terça-feira, 17 de agosto de 2021

IR: Lira fracassa pela 3ª vez e votação é adiada; para ala da Economia, projeto 'já não se paga', OESP

 BRASÍLIA Pela terceira vez, a reforma do Imposto de Renda foi retirada do debate do plenário da Câmara, após mobilização de líderes do centro, oposição e até do governo preocupados com o impacto do texto do deputado Celso Sabino (PSDB-PA) para Estados e municípios. Um pedido de retirada de pauta foi aprovado por 399 a favor do adiamento contra 99.

Arthur Lira e Paulo Guedes
Arthur Lir, presidente da Câmara, e Paulo Guedes, ministro da Economia de Jair Bolsonaro Foto: Gabriela Biló/Estadão

“Na dúvida, se há ou não perda para os municípios, nós vamos concordar com a fala do deputado Marcelo Freixo (PSOL-RJ) e a oposição que pediram mais tempo para estudar o texto”, disse o líder do governo Ricardo Barros (PP-PR).

O presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), voltou a dizer que é impossível se chegar a um consenso sobre o tema e que queria votar o texto principal da reforma nesta terça-feira, 17, e deixar os destaques – pedidos de alteração ao texto – para depois. “Não há interesse em causar prejuízos para Estados e municípios”, afirmou Lira. “Consenso sobre esse tema nesse plenário é impossível. Precisamos separar o que é política do que é justo para o Brasil”.

As concessões sinalizadas pelo governo para destravar a votação do projeto do Imposto de Renda estão saindo caro na avaliação de integrantes da ala mais fiscalista do Ministério da Economia. Nas palavras de um integrante da equipe, "a reforma já não se paga há muito tempo". Outra fonte chega a celebrar a "disputa" por benesses porque, em meio à briga, nada é votado e tudo fica como está hoje, sem maiores catástrofes para as contas da União.

Esse é o clima nos bastidores da pasta após uma série de acordos para tentar atenuar a oposição de empresas e, mais recentemente, angariar apoio de municípios ao projeto. Como mostrou o Estadão/Broadcast, o presidente da Confederação Nacional dos Municípios (CNM)Paulo Ziulkoski, diz ter acertado com a equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, a ampliação dos repasses às prefeituras em R$ 6,5 bilhões ao ano em troca do apoio da entidade à proposta do IR.

A notícia do acerto com as prefeituras deflagrou uma corrida entre os Estados, que dobraram a aposta e agora querem também emplacar um aumento do Fundo de Participação dos Estados (FPE), drenando mais receitas da União, caso não haja mudanças no relatório do Imposto de Renda para conter as perdas aos cofres estaduais. A fatura adicional com FPE pode ir a R$ 11,28 bilhões.

O andar das negociações expõe mais uma vez a existência de dois grupos dentro do Ministério da Economia, um formado por técnicos fiéis às regras e à estabilidade fiscal e outro disposto a fazer concessões em prol da negociação política.

Essa divisão já havia sido evidenciada nas articulações para a votação do Orçamento de 2021, quando a equipe de Guedes emitiu sinais de que era possível acomodar até R$ 16,5 bilhões em emendas parlamentares com cortes em outras despesas, inclusive obrigatórias. A negociação degringolou para a maquiagem de gastos e emendas de congressistas turbinadas a R$ 31,3 bilhões, posteriormente reduzidas com um veto parcial do presidente Jair Bolsonaro.

Segundo apurou o Estadão/Broadcast, as negociações com o Congresso têm sido conduzidas pelo gabinete do ministro Paulo Guedes e seus auxiliares mais próximos. As demais áreas, por sua vez, fazem a conta da fatura - e acham caro, muitas vezes "caríssimo".

De acordo com uma fonte, os acertos com os municípios são fiscalmente danosos à União, potencializados por eventual investida semelhante dos Estados. Outro técnico afirma que ceder nos fundos de participação de Estados e municípios é "péssimo". Por outro lado, esse interlocutor afirma que o ingresso dos governadores na disputa por recursos tem um lado "positivo", pois quanto mais gente brigando, "mais difícil aprovar".

