sábado, 21 de agosto de 2021

R$ 150 mil pela sua atenção, Gama revista

 Victor Oliveira (@victoroliveira) é uma metralhadora de números. Sabe quantas centenas de comentários o seu publipost da marca X teve nas primeiras 24 horas, quanto isso representa em termos de engajamento, quanto outros perfis na mesma rede social, com seis vezes mais seguidores que ele, tiveram para a mesma publicidade. E destrincha as comparações sem indisfarçada modéstia. Aos 29 anos, ele tem 326 mil seguidores no Instagram e se dedica exclusivamente à profissão de influenciador digital desde 2020 – embora tenha começado no mundo das redes ainda nos tempos do Orkut, criando e gerenciando comunidades. Formado em publicidade, ele jamais pensou que essa seria de fato sua profissão.

Há dois anos e meio, no entanto, resolveu tentar mobilizar a base que tinha no Instagram — pessoas que o acompanhavam de outras redes e que acabaram por lá. “Vi que tinha 150 mil seguidores no Instagram parados. Não tinha tanta interação quando poderia ter”, conta. Para isso, criou quadros específicos como o “Não está sendo fácil”, ou NESF, em que os seguidores compartilham histórias engraçadas ou inusitadas – muitas delas relacionadas a peripécias sexuais e dates que acabaram mal, ou ambos ao mesmo tempo.

Funcionou. Hoje, publicidade para gigantes como Prada e Samsung fazem parte do seu currículo. Trabalha “muito mais”, diz, do que quando tinha um trabalho convencional, no qual gerenciava redes sociais de celebridades.

Tu podes não postar, mas sempre estás pensando (a respeito do conteúdo). É um trabalho que consome muito

Para a jornalista Juliana Gomes (@comidasaudavelpratodos), “desligar a cabeça” é o mais difícil da profissão de influenciadora – palavra, aliás, da qual ela não gosta. “Tu podes não postar, mas sempre estás pensando (a respeito do conteúdo). É um trabalho que consome muito”, diz. Na internet, ela se dedica a falar de veganismo e de alimentação sob uma perspectiva política. “Nunca trabalhei tanto”, afirma.

Não se engane. Por trás de vídeos aparentemente simples, como as dancinhas que ganham milhares de visualizações, tem trabalho, e muito. Produzir fotos, vídeos, roteirizar, editar, escolher o melhor dia e hora para postar, acompanhar métricas, entender o que engaja ou não o público: tudo isso faz parte do universo de produção de conteúdo dos influenciadores digitais, seja esse um conteúdo de política, de neurociência, de humor ou de qualquer — absolutamente qualquer — outro assunto.

Algumas habilidades profissionais são específicas desse segmento. “Uma competência é a de identificar tendências, de saber ler o mercado digital. Outra, que às vezes menosprezamos, é a capacidade de conseguir produzir um conteúdo que transborde para muitas plataformas em diferentes formatos, com a habilidade de falar com públicos diversos”, explica a pesquisadora e professora da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP) Issaaf Karhawi.

Todo mundo é produtor de conteúdo?

Autora do livro “De Blogueira a Influenciadora” (Editora Sulina, 2020), fruto de sua tese de doutorado, Issaaf explica que viver de produção de conteúdo na internet já era possível entre 2009 e 2011, mas o termo influenciador digital entrou mesmo em cena por volta de 2014, quando as marcas passaram a olhar com mais atenção para essas pessoas. Para escrever a tese, a pesquisadora acompanhou 52 blogueiras de moda por cerca de quatro anos. Foi por meio dessas figuras, que começaram a produzir conteúdo de forma amadora em blogs entre 2003 e 2006, que teve origem fenômeno dos influenciadores digitais.

“Já se discutia até antes da internet que a pós-modernidade era um momento de ruptura das grandes instituições. O digital surge na esteira desse discurso anti-hierárquico”, diz Issaaf. “Eu gosto de pensar que as blogueiras são resultado da cultura da participação, que é essa possibilidade de todo mundo participar dos pólos produtores”. Se antes só a mídia poderia produzir e divulgar informação, a internet permitiu, em certa medida, a democratização desse processo.

