No início de agosto, o youtuber Felipe Neto foi vacinado contra a Covid-19. E decidiu registrar num vídeo toda a jornada até que a agulha que levava o imunizante penetrasse seu braço. Em sua página, é possível assistir ao influencer fazendo dancinhas de felicidade, sorrindo, mostrando a sala nova de sua casa e andando de carro até o posto de saúde, tudo isso enquanto fala para seus seguidores a importância da vacinação.
Segundo o especialista em linguagem não verbal David Leucas (@cluelab), o vídeo é um exemplo de uma pessoa que consegue transformar a vida cotidiana em entretenimento com naturalidade e, quando dissecado, dá a receita de como influenciar pessoas. Com um roteiro por trás dessas imagens, todas as emoções apresentadas são bem calculadas e alinhadas com o storytelling. “Quando ele está indo tomar vacina, sorrindo e dançando, são sentimentos que parecem genuínos. Ao mesmo tempo, também há emoções colocadas ali para tornar o momento mais interessante do que de fato é”, aponta Leucas.
Nós tendemos a acreditar mais em uma pessoa quando ela demonstra emoção ao falar
Segundo ele, o grande trunfo do youtuber, que tem 42,7 milhões de inscritos em seu canal, é a congruência. “Se ele vai falar algo alegre ou descontraído, sorri, gesticula e tem um tom de voz adequado, tudo seguindo numa mesma direção. Quando fala sério, a expressão corporal vira uma chave. Os ombros ficam mais fechados, a expressão facial assume um tom mais grave, um olhar fixo de seriedade”, diz o especialista, para quem Neto controla sinais não verbais de maneira eficiente para mostrar a intenção e a emoção adequadas a cada mensagem.
Embora não gesticule muito em seus vídeos, para o especialista, o youtuber usa as expressões faciais e o olhar em direção à câmera para parecer estar falando diretamente com seus seguidores, um dos segredos para seu sucesso. Em determinado momento, Neto se mostra emocionado por rever seu público nas ruas. Nós tendemos a acreditar mais em uma pessoa quando ela demonstra emoção ao falar, diz Leucas.
Exemplo a não seguir
Em outro caso relacionado à Covid-19, a ex-BBB Sarah Andrade postou recentemente uma série de stories para tentar reverter um cancelamento por ainda não ter se vacinado. “Eu não ia expor minha vacinação, assim como não exponho tanta coisa por aqui, porque já imaginava que vocês iam ironizar”, disse a influenciadora antes de contar por que não tivera ainda oportunidade de se vacinar — ela acabou recebendo a imunização pouco após a polêmica.
Dois dos erros graves são o não planejamento e a falta de autoconhecimento
Para David, os vídeos poderiam ser usados num tutorial de como não fazer uma retratação e como não engajar seu público. Dois dos erros mais graves cometidos pela influenciadora seriam o não planejamento e a falta de autoconhecimento.“Ela convida as pessoas a acompanharem sua vida, mas demonstra não saber lidar com os seguidores quando eles se posicionam sobre algo com que não concordam”, afirma David.
O especialista supõe que o vídeo tenha sido feito no calor de uma emoção negativa, fruto de pouca reflexão. Os stories incluem ainda, segundo ele, momentos de raiva, com velocidade de fala alterada, um tom de voz mais agudo e expressões de desprezo, tudo isso direcionado ao público. Apresentar emoções positivas sobre a vacina teria sido muito mais eficiente para reverter a impressão negativa anterior, aponta o profissional.
O rosto mostra o que o coração esconde
Expressões faciais, gestos, o ambiente ao redor e as vestimentas, entre inúmeros outros aspectos que integram a comunicação não verbal, são detalhes que podem ditar se um palestrante passa confiança ou não para o público, explica David. Nem sempre somos capazes de identificar esses sinais, mas percebemos que algo não se encaixa com o discurso que está sendo construído.
Nos cursos que ministra, o especialista em comunicação não verbal ajuda os alunos a trabalhar a comunicação de forma total, para que o corpo entregue a mensagem na mesma sintonia que a fala. “Se for um discurso de acolhimento ou motivação, é preciso usar palavras que passem isso. O mesmo vale para a comunicação corporal.”
Se for um discurso de acolhimento ou motivação, é preciso usar palavras que passem isso. O mesmo vale para a comunicação corporal
Fingir determinadas emoções para comover o público, por exemplo, é uma estratégia arriscada porque nosso rosto costuma ser o espelho do cérebro. Ou seja, se sentimos uma emoção contrária ao que queremos passar, há chances de ela se manifestar de alguma forma.
Após a morte do apresentador Gugu em 2019, Rodrigo Faro foi criticado nas redes por demonstrar uma tristeza e um choro supostamente fingidos durante seu programa “Hora do Faro” — algo que teria sido corroborado por um questionamento de Faro sobre a audiência do programa, quando pensava estar fora do ar. Em outro caso que virou meme instantâneo, a ex-BBB Mari Gonzalez aparenta não conseguir esconder uma reação de nojo ao provar um suco para uma ação publicitária. Algo que não se encaixa com o “Hmmm, muito gostoso” que ela solta para a câmera.
