segunda-feira, 16 de agosto de 2021

Derrotada em 2018, velha guarda do PSDB ensaia retorno às urnas em 2022, FSP

 Três anos depois da eleição marcada pelo fenômeno da antipolítica e pela onda bolsonarista que ocupou o espaço da oposição ao PT, nomes da velha guarda do PSDB derrotados nas urnas em 2018 planejam voltar ao palco da política no próximo ano. ​

O principal deles é o ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin, candidato tucano que foi derrotado nas eleições presidenciais de 2018. Ele afirmou na semana passada que deve deixar a legenda, mas planeja voltar a concorrer ao Governo de São Paulo —para isso, negocia uma provável filiação ao PSD.

Ele não é o único. Ao menos outros três ex-governadores e um ex-senador tucanos, todos atualmente sem mandato, podem voltar às urnas em 2022. Miram disputas a governos estaduais, Senado e Câmara dos Deputados.

Três homens de terno e gravata sorrindo
Os então governadores Geraldo Alckmin, Marconi Perillo e Beto Richa, em evento em São Paulo, em 2015 - Gilberto Marques - 7.jul.15/Divulgação Governo SP

Governador do Pará por três mandatos, Simão Jatene, 72, tem sido incentivado por aliados a concorrer ao governo do estado pela quarta vez.

Em 2018, quando estava em seu último ano de gestão, ele não disputou cargo e apoiou para o governo o então deputado Márcio Miranda (DEM), que foi derrotado por Helder Barbalho (MDB).

À Folha Jatene reconhece o momento de dificuldade enfrentado pelo PSDB. Mas diz acreditar que, se tiver maturidade e equilíbrio, o partido pode fazer um movimento de resgate de seus valores históricos.

[ x ]

“Estamos diante de uma encruzilhada civilizatória e poucos têm conseguido caminhar nesta vereda sem tropeços. É óbvio que o PSDB cometeu seus equívocos, mas nada é eterno” afirma.

No âmbito local, Jatene defende a construção de um projeto de oposição a Helder Barbalho, que disputará a reeleição. Diz que há conversas com PSD, PV e Cidadania, mas até o momento sem definição sobre qual será o nome que vai liderar o grupo.

“Lamentavelmente, o governador tem feito uma gestão desastrosa e autoritária. Isso tem levado a uma reação da população. Não nego que existe uma lembrança e uma provocação para que eu volte a concorrer ao governo”, afirma.

Para conseguir emplacar mais uma candidatura, contudo, o tucano ainda tem dois obstáculos a superar até o próximo ano. O primeiro é conseguir unificar o PSDB local, já que parte do partido passou a apoiar Helder Barbalho.

O segundo obstáculo é no campo jurídico: Jatene teve suas contas de 2018 reprovadas pela Assembleia Legislativa do Pará, o que pode gerar implicações em torno da sua elegibilidade.

O tucano, contudo, classifica a rejeição das contas como uma manobra política, já que elas haviam sido aprovadas pelo Tribunal de Contas do Estado.

Outros dois líderes de expressão nacional do partido que podem voltar as urnas são o goiano Marconi Perillo e o paranaense Beto Richa.

Ambos foram derrotados para o Senado em 2018 e submergiram da política partidária após serem alvos de desdobramentos da operação Lava Jato.

Governador de Goiás por quatro mandatos, Marconi Perillo, 58, colocou o seu nome à disposição do partido para concorrer ao governo do estado em 2022 contra o governador Ronaldo Caiado (DEM), que deve disputar a reeleição.

Perillo foi derrotado na disputa para o Senado em 2018 e ficou em quinto lugar, com 7,5% dos votos. Desde então, o PSDB vive seu momento de maior fragilidade em Goiás. O partido havia eleito 75 prefeitos em 2016, caiu para 20 nas eleições de 2020 e agora tem 17.

“Claro que tivemos perdas, mas é natural. O governo do estado tem uma força muito grande para cooptar e essa foi uma prática constante de Caiado”, dispara o ex-governador Marconi Perillo.

Ele diz acreditar que o PSDB tem condições voltar a ser protagonista em Goiás, mesmo depois do revés de 2018.

Para isso, começa a reorganizar o partido, buscar novos líderes políticos e negociar alianças com outros partidos do campo de oposição a Caiado. Também participou, no início do mês, de um encontro com o governador de São Paulo João Doria (PSDB), pré-candidato a presidente.