As blogueiras atuam como líderes e formadores de opinião, independente de serem experts

Nesse sentido, as blogueiras, e mais tarde os influenciadores digitais, colocaram em xeque o paradigma da expertise. Por exemplo: ouvíamos um médico falar sobre uma determinada doença e, em teoria, dávamos ouvidos porque ele estudou por anos aquele assunto. “Nas redes sociais isso não existe, o que existe é um processo social de reconhecer no outro o que ele tem para oferecer. As blogueiras atuam como líderes e formadores de opinião, independente de serem experts”, explica Issaaf. No mercado de moda, historicamente elitizado, foi reconhecida e legitimada a habilidade das blogueiras em democratizar e traduzir temáticas.

“É uma nova linguagem. Quando apareceu o livro, pensaram: ‘Agora qualquer um vai escrever, como assim? Não foi autorizado pela igreja!’”, diz o psicanalista e professor da USP Christian Dunker.

Para Luiz Peres-Neto, pesquisador e professor da Pós-Graduação em Comunicação e Práticas de Consumo da ESPM, a tendência é nos deixarmos levar por um moralismo raso ao analisarmos esse fenômeno. A internet, ele afirma, não é diferente da vida, afinal “quem a faz somos nós, que somos ambíguos”.

“Ao mesmo tempo em que a internet democratiza o acesso a determinadas vozes periféricas, negras, é o lugar onde você tem indústrias de ódio, que usam essas plataformas para aniquilar o diferente. Precisamos deixar de entender a internet como um espaço de tecnologia e entender como um espaço de dinâmicas sociais e, portanto, humanas”, diz Peres-Neto.

O Instagram veio para facilitar a publicação: pegou suas fotos feias, botou um filtro e elas ficaram ok

Junto à internet e à vontade de parte da sociedade em se tornar mais horizontal, avanços importantes, como o smartphone e a evolução das próprias ferramentas dentro das redes sociais possibilitaram o boom dos influenciadores. “O Instagram veio para facilitar a publicação: pegou suas fotos feias, botou um filtro e elas ficaram ok”, avalia o professor de mídias digitais da pós-graduação da ESPM Alexandre Bessa, que analisou o Instagram em seu mestrado. “A ferramenta criou espaço para os influencers e ensinou a comunidade a crescer.”

Embora exista todo um contexto que favoreça o surgimento de influencers, manter-se em destaque em um meio cada vez mais competitivo foi exigindo profissionalização, segundo Issaaf, e uma visão que vai além do viral da dancinha. “Das blogueiras que eu acompanhei, não foram todas que chegaram ao final do período com milhares de seguidores.”

A cofundadora da agência paulistana Coolab, Juliana Montesanti, aponta que nos últimos dois anos, ou seja, durante a pandemia, aqueles influenciadores que focavam em conteúdos no estilo “minha viagem incrível” perderam relevância. “Quando a gente não teve a possibilidade de viajar e mostrar, o conteúdo ficou vazio. Por isso direcionamos os nossos comunicadores a terem realmente um conteúdo de valor. Claro que dancinhas e viagens podem compor o feed, mas não devem ser o ‘core’ do conteúdo, porque não é o que se consegue levar no longo prazo”, explica Montesanti.

A hora da virada

É complexo definir em que momento alguém se torna, de fato, um influencer. Ao contrário do que se possa supor, não depende de número de seguidores, já que existem até mesmo os “nano influencers”, aqueles com cerca de mil seguidores. Mas, para a publicidade, de forma geral, você ganhou esse status se as marcas passaram a olhar para você. “Os influenciadores são ótimos se pensarmos no que os consumidores hoje esperam uma comunicação horizontal, não uma marca que diz: compre esse produto porque ele é bom pra você. A gente quer um discurso testemunhal”, pontua Issaaf.

Ser influencer não diz respeito ao número de seguidores, mas ser alguém para quem as marcas olham

Na visão de Peres-Neto, o que está sendo comercializado nesse caso não é conteúdo, mas atenção. Economia da atenção é um conceito usado ao menos desde a década de 1950 para entender as audiências. “A atenção é a commodity que foi vendida desde o final do século 19 como produto para sustentar as mídias. A mídia não vende informação ou entretenimento, vende atenção para a publicidade”, diz, ao citar o livro “The Attention Merchants” (Mercadores da Atenção, em tradução livre, Atlantic Books, 2017), de Tim Wu. Nesse contexto, nós, enquanto audiência, seríamos mero produto dessa indústria.

