segunda-feira, 18 de outubro de 2021

O ataque ao Ministério Público terá êxito?, Marcus André Melo - FSP

 A Constituição de 1988 delegou vastos poderes às instituições de controle em sentido amplo ( Ministério Público, órgãos judiciais, tribunais de contas, política federal). Esta delegação foi produto da coalizão forjada na constituinte entre setores liberais e de esquerda. Os setores liberais estavam preocupados com o abuso de poder pelo Executivo para o qual também ocorrera extensa delegação de poderes através de instrumentos como medidas provisórias, iniciativa legal exclusiva, e prerrogativas processuais.

Buscava-se uma coleira forte para um cachorro grande: uma agenda de transformação institucional discutida na década de 50 por figuras como Afonso Arinos, San Tiago Dantas e Hermes Lima.

O livro da Constituição de 1988 é apresentado ao plenário da Câmara dos Deputados, em Brasília, pelo deputado 
federal Ulysses Guimarães, presidente da Assembleia Constituinte
O livro da Constituição de 1988 é apresentado ao plenário da Câmara dos Deputados, em Brasília, pelo deputado federal Ulysses Guimarães, presidente da Assembleia Constituinte - Lula Marques - 3.out.1988/Folhapress

Os setores de esquerda, por sua dura experiência sob o regime militar, priorizavam direitos humanos e liberdades públicas. Os limites da intervenção estatal era o foco de setores liberais desde o Estado Novo, o que levou à aprovação, em 1950, de nossa primeira Lei de Improbidade Administrativa.

Parte do arranjo de 1988 está sob ataque na PEC do CNMP (05/21). Mas agora o “jogo da delegação” é outro: mudam os atores, as coalizões, as temáticas. Destaco seis pontos:

1. Setores da esquerda agora estão aliados ao Executivo para enfraquecer as instituições de controle, porque quando estavam no poder seus desmandos foram punidos.

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2. O fantasma do autoritarismo, sob Bolsonaro, voltou a adquirir a centralidade que tivera com o fim do Estado Novo e do regime militar, e que havia desaparecido. A posição dos setores da esquerda torna-se assim paradoxal: aliar-se ao presidente e sua base e simultaneamente buscar controlá-lo através do STF.

3. O presidente é agora protagonista; no jogo das constituintes de 1946 e de 1988, o Executivo estava virtualmente ausente.

4. A questão da corrupção adquiriu grande saliência, o que não ocorreu em 1988. O tema é ortogonal à agenda institucional anterior marcada pelo par direitos humanos e abuso presidencial; o que junto com o tema dos desmandos na pandemia reconfigura o jogo.

5. Finalmente, o objeto do controle ampliou-se: de desmandos do Poder Executivo para os dos próprios parlamentares —o que explica o protagonismo destes no ataque ao Ministério Público.

6. No entanto, as instituições agora com mais musculatura, podem proteger-se; o teste será como o STF irá atuar no caso.

A delegação de poderes ocorrida em 1988 fundava-se, em parte, na constatação dos limites estreitos do controle pela via parlamentar (ex.: CPIs), dado sua vulnerabilidade histórica frente ao Executivo. A PEC vai na direção contrária: aumenta o papel do Legislativo no processo. A investida insere-se em um processo mais amplo; encontrará forte resistência.

PEC 5: a ira vingativa dos corruptos- Catarina Rochamonte -FSP

 A tentativa de submeter o Ministério Público ao controle de políticos, aleivosia posta em curso na Câmara Federal, mostra o grau de confiança a que chegaram no Brasil aqueles que combatem o combate à corrupção.

Apelidada de “PEC da vingança —devido à evidente intenção de retaliação nela contida—, a PEC 5/2021 fere a independência e a autonomia institucional ao aumentar a ingerência política no CNMP. O corregedor, responsável pela condução de processos disciplinares contra promotores e procuradores, passaria a ter fortes vínculos políticos, consolidando com isso a cultura de impunidade dos poderosos que sempre vigorou no Brasil, embora tenha sido excepcionalmente confrontada pela Operação Lava Jato.