Perillo classifica a última eleição estadual como atípica, por ter sido marcada por um forte discurso antipolítica. Diz que também pesou no resultado o fato de ter sido alvo de um mandado de busca e apreensão nove dias antes das eleições.

“Foi uma grande armação, uma coisa preparada para me derrotar. Mas o tempo vai passando e as coisas vão ficando mais claras”, afirma o ex-governador, que chegou a ser preso dois dias depois da eleição de 2018.

Batizada de Cash Delivery, a operação apurou supostos repasses indevidos a Perillo com base nas delações premiadas de executivos da Odebrecht. Em 2020, ex-governador foi condenado por prática de caixa 2 —o processo ainda corre em segunda instância.

No Paraná, Beto Richa, 55, também começa a se movimentar depois de três anos distante do dia a dia da política. Governador do Paraná de 2011 a 2018, ele foi derrotado na disputa para o Senado na última eleição —teve 3,7% dos votos e ficou em sexto lugar.

Aos poucos, começou a retomar postagens em redes sociais e estreitou o contato com prefeitos e líderes políticos. No início de julho, reapareceu em uma visita ao Paraná do governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, que é pré-candidato ao Planalto.

A assessoria do ex-governador informou que ele ainda não decidiu se vai concorrer a um cargo em 2022, mas a Folha apurou que seu objetivo é disputar uma cadeira de deputado federal.

Richa chegou a ser preso em setembro de 2018 em meio à campanha eleitoral por suspeitas de fraudes em licitações. Depois, em 2019, voltou a ser preso outras duas vezes. Na época, a defesa do ex-governador defendeu que as prisões não tinham fundamento.

Outro nome do PSDB que se movimenta para voltar ao palco da política nacional Arthur Virgílio Neto, 75, que encerrou em 2020 um ciclo de oito anos à frente da Prefeitura de Manaus.

Ele vai disputar as prévias no PSDB para ser candidato a presidente da República. Internamente, contudo, as suas chances são vistas como remotas no embate que deve polarizar entre João Doria e Eduardo Leite.

Caso não obtenha sucesso no plano de voo nacional, o caminho natural seria tentar voltar ao Senado, onde já cumpriu mandato entre 2003 e 2010 e ganhou notoriedade como um dos principais nomes da oposição ao então presidente Lula (PT).

No tabuleiro das disputas estaduais, o PSDB ainda mira governos de São Paulo, Maranhão, Mato Grosso do Sul e Alagoas, mas com nomes novos.

Em São Paulo, o vice-governador Rodrigo Garcia trocou o DEM pelo PSDB e será o candidato apoiado por João Doria. A situação é semelhante em Mato Grosso do Sul, onde o secretário Eduardo Riedel foi escolhido pelo governador Reinaldo Azambuja (PSDB) para a sua sucessão.

No Maranhão, o vice-governador Carlos Brandão deve ser candidato com apoio do governador Flávio Dino (PSB). Em Alagoas, por outro lado, o senador Rodrigo Cunha será o candidato do campo da oposição ao grupo do governador Renan Filho (MDB).

Doria multiplica repasse de verba política, precariza transparência e gasta R$ 1 bi até com deputados federais, FSP

 


SÃO PAULO

Em busca de consolidar sua candidatura à Presidência da República em 2022, o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), multiplicou os repasses de verbas políticas para atender a pedidos de parlamentares.

O volume de recursos, considerado inédito entre os políticos, beneficia não só seus aliados na Assembleia Legislativa, mas até mesmo deputados federais. O vínculo de cada parlamentar com as liberações, feitas com recursos públicos, não é divulgado ao público pela gestão tucana.

Neste ano, até o fim de julho, já foram liberados ao menos R$ 1,05 bilhão em recursos extras para que parlamentares irriguem suas bases políticas com obras de infraestrutura, gastos com saúde, financiamento de entidades e com outros benefícios.

O valor é quase seis vezes o liberado pelo governo com essa finalidade em todo o ano de 2020 —de aproximadamente R$ 182,9 milhões.

Os dados sobre a liberação de verba política foram obtidos pela Folha após sete pedidos via Lei de Acesso à Informação (LAI) e após a reportagem consultar e sistematizar mais de 5.000 folhas de papel com o registro desses repasses pela Secretaria da Casa Civil, comandada por Cauê Macris (PSDB), aliado de Doria e ex-presidente da Assembleia Legislativa.