Por uma comunicação mais realista
Para David, o que costuma gerar mais desconforto no interlocutor é quando o indivíduo tenta forjar algo que não é. “Muitas vezes a pessoa dá uma opinião que acha que vai engajar, buscando as emoções e o algoritmo, mas as opiniões emocionais são outras. Por mais que você não seja um especialista, aquilo gera uma confusão, um desconforto.”
Não existe fórmula ou uma única maneira certa de se comunicar, afirma o especialista. Só porque um vídeo é muito bem produzido, não significa que ele vai gerar engajamento. Tudo depende do contexto e do público. Numa fala mais profissional ou institucional, o uso de humor pode soar deslocado. Um influencer que fala sobre bares e restaurantes, por outro lado, provavelmente vai usar uma linguagem verbal e corporal mais despojada.
Embora não existam regras, há algumas orientações gerais. No YouTube, por exemplo, o público prefere vídeos em que seja possível visualizar as mãos do interlocutor. “A imagem do comunicador se constrói peça a peça. É preciso fazer o que for possível para que a comunicação pareça realista.”
Conteúdo na veia
Tem que ter conteúdo. E não se trata só de uma frase clichê sobre o vazio dos nossos tempos, mas de um dos principais conselhos que a especialista em marketing digital Priscilla Azevedo (@soupriazevedo), que ensina novatos a criar perfis de sucesso no Instagram, dá aos alunos.
Gerar bom conteúdo não significa só fazer posts ou stories bem construídos. É necessário ter clareza e coerência ao longo de todo o perfil
Um conteúdo que se destaque e faça as pessoas quererem interagir com seu perfil, segundo a profissional, é o maior passo na caminhada para gerar engajamento, uma das palavras-chave para se dar bem na rede social. “Quanto mais engajamento, mais o algoritmo do Instagram vai entender que aquele é um conteúdo de valor. Assim, ele vai passar a ser entregue a um público cada vez maior.”
Mas gerar bom conteúdo não significa só fazer posts ou stories bem construídos, com ideias interessantes. É necessário ter clareza e coerência ao longo de todo o perfil. Funciona mais ou menos como entrar em uma loja de sapatos, diz Priscilla. Todas as explicações, formatos e sinais devem estar alinhados para indicar que o que você vai encontrar ali são calçados, e não, digamos, um cardápio com opções variadas de sushis, sashimis e temakis.
Portanto, da descrição do perfil até as imagens que ilustram boa parte dos posts, devem ficar muito claros os objetivos e os assuntos que serão tratados. É bom também pensar logo de cara em um diferencial que coloque seu perfil numa posição de destaque em relação ao mar de pessoas que caçam engajamento na rede social. E tentar não abraçar mais do que você aguenta. “Se você fala para todo mundo, na verdade não está falando para ninguém”, adverte a especialista.
O plano de batalha
Um dos maiores riscos que corre um influencer de primeira viagem é cansar muito rapidamente seu público. Quer dizer, se os stories tivessem sido criados para conter um longo documentário sobre a sua vida, não estariam resumidos a somente 15 segundos cada um.
No início, diz Priscilla, é necessário ser técnico, estudioso e testar tudo antes de mergulhar de cabeça num modelo para o seu perfil. O ideal é fazer experimentos prévios para entender qual formato funciona melhor para o público que você quer alcançar, que horários geram maior engajamento e quais hashtags são mais eficientes, entre vários outros fatores.
Vídeos são uma aposta cada vez mais essencial das redes e costumam gerar mais engajamento que outros tipos de conteúdo. Portanto, não adianta fazer birra e se recusar a produzi-los, na visão da especialista. “Não precisa aparecer sempre nos vídeos, e não é para todo mundo que dá certo fazer dancinhas ou dublagens. Pode ser um vídeo com uma sequência de fotos, por exemplo. Mas é preciso ter em mente que hoje esse é o formato que engaja mais.”
Afinal, a palavra
Comunicação é uma questão de criar uma conexão com as pessoas, aponta a especialista em comunicação verbal Eunice Mendes (@eunicenmendes), que dá aulas para executivos. É preciso ser claro, sem ir e voltar no mesmo assunto. A boa fala tem foco e sabe exatamente aonde quer chegar.
Tudo isso vale também para a comunicação nas redes sociais, mas ali a ausência de um interlocutor claro complica um pouco o cálculo. “O que eu procuro fazer é me concentrar no que devo dizer. Se for gravar um vídeo, treine bastante antes e imagine que atrás da câmera existem centenas de pessoas que precisam daquela informação.” Além disso, anotar os principais pontos da sua fala pode ajudar quem está começando.
Por estar falando com um público amplo e invisível, o ritmo é fator essencial. Não pode ser nem rápido nem devagar demais. A especialista sugere treinar antes com outra pessoa. Fora das redes, aliás, o treino é permanente, desde o exercício cotidiano da empatia até uma melhora do vocabulário com leituras constantes e de qualidade. “É preciso testar a competência comunicativa o tempo todo”, afirma Eunice.