O projeto do IR foi enviado ao Congresso como promessa de simplificação dos tributos, mas também em cumprimento a uma promessa de campanha do presidente Jair Bolsonaro: ampliar a faixa de isenção do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF). Se aprovado, o "alívio" no bolso dos contribuintes entra em vigor em 2022, ano eleitoral. Para compensar a perda de receitas, o texto também incluiu a tributação de dividendos distribuídos à pessoa física, medida que tem sido fortemente combatida por empresários e profissionais como advogados, médicos e outros que atuam como pessoa jurídica. A resistência já surtiu efeito e levou a flexibilizações no texto que podem deixar R$ 200 bilhões fora da mira da tributação, como mostrou o Estadão.

Nos bastidores, o rumo das negociações do projeto do IR está sendo descrito como "várzea". Há quem compare com o observado no projeto de privatização da Eletrobras, aprovado repleto de "jabutis" (matérias estranhas ao texto), e na PEC emergencial, quando o governo precisou arcar com uma fatura de R$ 16,5 bilhões em emendas (originando o impasse do Orçamento de 2021) em troca da proposta que alterou regras fiscais.

Nessas votações, o que ficou evidente foi o alto preço que o governo do presidente Jair Bolsonaro tem precisado pagar para fazer avançar sua agenda no Congresso Nacional. Mesmo após ceder verbas e cargos nos mais variados escalões do governo para indicados do Centrão, o governo precisou negociar no varejo os votos de que precisa para suas propostas, abrindo mão de recursos ou se comprometendo com benesses futuras.

Em tempos de faturas salgadas apresentadas pelo Congresso Nacional para aprovar as medidas econômicas, o governo enviou uma PEC para permitir o parcelamento de dívidas judiciais (precatórios) e criar um fundo fora do teto de gastos (a regra que limita o avanço das despesas à inflação) para antecipar o pagamento dos débitos parcelados. Reservadamente, integrantes da equipe econômica reconhecem que será um esforço e tanto "segurar" as pressões para flexibilizar ainda mais o teto.

Câmara aprova reforma eleitoral em segundo turno e texto segue para o Senado, OESP

 Camila Turtelli e André Shalders, O Estado de S.Paulo

17 de agosto de 2021 | 21h26

BRASÍLIA – A Câmara aprovou em segundo turno nesta terça-feira, 17, a proposta de emenda à Constituição (PEC) da reforma eleitoral. O texto traz de volta as coligações entre partidos nas disputas proporcionais e restringe o alcance de decisões do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sobre as eleições. O texto segue agora para o Senado, onde também precisará ser aprovado em dois turnos e deve encontrar resistências. 

A PEC foi aprovada em segundo turno por 347 votos contra 135. Foram três abstenções. Não houve até o momento mudanças no texto em relação ao que foi aprovado na semana passada, e neste momento os deputados votam os 11 destaques feitos ao texto. As coligações proporcionais foram extintas pelo Congresso em 2017, e as eleições de vereadores em 2020 foram as únicas realizadas sob a vigência da regra. 

Plenário da Câmara
O plenário da Câmara dos Deputados, em Brasília. Foto: André Dusek/Estadão

A volta das coligações é fruto de um acordo entre deputados governistas e os principais partidos de oposição, principalmente o PT, ainda no primeiro turno. No acordo, o “distritão”, que até então era o mote da proposta, foi excluído do texto em troca do retorno das coligações. 

A reforma aprovada pela Câmara atende aos interesses dos pequenos partidos e deverá frear a queda na fragmentação do sistema político -- o fim das coligações proporcionais tinha por objetivo diminuir o número de siglas. Com a volta das coligações, a tendência é que o país continue tendo um grande número de legendas com representação no Congresso, inclusive aquelas sem linha ideológica clara.

"A volta das coligações é legítima, é o direito que você tem de coligar com outro partido da mesma ideologia. E quem tem que resolver (...) o modelo eleitoral do Brasil é o Congresso Nacional brasileiro, não é o TSE (Tribunal Superior Eleitoral). Eu já ouvi falar que o ministro (Luís Roberto) Barroso (presidente do TSE) não aceita as coligações. O ministro Barroso não manda no Parlamento brasileiro. O TSE tem que acatar a decisão do Congresso Nacional brasileiro, que quer a volta das coligações", disse o deputado José Nelto (Podemos-GO), vice-líder do partido. 