“Historicamente, isso foi mudando: antes era o anúncio dentro do jornal impresso, evoluiu para a televisão, que com o controle remoto sofre uma transformação radical, e a publicidade vai se adaptando. Se você diminui o espaço tradicional, a fronteira entre o que é informação, entretenimento, e ‘conteúdo’ vai diminuindo. E os influenciadores entregam esse apagamento da fronteira”, explica.

Montesanti, da Coolab, viu de perto essa transformação. Ex-funcionária da revista Vogue, ela acompanhou a fragmentação da publicidade, que passou a se voltar mais para o mercado digital nos últimos anos. Ela acredita que o Instagram é hoje a principal plataforma para os influenciadores criarem conteúdo e ganharem dinheiro.

Os valores pagos pelas marcas dentro desse contexto variam muito, e dependem em grande medida da capacidade de conversão de cada perfil. “No geral , falando de todos os influenciadores, tivemos campanhas nas quais uma série de stories custou R$ 8 mil, e já tivemos uma em que custou R$ 150 mil, isso falando só em stories”, diz Montesanti. No portfólio de clientes da agência estão desde perfis com 50 mil seguidores até Bruna Marquezine, que conta 41 milhões.

Mas nem todo mundo consegue ou quer ir atrás dos publiposts de milhares de reais. Juliana Gomes optou por outro caminho. No começo, buscou empresas que fossem coerentes com o trabalho que fazia, em geral companhias de médio porte, para criar parcerias. “Queriam que eu fizesse 20 stories por R$ 500. Ok, você pode pagar pouco, mas não sou escrava. E percebi que a gente influencia muito as pessoas para compras”, diz. “Uma vez indiquei um livro, e a editora disse que vendeu mais em uma semana do que tinha vendido no ano inteiro. Então não posso cobrar R$ 500 por 20 stories, sabe?”

Ao mesmo tempo, ela não queria fazer parcerias com empresas grandes, que pagariam bem, mas não estavam de acordo com seus valores éticos e com o conteúdo que produz. Decidiu estudar outras formas de se manter, e após um ano pesquisando, criou um tipo de assinatura por meio da qual distribui uma newsletter com conteúdo exclusivo e sorteia brindes de marcas que se relacionam à sua causa. Hoje, conta com cerca de 700 assinantes.

É uma cilada, Valéry?

À medida que o fenômeno dos influencers tomou forma, influenciadores de diferentes setores de atividade foram se popularizando, não somente artistas, esportistas ou pessoas do ramo da moda. São médicos, psicanalistas, escritores, militantes de todas as vertentes, entre outros perfis, que encontram na internet uma forma de divulgar seu trabalho. Mas, afinal, passamos a depender de dançar no TikTok para ter um lugar ao sol, independentemente da profissão que exercemos?

“Isso é uma meia verdade. É certo que você tem pessoas que se fazem a partir dessas dinâmicas. No caso de um médico, vai ter médicos que dançam no TikTok; agora, se eu tiver um infarto, eu vou querer ser operado pelo Dr. João Paulo, da Beneficência Portuguesa, um grande especialista, que acho que não tem nem conta de e-mail”, pondera Peres Neto.

“Paul Valéry (filósofo e escritor francês, 1871-1945), nos anos 1930, dizia: ‘olha, tá surgindo um tipo de profissão bem estranha, delirante, porque se baseia em como você está sendo percebido pelos outros,’, que é a profissão de artista, de publicitário, etc.”, aponta o psicanalista e professor do Instituto de Psicologia da USP Christian Dunker.

Com o neoliberalismo, a forma como alguém é percebido passou a ser mais determinante do que o que aquela pessoa efetivamente produz

Segundo Dunker, com o neoliberalismo, ainda antes da internet, a forma como alguém é percebido passou a ser mais determinante do que o que aquela pessoa efetivamente produz. Isso aparece, por exemplo, no processo de financeirização das marcas, em que a marca de uma companhia vale mais que todo o seu patrimônio líquido. É uma mutação da distribuição da riqueza que se estendeu, ao longo dos anos, às pessoas. “Você precisa ou quer ser famoso porque a fama abre sua carreira. Ela facilita que seja alguém que hoje em dia está sujeito ao controle social.”

