quarta-feira, 14 de julho de 2021

Bolsonaro tem de sair, mas ir para a rua contra ele é falta de coerência, diz ex-presidenciável Eduardo Jorge, FSP

 Fábio Zanini

SÃO PAULO

Ex-deputado federal e ex-candidato a presidente em 2014, Eduardo Jorge (PV) diz que está louco para sair às ruas gritando pelo impeachment de Jair Bolsonaro.

Mas ele afirma que por enquanto fará pressão de casa, em respeito às orientações de especialistas para não gerar aglomeração. Médico, critica a oposição de esquerda por encher locais como a avenida Paulista.

“Qual é a autoridade sanitária que indica que podem ser feitas aglomerações desse tipo, seja pelos apoiadores do Bolsonaro ou por nós, que somos contra ele? É falta de coerência”, diz.

O ex-deputado federal Eduardo Jorge (PV) posa em frente à Faculdade de Medicina da USP, em São Paulo - Eduardo Knapp/Folhapress

Ex-petista, Jorge defende uma terceira via e declara apoio ao senador Tasso Jereissati (PSDB-CE).

Num segundo turno entre Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o atual presidente, não revela como se posicionaria. Em 2018, quando foi vice na chapa de Marina Silva (Rede), anulou o voto na etapa final, e diz não se arrepender.

Aos 71 anos, o ex-deputado retomou as atividades na Secretaria de Saúde do estado de São Paulo, da qual é servidor concursado há 45 anos. Ainda não sabe se disputará cargo eletivo no ano que vem. “Meu partido me considera muito radical”, diz.

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Qual sua opinião sobre o impeachment de Bolsonaro? Eu defendo [o impeachment], desde março de 2020. Fui um dos primeiros. Quando a pandemia chegou, Bolsonaro deu declarações completamente estapafúrdias. Tenho experiência de combate à epidemia de dengue em São Paulo.

É muito importante o exemplo que vem de cima, porque exige mobilização popular, mudança de hábitos. E se o ocupante do cargo principal do país diz o contrário, isso cria confusão na opinião pública, desorganiza o trabalho conjunto de União, estados, municípios. Para mim configurou imediatamente que ele ia boicotar, confundir e prejudicar o SUS. Eu sabia que era um desastre, uma coisa criminosa.

E o que fazer para concretizar o afastamento? Estou em vários grupos de WhatsApp, uns mais à esquerda, uns mais de centro. E eu ouvia de opositores já naquela ocasião: “Ah, o presidente tem apoiadores muito aguerridos, isso vai dar confusão, nós vamos brigar na rua, ele pode até se fortalecer”. Outros diziam: “Não vamos entrar porque vamos perder no Congresso, ou porque se ele sair entra o vice”.

E tem o pior, o cálculo eleitoreiro [de não fazer o impeachment] de que Bolsonaro vai se desgastar, vai facilitar a vitória da oposição em 2022. E eu argumentava que o problema é morrer ou deixar de morrer, ficar doente ou deixar de ficar doente. Não é problema político, é de saúde pública.

A oposição fez um cálculo muito político, sem se preocupar com a saúde? Essa vacilação da oposição foi uma coisa muito grave. Aos poucos a oposição foi se convencendo, porque a coisa ficou acachapante, um horror, de chegar a 500 mil mortes. E hoje a maioria e outros setores estão convencidos de que tem de haver impeachment. Mas ainda tem gente que faz cálculo político.

Como médico, qual sua opinião sobre as manifestações de rua? Eu pergunto aos bolsonaristas ou aos oposicionistas o que as autoridades sanitárias falaram em relação a aglomeração, distanciamento, evitar esse tipo de coisas. Mudou alguma coisa? Mudou a situação da pandemia?

Estamos com patamar de mortos muito alto ainda. Qual é a autoridade sanitária que indica que podem ser feitas aglomerações desse tipo, seja pelos apoiadores do Bolsonaro ou por nós, que somos contra ele? É falta de coerência, nesse momento.

E como se faz impeachment sem ir para a rua? Eu estou ansioso para ir para a rua. Meu coração bate acelerado. Mas eu não vou desobedecer ao SUS. Vai todo mundo tomar vacina [e escreve]: “viva o SUS”. Então seja coerente, obedeça à autoridade sanitária, e quando houver condições, vamos com tudo para a rua. Então não vai fazer nada? Claro que vamos fazer. Vamos prestigiar a CPI, fazer pressão sobre as bases dos deputados. Isso é uma coisa muito eficiente.