"Eu sempre fui contra as coligações proporcionais. Sempre fui e continuo sendo. Não acho que é o melhor caminho. Mas eu participei de uma negociação política efetiva, onde aqueles que queriam apoiar o 'Distritão' abriram mão deste embate, para manter o sistema proporcional. E neste acordo nós assumimos (...) a ética do mal menor, que é a volta das coligações", disse o deputado Henrique Fontana (PT-RS), que foi o relator de uma reforma política anterior aprovada pelo Congresso.

Além disso, a proposta limita a atuação do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e até do Supremo Tribunal Federal (STF) no processo eleitoral, a partir das disputas de 2022. Caso essa versão seja mantida, qualquer decisão das duas Cortes só poderá começar a valer se tiver sido aprovada um ano antes das eleições, respeitando a regra da anualidade.

Se essa norma estivesse em vigor em 2020, a reserva de recursos do Fundo Eleitoral e do horário de propaganda no rádio e na TV para candidatos negros não teria valido nas eleições municipais daquele ano, por exemplo. Em setembro de 2020, o ministro do STF Ricardo Lewandowski decidiu que a regra deveria valer para as eleições municipais ocorridas em 15 de novembro. O plenário do tribunal manteve o entendimento, apesar dos protestos dos partidos.

Duda Mendonça trincou imagem de honestidade do PT com depoimento-bomba a CPI em 2005, FSP

 


SÃO PAULO

Comissões Parlamentares de Inquérito são ricas em depoimentos-bomba, mas nunca houve algo parecido à fala de quase dez horas do publicitário Duda Mendonça à CPI dos Correios, em 11 de agosto de 2005.

A começar pela própria surpresa com a aparição de Duda, morto nesta segunda-feira (16) aos 77 anos e que pegou aquela comissão desprevenida. Apenas sua sócia, Zilmar da Silveira, era aguardada, mas o responsável por eleger o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) apareceu querendo ser ouvido.

O publicitário Duda Mendonça e sua então sócia, Zilmar Fernandes da Silveira, durante depoimento à CPI dos Correios, em agosto de 2005 - Lula Marques - 11.ago.2005/Folhapress

Ele havia passado a noite em claro, na sede da Polícia Federal em Salvador (BA), antes de embarcar de manhã em um jato para Brasília praticamente emendando um depoimento no outro. O que o extenuado Duda revelou deixou o PT insone durante muito tempo.

O marqueteiro disse ter recebido R$ 15,5 milhões do partido (R$ 36,3 milhões em valores atualizados) sem emitir nota fiscal, por serviços prestados para diversas campanhas petistas em 2002.

A revelação já seria explosiva, mas Duda fez dois adendos que a tornaram ainda mais impactante. O primeiro, que a maior parte desses recursos (R$ 11,9 milhões) foi repassada não pelos canais oficiais do PT, mas por uma figura estranha ao partido, o publicitário Marcos Valério de Souza.

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Como se não bastasse, R$ 10,5 milhões desse montante haviam sido depositados no exterior, em uma offshore nas Bahamas. Zilmar, em seu próprio depoimento, complementou que R$ 300 mil haviam sido recebidos em dinheiro vivo, dentro de um pacote sacado em uma agência do Banco Rural.

“Esse dinheiro era claramente de caixa dois, a gente não é bobo. Nós sabíamos, mas não tínhamos outra opção, queríamos receber”, declarou Duda, num dos pontos mais fortes de seu depoimento.

Lula entre seu assessor José Graziano (à esq.) e seu marqueteiro, Duda Mendonça (à dir.), durante o primeiro debate dos candidatos à Presidência em 2002, promovido pela TV Bandeirantes - Jorge Araújo - 4.ago.2002/Folhapress

A real motivação de Duda para o sincericídio nunca esteve totalmente clara.

Da boca para a fora, ele dizia que queria tirar um peso das costas e seguir com sua até ali bem-sucedida carreira de publicitário, que havia conseguido duas vezes levar à vitória políticos tidos como “inelegíveis”: o ex-prefeito paulistano Paulo Maluf e o próprio Lula.