Toda comunicação é um presente: ao final, embrulhe o pacote com um laço bem bonito, que faça com que a pessoa não pense que perdeu tempo
Em qualquer ambiente, vícios físicos, como mexer no cabelo ou alisar a barba, podem dar a impressão de que você está distraído e devem ser evitados a todo custo. Já os de linguagem, como o constante uso da palavra “tipo”, atrapalham a objetividade do discurso, prejudicam o ritmo da mensagem e também devem ser trabalhados.
Um dos principais segredos de um bom discurso é pensar com antecedência em como concluir o que você tem a dizer. “Ao final, embrulhe o pacote com um laço bem bonito, que faça com que a pessoa pense que não perdeu seu tempo. Toda comunicação é um presente, e é preciso sempre saber como embrulhá-lo.”
Influenciadora por sugestão
“Hoje eu dei uma entrevista. Fui convidada a falar sobre influência digital”, revelou em seus stories no Instagram a influenciadora Ludmilla Botelho (@ludbotelho), pouco após conversar com Gama, prometendo compartilhar a matéria com os seguidores assim que fosse publicada. Presente há mais de um ano nesse universo, a mineira de 35 anos já vinha sendo incentivada havia algum tempo pelas amigas a virar influenciadora no Instagram. Formada em publicidade e propaganda, o que faltava a ela era a coragem de se expor aos olhos e às críticas do público. Mas a pandemia acabou quebrando essa barreira.
A mãe de três crianças abriu seu perfil para o público geral em junho de 2020, pensando em se tornar influencer de maternidade. “Da minha turma, sou a única que tem três filhos, então estou sempre respondendo amigas que me pedem dicas.” Em pouco tempo, no entanto, seu interesse e o engajamento na rede acabaram convergindo para outro assunto: a moda. “Sempre gostei de me vestir bem”, conta Lud, como é conhecida na rede.
Mas a falta de experiência profissional no ramo acabou pesando. Ser influencer não era só tirar foto e fazer vídeo. Para conseguir um help, ela procurou a agência de comunicação Popcomm, especializada em influencers. “Desde o início, soube que precisava dessa ajuda. Hoje, as meninas [da agência] me ajudam a ter um feed mais profissional e fazer o contato com as marcas.”
As regras de ouro para o sucesso
Criadora da Popcomm, a também influenciadora e empresária Lelê Saddi (@lelesaddi) lançou neste ano a plataforma de cursos online Pop Educ, onde ministra aulas sobre como ser um influencer de sucesso. Desde que a atividade se firmou no mundo profissional, a oferta de cursos como esse se tornou cada vez mais comum para todos os lados.
No caso das aulas oferecidas por Lelê, há quatro pilares importantes que, segundo ela, devem servir como mantra para todo influenciador. O primeiro é ser sempre você mesmo — “essa coisa de criar personagem não rola”, explica a empresária. Além disso, é preciso saber escolher um tipo de conteúdo com o qual se sinta confortável e que agregue algo para o público. Estar próximo e acessível para os seguidores é outra sugestão de ouro. E, finalmente, há a frequência, que deve ser constante. “Para construir relevância e engajamento, tem que estar lá todos os dias produzindo conteúdo”, aponta Lelê, que soma mais de 400 mil seguidores em seu perfil, onde dá dicas de moda, cultura e faz publis.
Antigamente, as pessoas chegavam cansadas do trabalho e iam ver a novela. Hoje, vão assistir stories no Instagram
Uma das maiores dúvidas para quem está começando, segundo ela, está justamente no contato com as marcas, outro tema abordado nas aulas. Nesse caso, ter poucos seguidores não é necessariamente uma barreira para fechar contratos. Muitas empresas buscam microinfluenciadores regionais para atingir um grupo ou local específico que esteja em seu radar. “Temos uma influencer com 4 mil seguidores que muitas vezes tem uma performance melhor em vendas que alguns dos grandes, que têm público de milhões. Hoje estamos quebrando essa barreira.”
Com pouco mais de 5 mil seguidores, Lud Botelho cai na categoria de nanoinfluenciadora. Por seus posts e stories, desfilam marcas de roupas, de decoração e clínicas de estética. Ela conta, no entanto, estar sempre preocupada em não fazer propaganda de produtos que não combinem com seu estilo. “Fica nítido quando você usa alguma marca que não tem a ver com você”, explica Lud, que teve como uma das inspirações a influencer de moda Silvia Braz.
Algumas das principais reclamações que recebe hoje de seus seguidores são sobre não compartilhar muito de sua rotina e intimidade na rede social. Mas ela diz já estar trabalhando nisso. Em breve, deve se abrir mais sobre sua vida particular. “Antigamente, as pessoas chegavam cansadas do trabalho e iam ver a novela. Hoje, vão assistir stories no Instagram”, reflete Lud.
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