[ x ]

O governo Doria não forneceu o material digitalizado, conforme pedido por meio da LAI, e não respondeu se mantém o controle dessa verba pública de forma digital ou apenas por meio das folhas armazenadas em caixas de papelão. Não há transparência pública sobre esse repasses.

Em nota, o governo afirmou que “os investimentos são resultado de ações sociais para enfrentar os desafios pós-pandemia” e que a liberação de recursos é isenta e tem tratamento transparente.

Em 2021, ano em que Doria declarou querer disputar as prévias presidenciais do PSDB, o tucano não só ampliou o montante liberado mas também o rol de beneficiados, incluindo 34 deputados federais e a senadora Mara Gabrilli (PSDB-SP).

Além de Doria, seu vice-governador, Rodrigo Garcia (PSDB), também já admitiu que pretende se candidatar 2022 ao Governo de São Paulo.

O gasto com deputados ocorre no momento em que Doria e Garcia ampliam inaugurações e visitas ao interior na tentativa de melhorar sua popularidade.

Para críticos dos tucanos, há uso de verba pública com o objetivo de dar sustentação política ao governo e formar uma coligação para 2022, arregimentando deputados e prefeitos como cabos eleitorais.

Caixas com registros de liberação de verba pelo governo Doria para deputados estaduais e federais, em 2020 e 2021, obtidas via Lei de Acesso à Informação (LAI)
Caixas com registros de liberação de verba pelo governo Doria para deputados estaduais e federais, em 2020 e 2021, obtidas via Lei de Acesso à Informação (LAI) - Carolina Linhares/Folhapress

Em média, o governo disponibilizou R$ 11,3 milhões para 93 parlamentares, entre deputados federais, deputados estaduais e a senadora. Cerca de R$ 28,8 milhões foram alocados apenas com demandas do ex-líder de governo e atual presidente da Assembleia Legislativa de São Paulo, Carlão Pignatari (PSDB), que lidera a lista.

Essas despesas não são referentes às emendas parlamentares impositivas, recurso anual de aproximadamente R$ 5,1 milhão a que cada deputado estadual tem direito, independentemente de seu partido, e cujo pagamento é obrigatório.

Em 2021, a verba prevista para as emendas é de R$ 481,2 milhões. Até agora, R$ 161 milhões desse montante já foram efetivamente pagos.

Já o R$ 1,05 bilhão liberado até julho foi distribuído de maneira desigual —a maior parte direcionada a políticos e partidos que compõem a base governista de Doria, embora alguns oposicionistas recebam em menor escala.

São recursos processados como “demandas parlamentares”, também chamados por deputados de “emendas voluntárias”, ou seja, o pagamento não é obrigatório e ocorre conforme a conveniência do governo tucano.

O valor se aproxima do orçamento de R$ 1 bilhão previsto para o programa Bolsa do Povo em 2021, a principal ação social e de transferência de renda do governo Doria, que visa beneficiar 2 milhões de pessoas.

Essas liberações aos deputados servem como moeda de troca para formar maioria na Assembleia, a exemplo do que ocorre no governo de Jair Bolsonaro (sem partido), que distribuiu emendas e cargos ao centrão em troca de blindagem no Congresso.

De forma semelhante ao processo das emendas parlamentares, os deputados apresentam a lista de verbas que querem destinar a cada cidade e sua finalidade.

Valores redondos encontrados pela Folha indicam que Doria ofereceu pacotes fechados de verbas a alguns parlamentares, o que foi confirmado por políticos de diferentes legendas.

Outros deputados, no entanto, negam haver combinação prévia de valores e afirmam que o governo libera apenas as demandas que cabem no caixa estadual e que atendem a programas da gestão. Parlamentares também disseram apresentar pedidos que não chegam a ser pagos.

A reportagem apurou que os pleitos chegaram a ser tratados pessoalmente com Doria e com Garcia e mais frequentemente com Macris ou outros secretários tucanos —Marco Vinholi (Desenvolvimento Regional e presidente do PSDB paulista) e Antônio Imbassahy (secretário especial do Escritório de Representação do Estado de São Paulo em Brasília).