Terra sem lei

Lentamente, a profissão de influenciador digital começa a ganhar contornos mais institucionais mundo afora. Na Alemanha, já há um sindicato voltado a Youtubers. Na França, foi aprovada uma lei para regular a produção de conteúdo por influenciadores mirins. “Isso é outra problemática, porque já temos recém-nascidos com milhões de seguidores”, pontua Issaaf.

Influenciadores sofrem grotescamente. Você acha que manda no público, e quem manda é o algoritmo. Isso destrói vidas

No geral, contudo, as redes sociais ainda são uma terra sem lei. Se por um lado a internet permitiu a democratização da produção de conteúdos, por outro, a falta de regras pode levar a conflitos éticos e a propagação de desinformação. “Acho que tem um lado que é muito perigoso: tem o cara que bate na mulher e ganha 120 mil seguidores; tem os charlatões que viralizam, como os gurus da alimentação que vendem soluções para emagrecer. É um universo muito sem regra”, aponta Juliana Gomes.

De acordo com Issaaf, a problemática nasce justamente por ser um mercado que começa fora do paradigma da expertise. “Quando se é amador, não se reconhece os limites da própria atuação. Um arquiteto sabe até onde pode ir, e quando precisa chamar um engenheiro. O influenciador digital não tem esse limite. E isso eu costumo creditar um pouco ao fato de que a gente demorou muito para reconhecer que ali tem uma profissão”, avalia.

Dunker atenta, ainda, para o sofrimento dos próprios influenciadores diante da falta de transparência. “Eu sei, pela experiência clínica, que youtubers e influenciadores sofrem grotescamente, porque você acha que está mandando no seu público, e quem está mandando é seu algoritmo. Você começa a brigar com seu algoritmo, que você não sabe qual é, e isso destrói muitas vidas”, afirma.

Como atrair seguidores e influenciar pessoas, Gama Revista

No início de agosto, o youtuber Felipe Neto foi vacinado contra a Covid-19. E decidiu registrar num vídeo toda a jornada até que a agulha que levava o imunizante penetrasse seu braço. Em sua página, é possível assistir ao influencer fazendo dancinhas de felicidade, sorrindo, mostrando a sala nova de sua casa e andando de carro até o posto de saúde, tudo isso enquanto fala para seus seguidores a importância da vacinação.

Segundo o especialista em linguagem não verbal David Leucas (@cluelab), o vídeo é um exemplo de uma pessoa que consegue transformar a vida cotidiana em entretenimento com naturalidade e, quando dissecado, dá a receita de como influenciar pessoas. Com um roteiro por trás dessas imagens, todas as emoções apresentadas são bem calculadas e alinhadas com o storytelling. “Quando ele está indo tomar vacina, sorrindo e dançando, são sentimentos que parecem genuínos. Ao mesmo tempo, também há emoções colocadas ali para tornar o momento mais interessante do que de fato é”, aponta Leucas.

Nós tendemos a acreditar mais em uma pessoa quando ela demonstra emoção ao falar

Segundo ele, o grande trunfo do youtuber, que tem 42,7 milhões de inscritos em seu canal, é a congruência. “Se ele vai falar algo alegre ou descontraído, sorri, gesticula e tem um tom de voz adequado, tudo seguindo numa mesma direção. Quando fala sério, a expressão corporal vira uma chave. Os ombros ficam mais fechados, a expressão facial assume um tom mais grave, um olhar fixo de seriedade”, diz o especialista, para quem Neto controla sinais não verbais de maneira eficiente para mostrar a intenção e a emoção adequadas a cada mensagem.

Embora não gesticule muito em seus vídeos, para o especialista, o youtuber usa as expressões faciais e o olhar em direção à câmera para parecer estar falando diretamente com seus seguidores, um dos segredos para seu sucesso. Em determinado momento, Neto se mostra emocionado por rever seu público nas ruas. Nós tendemos a acreditar mais em uma pessoa quando ela demonstra emoção ao falar, diz Leucas.

