerda e da direita.

Entretanto, como afirma o cientista político John Mueller, a democracia liberal é "bastante boa". É bastante boa comparada à vida miserável de nossos ancestrais e comparada aos resultados lamentáveis da busca por realizar fantasias coercivas da esquerda e da direita na Venezuela e na Arábia Saudita.


Hayek disse que foi o iluminismo escocês da liberdade, não o iluminismo francês da razão, que fez o mundo moderno.

Um Brasil moderno precisa aprender com o velho Adam Smith e com seu avatar Friedrich Hayek.