Eu era líder do PT no impeachment do Collor. Tínhamos mapeado cada deputado, qual era a posição, pedíamos que o pessoal que defendia o impeachment fosse lá, conversasse. É possível fazer, com as redes sociais. Não vamos parar a luta pelo impeachment, mas não é ainda hora de ir para a rua, pode ser que em outubro, ou novembro. Agora não.

O sr. vê espaço para uma terceira via no ano que vem? Eu vejo como necessidade em um país que quer superar essa fratura pré-guerra civil. Se eu sigo para uma reprise do segundo turno de 2018, como querem as duas forças principais, vamos perpetuar esse ambiente, que vai das famílias ao local de trabalho, por mais quatro anos. É uma coisa horrível, desgastante, cansativa. Os governos não funcionam, o Parlamento em transe, o Judiciário partidarizado. A terceira via é uma questão de reconstrução do esteio democrático, de ter governo com capacidade de enfrentar crise social, desemprego, crise ambiental.

O então candidato a vice-presidente Eduardo Jorge, em 2018, durante entrevista em sua casa, em São Paulo - Leo Martins - 11.ago.2018/Folhapress

E quem seria o nome? Eu defendo Tasso Jereissati, porque a terceira via tem que ter uma capacidade de agregação muito além do normal. Tem que ser um sujeito com experiência administrativa, capacidade de diálogo com setores conservadores, liberais e socialistas. E nesse rol que a gente tem hoje disponível, quem tem mais essa característica é o Tasso. Ele tem credibilidade para dizer que vai fazer apenas um mandato, e depois em 2026 a diversidade e a riqueza da democracia podem se expressar. Mas agora não, não é uma eleição normal. Esse é o plano A, tem o plano B também.

Qual? Ganhar do Bolsonaro no primeiro turno. Isso envolveria um moderado na cabeça de chapa e a esquerda, o Lula, o PT, indicar um vice, pode ser um governador deles bem avaliado. E compor uma chapa para ganhar no primeiro turno.

Num segundo turno entre Lula e Bolsonaro, como o sr. vota? Se eu acredito que é estratégico para o país não repetir o segundo turno de 2018, vou lutar até o último minuto por isso.

E se repetir? Se repetir, vamos discutir na ocasião, porque fazer uma definição agora é enfraquecer essa questão tão importante que é colocar uma terceira via no segundo turno.

Não é automático que o sr. votaria contra o Bolsonaro, então? Segundo turno se discute no segundo turno. Eu acho bom que o Lula seja candidato, quero deixar bem claro. Porque Lula é o verdadeiro mito, pelo que ele fez de positivo. Bolsonaro é o falso mito.

O sr. coloca num mesmo patamar Bolsonaro e Lula? São totalmente diferentes. Não tem dúvida sobre isso. Pela possibilidade de você sentar e discutir. Quando FHC e Lula se sentam, você vê que é um nível de civilidade. Com Bolsonaro não há condições de sentar e discutir, porque ele não ouve ninguém.

Em 2018, no segundo turno, o sr. votou nulo. Se arrepende? Não. Naquela ocasião, no começo, o PT desejava que o Bolsonaro chegasse no segundo turno, torcia ardentemente. No meio da eleição, o Lula viu que tinha se enganado, porque o nível de rejeição da população a ele era muito maior do que se imaginava.

Havia uma solução heroica, que era o PT apoiar um dos candidatos mais moderados, porque esse venceria o Bolsonaro. E se recusaram, sabendo que iam perder, mas manteriam a hegemonia da esquerda. E voltariam nos braços do povo na eleição de 2022. Era uma farsa. E eu não quis participar de uma farsa dessas.

Mas olhando tudo que aconteceu nesses anos, o sr. continua convicto de que o voto nulo foi a melhor opção? Claro, porque votar no PT era fazer parte da farsa que o PT montou.

Como um dos pais do SUS na Constituição, o que acha da resposta do sistema de saúde pública à pandemia? Nunca vi um nível de reconhecimento, de agradecimento popular como estou vendo agora. O SUS em 1990 parte de um patamar muito baixo e vai subindo a montanha em direção ao nosso objetivo, inclusive com orçamentos muito restritos.

A gente trabalha com R$ 3 por pessoa por dia, para fazer vacina e para fazer transplante de coração. Mas para chegar nos nossos paradigmas, que são o sistema inglês, o canadense, o da Suécia, ainda está longe. E a população ainda vai nos cobrar muito.

O que é mais importante, colocar mais dinheiro ou fazer reformas, com participação da iniciativa privada?Às vezes o pessoal mais à esquerda acha que o SUS é uma proposta soviética, ou cubana. Não é. É porque não leram a Constituição. Lá diz que a questão chave é a oferta do serviço universal. O financiamento é público, mas o trabalho articula a rede estatal, a filantrópica e a privada. Num país em que faltam recursos, você não pode alienar ninguém.