Nos bastidores, no entanto, a história contada pelo marqueteiro era mais pragmática: ele vinha sendo chantageado por Marcos Valério e resolveu se antecipar antes que a bomba estourasse no seu colo.

As consequências das revelações de Duda forma múltiplas, sendo algumas instantâneas e outras de longo prazo.

De forma imediata, o publicitário apagou as últimas brasas de dúvida que o PT tentava manter acesas sobre a credibilidade do então deputado federal Roberto Jefferson, quando revelou à Folha o esquema do mensalão.

Era difícil, afinal, arrumar uma fonte mais fidedigna do que o criador do “Lulinha paz e amor” da campanha de 2002, embora ele tenha isentado o presidente de responsabilidade pessoal no caso.

Minutos depois das declarações do publicitário, alguns deputados federais petistas se reuniram no plenário da Câmara perplexos. Alguns deles choraram abertamente.

“O sincericídio do Duda o aliviou na CPI e na Justiça, mas nos chocou e matou nosso ânimo petista de então”, diz Chico Alencar, que aparece numa imagem na Folha no dia seguinte chorando. Ele logo deixaria o PT rumo ao PSOL, junto com outros parlamentares do partido decepcionados com as revelações.

O então deputado federal petista Chico Alencar leva mãos ao rosto enquanto chora em plenário da Câmara dos Deputados depois de saber das declarações de Duda Mendonça
O então deputado federal petista Chico Alencar leva mãos ao rosto enquanto chora em plenário da Câmara dos Deputados depois de saber das declarações de Duda Mendonça - Aílton de Freitas - 11.ago.2005/Agência O Globo

O depoimento obrigou Lula a finalmente ir a público se explicar, o que ele fez no dia seguinte, no início de uma reunião ministerial de emergência. “Eu não tenho nenhuma vergonha de dizer ao povo brasileiro que nós temos que pedir desculpas”, afirmou o então presidente.

O mea culpa hoje pode parecer extraordinário, mas à época foi considerado tímido, inclusive por aliados. O então presidente do PT, Tarso Genro, chamou-o de “insuficiente”.

Pela primeira vez, Lula parecia vulnerável a ponto de a discussão sobre a abertura de um processo de impeachment se tornar não uma questão de “se”, mas de “quando”.

Mesmo que sobrevivesse no cargo, o petista não teria chance de se reeleger em 2006, conforme o senso comum da época.

Publicada no dia seguinte ao depoimento de Duda, embora ainda sem medir seu impacto, uma pesquisa Datafolha apontou pela primeira vez derrota dele em segundo turno para o tucano José Serra (PSDB), por 48% a 39%.

Mas, nos dias seguinte, a oposição vacilaria em levar adiante o impeachment, temendo a reação das bases petistas, o que acabou dando fôlego para o presidente se recuperar.

O erro político naquele momento hoje colabora para que os adversários de Jair Bolsonaro insistam em levar adiante um processo de afastamento contra o presidente, outro legado, ainda que indireto, da fala de Duda.

Mas a maior consequência de longo prazo foi sem dúvida a mudança definitiva da imagem do PT, para ser considerado um partido “normal”, ao menos no quesito corrupção.

Curiosamente, o próprio marqueteiro havia colaborado para que a legenda se apresentasse como paladina neste campo, numa famosa propaganda de TV do PT em que ratos roíam a bandeira brasileira.

Após Duda, dirigentes petistas caíram em desgraça, e a eclosão do petrolão, uma década mais tarde, foi largamente vista como um desdobramento natural do mensalão. No meio do caminho, houve outros escândalos, como os que derrubaram o então todo-poderoso da economia, Antônio Palocci.

Dali por diante, o PT sempre teve dificuldade para fazer da honestidade um item principal de campanha, como vinha repetindo desde sua fundação, em 1980.

“Prefiro dizer o que sei e ir dormir. Hoje eu vou dormir”, afirmou o publicitário, em determinado momento de seu longo testemunho, dizendo-se mais leve. Já o PT segue tendo pesadelos até hoje, 16 anos depois.