O autor do indecoroso projeto é o deputado petista Paulo Teixeira, com aval monolítico do seu partido. O centrão, através do presidente da Câmara, Arthur Lira, está no comando, dando as cartas num jogo sujo combinado com o presidente Bolsonaro. Nessa combinação, o relator da PEC, deputado Paulo Magalhães, conseguiu piorar o que já era ruim.

Mais uma vez, bolsonaristas e petistas convergem com o habilidoso oportunismo do centrão, que tem demonstrado grande força, mas não tem projeto de poder próprio; só um plano de domínio parasitário. Com Bolsonaro reeleito ou com Lula eleito, tal parasitismo continuará a ser praticado com mais conforto e tranquilidade, caso a PEC 5 seja aprovada.

A vitória dessa excrescência nas duas Casas do Congresso não é certa. Apesar do despudor com que conduz o processo —havendo, inclusive, mentido sobre um acordo com procuradores—, Arthur Lira não conseguiu liquidar logo a fatura na Câmara, tendo sido obrigado a adiar a votação para esta terça-feira (19).

O recuo no tratoraço vingativo deveu-se à resistência tanto no conjunto da sociedade civil quanto entre parlamentares que defendem a integridade do Ministério Público. Que tal resistência persista até a vitória final, que é rejeição integral dessa PEC abusiva.

PEC 05/21 nem sequer pode ser deliberada, OESP

 

Marcelo Knopfelmacher. FOTO: DIVULGAÇÃO

A proposta de emenda constitucional PEC 05/21, que pretende alterar a composição e competência do Conselho Nacional do Ministério Público – CNMP, está pautada para a próxima terça-feira, 19 de outubro, para apreciação pelo Plenário da Câmara.

Ocorre, porém, que essa PEC, que grande indignação está causando junto à sociedade brasileira por enfraquecer o Ministério Público e, via de consequência, restringir fortemente o combate à corrupção, sequer poderá ser deliberada perante nossas Casas Legislativas.

Explica-se.

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Diz o artigo 60, parágrafo 4º, inciso III, da Constituição:

Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:

(…)

§ 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:

I – a forma federativa de Estado;

II – o voto direto, secreto, universal e periódico;

III – a separação dos Poderes;

IV – os direitos e garantias individuais.”

Por pretender abolir a separação dos Poderes, a PEC 05/21 sequer poderá ser levada à deliberação/votação, nos termos do artigo 60, parágrafo 4º, inciso III, da Constituição.

E por qual razão a PEC 05/21 tende a abolir a separação dos Poderes?

A explicação é muito simples também.

O Ministério Público é o órgão que tem a função de fazer as investigações (em conjunto com a polícia) e que detém o monopólio (estatal) para acusar as pessoas perante a Justiça (artigo 129, inciso I, da Constituição) pela prática de crimes.

Ora, se é o Ministério Público, órgão técnico e integrado por membros de carreira (concurso público), que tem o monopólio estatal de fazer a acusação criminal das pessoas junto à Justiça, qualquer interferência externa nesse órgão – como pretende a PEC 05/21 — estará retirando do Poder Judiciário a função de julgar e, portanto, interferindo na separação dos Poderes.

E assim se tem a violação direta ao artigo 60, parágrafo 4º, inciso III, da Constituição.

O Conselho Nacional do Ministério Público, com a alteração pretendida pela PEC 05/21, terá composição política, externa à carreira técnica (concurso público) do MP, e ao mesmo tempo poderá, ele próprio (CNMP), rever investigações e denúncias criminais, retirando essa atribuição do Poder Judiciário.

Diminuir o Ministério Público e impedir que o seu trabalho seja revisto pelo Poder Judiciário é, portanto, proposta de emenda constitucional que sequer pode ser deliberada pelo Congresso, justamente porque o artigo 60, parágrafo 4º, inciso III da Constituição impede que qualquer PEC que pretenda abolir a separação dos Poderes seja votada.

Por tal singela razão, espera-se que a Câmara dos Deputados não se preste à deliberação da PEC 05/21, rejeitando-a sumariamente sem qualquer análise de mérito, em estrito cumprimento à Constituição.

*Marcelo Knopfelmacher, advogado criminalista