Que papel a questão ambiental vai ter na eleição de 2022, após tantas polêmicas no governo Bolsonaro? Qualquer político, seja conservador, liberal ou socialista hoje tem que colocar economia, social e ambiental no mesmo patamar. Se não for, é alguém do século 20, não é do século 21. O Brasil é um player fundamental no jogo da sustentabilidade, do combate às mudanças climáticas, e está devendo de forma escancarada, por causa do governo Bolsonaro. E os partidos ambientalistas do Brasil estão devendo ao Brasil. Você tem dois que são muito fracos [Rede e PV] e não estão à altura do desafio.

Poderia haver uma fusão entre eles? Essa separação nunca deveria ter existido.

EDUARDO JORGE, 71

Formado em medicina pela UFPB (Universidade Federal da Paraíba), com especialização em medicina preventiva e saúde pública pela USP. Foi deputado federal pelo PT (1987-2005), secretário municipal de Saúde (1989-90 e 2001-02) e Meio Ambiente (2005-12); candidato a presidente em 2014 e a vice em 2018, ambos pelo PV

O novo Bolsonaro durará pouco, Elio Gaspari, FSP

 Quem viu o Bolsonaro da semana passada, falando e andando com sua opinião a respeito da CPI, insultando ministros do Supremo e ameaçando cancelar a eleição, pensou que estava sonhando. Viu-o citar a oração do padre-nosso depois de uma conversa de 20 minutos com o presidente da corte, Luiz Fux.

Seria um novo Bolsonaro, respeitador do quadrado da Constituição, moderado e calmo, até na voz.

O que os dois conversaram, não se sabe, mas é muito provável que a essa novidade se aplique a eterna profecia do deputado Luís Eduardo Magalhães: “Não tem a menor possibilidade de dar certo”.

Seria bom que tivesse, mas a índole do capitão, seu projeto eleitoral e os fatos que vêm por aí conspiram contra essa hipótese.

Para que o novo Bolsonaro pudesse sair das cordas seria conveniente que houvesse uma trégua nas investigações que tramitam no Supremo Tribunal. Fux não tem como articulá-la. Há meses ele aceitou a ideia de uma comissão dos Três Poderes para cuidar da pandemia. Ganha uma fritada de morcego quem souber dela.

A comissão existe apenas para tomar o tempo de quem vai às suas reuniões. Ficou no mesmo limbo onde repousava, há meses, o gabinete de crise coordenado pelo general Braga Netto.

Coisas desse tipo acontecem porque estão infiltradas num governo disfuncional, pois só nele poderia ter tramitado a girafa da vacina indiana.

É quase certo que a CPI do Senado seja prorrogada por 90 dias, ocupando o espaço do recesso e indo além dele. O governo continuará sangrando, com uma defesa implausível, num cenário de espetáculo.

Bolsonaro não tem uma versão capaz de explicar o contubérnio de coronéis da reserva, um cabo da PM e um reverendo da ativa em torno de uma compra de vacinas.

Num mundo de sonhos, seria possível supor que Bolsonaro estivesse disposto a deixar de lado por alguns meses a obsessão pelo voto impresso. Isso evitaria conflitos com a Justiça Eleitoral. Não dá certo porque Bolsonaro, como Donald Trump, não tem diferenças com a metodologia dos votos, mas com os resultados. Tanto é assim que até hoje não mostrou provas de fraudes nas votações eletrônicas.

O Bolsonaro moderado não cabe no formato que deu à própria plataforma, inclusive no meio dos oficiais que o seguem. Afinal, o general Pazuello nada fez de errado subindo no seu carro de som e o senador Omar Aziz foi vil, leviano e irresponsável ao tratar dos pixulecos em torno dos quais farfalhavam militares da reserva.

O general da reserva Carlos Alberto dos Santos Cruz, ex-ministro de Bolsonaro, disse que a nota dos comandantes militares e do ministro da Defesa entrou num contexto de manifestações que fazem “só alarmismo”. Na mosca, mas alarmismo é o legume mais apregoado na quitanda do capitão.

O tranquilizante oferecido por Fux poderá até ter algum efeito. Uma semana, numa conta otimista. Para oferecer resultados, deveria ser administrado em doses regulares. Além disso, precisaria do acompanhamento de um profissional de saúde política. O Planalto descumpre o que combina e não há profissional que possa cuidar de um doente que defende a cloroquina e não toma os remédios prescritos.