Exemplo a não seguir

Em outro caso relacionado à Covid-19, a ex-BBB Sarah Andrade postou recentemente uma série de stories para tentar reverter um cancelamento por ainda não ter se vacinado. “Eu não ia expor minha vacinação, assim como não exponho tanta coisa por aqui, porque já imaginava que vocês iam ironizar”, disse a influenciadora antes de contar por que não tivera ainda oportunidade de se vacinar — ela acabou recebendo a imunização pouco após a polêmica.

Dois dos erros graves são o não planejamento e a falta de autoconhecimento

Para David, os vídeos poderiam ser usados num tutorial de como não fazer uma retratação e como não engajar seu público. Dois dos erros mais graves cometidos pela influenciadora seriam o não planejamento e a falta de autoconhecimento.“Ela convida as pessoas a acompanharem sua vida, mas demonstra não saber lidar com os seguidores quando eles se posicionam sobre algo com que não concordam”, afirma David.

O especialista supõe que o vídeo tenha sido feito no calor de uma emoção negativa, fruto de pouca reflexão. Os stories incluem ainda, segundo ele, momentos de raiva, com velocidade de fala alterada, um tom de voz mais agudo e expressões de desprezo, tudo isso direcionado ao público. Apresentar emoções positivas sobre a vacina teria sido muito mais eficiente para reverter a impressão negativa anterior, aponta o profissional.

O rosto mostra o que o coração esconde

Expressões faciais, gestos, o ambiente ao redor e as vestimentas, entre inúmeros outros aspectos que integram a comunicação não verbal, são detalhes que podem ditar se um palestrante passa confiança ou não para o público, explica David. Nem sempre somos capazes de identificar esses sinais, mas percebemos que algo não se encaixa com o discurso que está sendo construído.

Nos cursos que ministra, o especialista em comunicação não verbal ajuda os alunos a trabalhar a comunicação de forma total, para que o corpo entregue a mensagem na mesma sintonia que a fala. “Se for um discurso de acolhimento ou motivação, é preciso usar palavras que passem isso. O mesmo vale para a comunicação corporal.”

Se for um discurso de acolhimento ou motivação, é preciso usar palavras que passem isso. O mesmo vale para a comunicação corporal

Fingir determinadas emoções para comover o público, por exemplo, é uma estratégia arriscada porque nosso rosto costuma ser o espelho do cérebro. Ou seja, se sentimos uma emoção contrária ao que queremos passar, há chances de ela se manifestar de alguma forma.

Após a morte do apresentador Gugu em 2019, Rodrigo Faro foi criticado nas redes por demonstrar uma tristeza e um choro supostamente fingidos durante seu programa “Hora do Faro” — algo que teria sido corroborado por um questionamento de Faro sobre a audiência do programa, quando pensava estar fora do ar. Em outro caso que virou meme instantâneo, a ex-BBB Mari Gonzalez aparenta não conseguir esconder uma reação de nojo ao provar um suco para uma ação publicitária. Algo que não se encaixa com o “Hmmm, muito gostoso” que ela solta para a câmera.

Por uma comunicação mais realista

Para David, o que costuma gerar mais desconforto no interlocutor é quando o indivíduo tenta forjar algo que não é. “Muitas vezes a pessoa dá uma opinião que acha que vai engajar, buscando as emoções e o algoritmo, mas as opiniões emocionais são outras. Por mais que você não seja um especialista, aquilo gera uma confusão, um desconforto.”

Não existe fórmula ou uma única maneira certa de se comunicar, afirma o especialista. Só porque um vídeo é muito bem produzido, não significa que ele vai gerar engajamento. Tudo depende do contexto e do público. Numa fala mais profissional ou institucional, o uso de humor pode soar deslocado. Um influencer que fala sobre bares e restaurantes, por outro lado, provavelmente vai usar uma linguagem verbal e corporal mais despojada.

Embora não existam regras, há algumas orientações gerais. No YouTube, por exemplo, o público prefere vídeos em que seja possível visualizar as mãos do interlocutor. “A imagem do comunicador se constrói peça a peça. É preciso fazer o que for possível para que a comunicação pareça realista.”

Conteúdo na veia

Tem que ter conteúdo. E não se trata só de uma frase clichê sobre o vazio dos nossos tempos, mas de um dos principais conselhos que a especialista em marketing digital Priscilla Azevedo (@soupriazevedo), que ensina novatos a criar perfis de sucesso no Instagram, dá aos alunos.