Da esq. para dir., os tucanos Marco Vinholi, Rodrigo Garcia, João Doria e Cauê Macris, responsáveis pelas liberações
Da esq. para dir., os tucanos Marco Vinholi, Rodrigo Garcia, João Doria e Cauê Macris, responsáveis pelas liberações - Divulgação - 2.ago.2021/Governo do Estado de SP

O deputado estadual Barros Munhoz (PSB), que foi líder de governo nas gestões José Serra e Geraldo Alckmin (ambos do PSDB), afirma que Doria melhorou a relação com o Legislativo e tem liberado mais verba que seus antecessores e de forma mais célere.

O deputado afirma que, entre os repasses de Doria, há emendas de governos passados não honradas e defende as liberações para aliados. “Todo governante luta para formar maioria para aprovar projetos, isso é da natureza da governança.”

Já o deputado estadual Campos Machado (Avante), que não foi contemplado com os repasses voluntários em 2021, critica a postura de outros deputados para conseguirem a verba extra.

"Essa palavra mágica chamada 'emenda' faz milagres. Muda conceitos, opiniões, ideias, concepções e me atrevo dizer que muda caráter". “Estou aqui há oito mandatos e nunca vi tanta disparidade como tem no governo do senhor João Agripino [Doria]", diz Machado, adversário do governador e aliado de Alckmin.

De acordo com especialistas ouvidos pela reportagem, se houver interesses não legítimos ou vantagens eleitorais nas liberações, há brecha para enquadrar a prática como improbidade administrativa ou abuso de poder político nas eleições, ou seja, uso da máquina de governo para beneficiar Doria e Garcia em 2022.

dificuldade em obter informação sobre esses repasses também é alvo de crítica.

"Há fortes indícios de que essas informações estariam em meio digital e poderiam ser passadas para o cidadão de maneira mais fácil. Inclusive, as emendas impositivas já estão no Portal da Transparência. Qual é a diferença para essas não estarem?", diz Mariana Atoji, da ONG Transparência Brasil.

A reportagem questionou a não publicação desses dados e a disponibilização física, já que a gestão Doria instituiu o programa SP sem Papel.

“A Folha teve acesso total e irrestrito aos documentos solicitados. As suposições apontadas nos questionamentos realizados não encontram qualquer amparo na realidade”, afirmou a Casa Civil.

“As solicitações têm tratamento transparente para garantir a lisura do processo, com cada andamento da requisição sendo informado ao solicitante”, completa.

Cientistas políticos avaliam, por sua vez, que embora as liberações sejam vistas como “velha política” ou “toma lá, dá cá”, esses repasses fazem parte da relação entre Executivo e Legislativo na democracia e podem beneficiar a população atendida —mas deveriam ser públicos.

Ao menos 634 das 645 cidades paulistas foram indicadas nas emendas voluntárias, em geral destinadas a compra de ambulâncias, financiamento de Santas Casas, obras de infraestrutura e de atividades de esporte.

Membros do governo e deputados aliados a Doria negam haver viés político ou eleitoral na distribuição de verba. Alguns apontam que somente o pagamento de emendas não é suficiente para atrair um partido para uma coligação.

LIBERAÇÃO É FEITA DE MANEIRA ISENTA, DIZ GOVERNO DE SP

Questionado pela Folha, a gestão Doria não informou os critérios adotados para as liberações e não explicou o crescimento do montante entre 2020 e 2021.

“O Governo de São Paulo não pode ser vítima de juízo de valor por iniciativas governamentais para atender as pessoas mais carentes neste momento em que as medidas são necessárias para superar a crise sanitária e econômica”, afirma em nota.

“Todos os parlamentares, sejam deputados federais, estaduais, vereadores ou a sociedade civil organizada contribuem com o governo do estado para identificar as demandas para melhorar a vida das pessoas. A liberação de recursos é feita de maneira isenta, pois as demandas contemplam, inclusive, deputados da oposição”, completa.

A senadora Mara Gabrilli afirmou que recebe muitos pedidos de prefeitos e vereadores para melhorias na saúde. "Nosso papel é buscar recursos junto ao governo federal e estadual, que têm trabalhado rapidamente para fazer o repasse. Nossos pedidos foram 100% para saúde, para aliviar municípios e Santas Casas, principalmente por conta da pandemia."

Procurado, o presidente da Assembleia Legislativa de São Paulo, Carlão Pignatari, não se manifestou.