Gerar bom conteúdo não significa só fazer posts ou stories bem construídos. É necessário ter clareza e coerência ao longo de todo o perfil

Um conteúdo que se destaque e faça as pessoas quererem interagir com seu perfil, segundo a profissional, é o maior passo na caminhada para gerar engajamento, uma das palavras-chave para se dar bem na rede social. “Quanto mais engajamento, mais o algoritmo do Instagram vai entender que aquele é um conteúdo de valor. Assim, ele vai passar a ser entregue a um público cada vez maior.”

Mas gerar bom conteúdo não significa só fazer posts ou stories bem construídos, com ideias interessantes. É necessário ter clareza e coerência ao longo de todo o perfil. Funciona mais ou menos como entrar em uma loja de sapatos, diz Priscilla. Todas as explicações, formatos e sinais devem estar alinhados para indicar que o que você vai encontrar ali são calçados, e não, digamos, um cardápio com opções variadas de sushis, sashimis e temakis.

Portanto, da descrição do perfil até as imagens que ilustram boa parte dos posts, devem ficar muito claros os objetivos e os assuntos que serão tratados. É bom também pensar logo de cara em um diferencial que coloque seu perfil numa posição de destaque em relação ao mar de pessoas que caçam engajamento na rede social. E tentar não abraçar mais do que você aguenta. “Se você fala para todo mundo, na verdade não está falando para ninguém”, adverte a especialista.

O plano de batalha

Um dos maiores riscos que corre um influencer de primeira viagem é cansar muito rapidamente seu público. Quer dizer, se os stories tivessem sido criados para conter um longo documentário sobre a sua vida, não estariam resumidos a somente 15 segundos cada um.

No início, diz Priscilla, é necessário ser técnico, estudioso e testar tudo antes de mergulhar de cabeça num modelo para o seu perfil. O ideal é fazer experimentos prévios para entender qual formato funciona melhor para o público que você quer alcançar, que horários geram maior engajamento e quais hashtags são mais eficientes, entre vários outros fatores.

Vídeos são uma aposta cada vez mais essencial das redes e costumam gerar mais engajamento que outros tipos de conteúdo. Portanto, não adianta fazer birra e se recusar a produzi-los, na visão da especialista. “Não precisa aparecer sempre nos vídeos, e não é para todo mundo que dá certo fazer dancinhas ou dublagens. Pode ser um vídeo com uma sequência de fotos, por exemplo. Mas é preciso ter em mente que hoje esse é o formato que engaja mais.”

Afinal, a palavra

Comunicação é uma questão de criar uma conexão com as pessoas, aponta a especialista em comunicação verbal Eunice Mendes (@eunicenmendes), que dá aulas para executivos. É preciso ser claro, sem ir e voltar no mesmo assunto. A boa fala tem foco e sabe exatamente aonde quer chegar.

Tudo isso vale também para a comunicação nas redes sociais, mas ali a ausência de um interlocutor claro complica um pouco o cálculo. “O que eu procuro fazer é me concentrar no que devo dizer. Se for gravar um vídeo, treine bastante antes e imagine que atrás da câmera existem centenas de pessoas que precisam daquela informação.” Além disso, anotar os principais pontos da sua fala pode ajudar quem está começando.

Por estar falando com um público amplo e invisível, o ritmo é fator essencial. Não pode ser nem rápido nem devagar demais. A especialista sugere treinar antes com outra pessoa. Fora das redes, aliás, o treino é permanente, desde o exercício cotidiano da empatia até uma melhora do vocabulário com leituras constantes e de qualidade. “É preciso testar a competência comunicativa o tempo todo”, afirma Eunice.

Toda comunicação é um presente: ao final, embrulhe o pacote com um laço bem bonito, que faça com que a pessoa não pense que perdeu tempo

Em qualquer ambiente, vícios físicos, como mexer no cabelo ou alisar a barba, podem dar a impressão de que você está distraído e devem ser evitados a todo custo. Já os de linguagem, como o constante uso da palavra “tipo”, atrapalham a objetividade do discurso, prejudicam o ritmo da mensagem e também devem ser trabalhados.

Um dos principais segredos de um bom discurso é pensar com antecedência em como concluir o que você tem a dizer. “Ao final, embrulhe o pacote com um laço bem bonito, que faça com que a pessoa pense que não perdeu seu tempo. Toda comunicação é um presente, e é preciso sempre saber como embrulhá-lo.”

Influenciadora por sugestão

“Hoje eu dei uma entrevista. Fui convidada a falar sobre influência digital”, revelou em seus stories no Instagram a influenciadora Ludmilla Botelho (@ludbotelho), pouco após conversar com Gama, prometendo compartilhar a matéria com os seguidores assim que fosse publicada. Presente há mais de um ano nesse universo, a mineira de 35 anos já vinha sendo incentivada havia algum tempo pelas amigas a virar influenciadora no Instagram. Formada em publicidade e propaganda, o que faltava a ela era a coragem de se expor aos olhos e às críticas do público. Mas a pandemia acabou quebrando essa barreira.

A mãe de três crianças abriu seu perfil para o público geral em junho de 2020, pensando em se tornar influencer de maternidade. “Da minha turma, sou a única que tem três filhos, então estou sempre respondendo amigas que me pedem dicas.” Em pouco tempo, no entanto, seu interesse e o engajamento na rede acabaram convergindo para outro assunto: a moda. “Sempre gostei de me vestir bem”, conta Lud, como é conhecida na rede.

Mas a falta de experiência profissional no ramo acabou pesando. Ser influencer não era só tirar foto e fazer vídeo. Para conseguir um help, ela procurou a agência de comunicação Popcomm, especializada em influencers. “Desde o início, soube que precisava dessa ajuda. Hoje, as meninas [da agência] me ajudam a ter um feed mais profissional e fazer o contato com as marcas.”

As regras de ouro para o sucesso

Criadora da Popcomm, a também influenciadora e empresária Lelê Saddi (@lelesaddi) lançou neste ano a plataforma de cursos online Pop Educ, onde ministra aulas sobre como ser um influencer de sucesso. Desde que a atividade se firmou no mundo profissional, a oferta de cursos como esse se tornou cada vez mais comum para todos os lados.

No caso das aulas oferecidas por Lelê, há quatro pilares importantes que, segundo ela, devem servir como mantra para todo influenciador. O primeiro é ser sempre você mesmo — “essa coisa de criar personagem não rola”, explica a empresária. Além disso, é preciso saber escolher um tipo de conteúdo com o qual se sinta confortável e que agregue algo para o público. Estar próximo e acessível para os seguidores é outra sugestão de ouro. E, finalmente, há a frequência, que deve ser constante. “Para construir relevância e engajamento, tem que estar lá todos os dias produzindo conteúdo”, aponta Lelê, que soma mais de 400 mil seguidores em seu perfil, onde dá dicas de moda, cultura e faz publis.

Antigamente, as pessoas chegavam cansadas do trabalho e iam ver a novela. Hoje, vão assistir stories no Instagram

Uma das maiores dúvidas para quem está começando, segundo ela, está justamente no contato com as marcas, outro tema abordado nas aulas. Nesse caso, ter poucos seguidores não é necessariamente uma barreira para fechar contratos. Muitas empresas buscam microinfluenciadores regionais para atingir um grupo ou local específico que esteja em seu radar. “Temos uma influencer com 4 mil seguidores que muitas vezes tem uma performance melhor em vendas que alguns dos grandes, que têm público de milhões. Hoje estamos quebrando essa barreira.”

Com pouco mais de 5 mil seguidores, Lud Botelho cai na categoria de nanoinfluenciadora. Por seus posts e stories, desfilam marcas de roupas, de decoração e clínicas de estética. Ela conta, no entanto, estar sempre preocupada em não fazer propaganda de produtos que não combinem com seu estilo. “Fica nítido quando você usa alguma marca que não tem a ver com você”, explica Lud, que teve como uma das inspirações a influencer de moda Silvia Braz.

Algumas das principais reclamações que recebe hoje de seus seguidores são sobre não compartilhar muito de sua rotina e intimidade na rede social. Mas ela diz já estar trabalhando nisso. Em breve, deve se abrir mais sobre sua vida particular. “Antigamente, as pessoas chegavam cansadas do trabalho e iam ver a novela. Hoje, vão assistir stories no Instagram”, reflete Lud.