segunda-feira, 28 de setembro de 2020

Maioria quer Minhocão como é hoje, mas opção por parque fica mais popular, FSP

 Thiago Amâncio

SÃO PAULO

Há cinco décadas a população de São Paulo se divide sobre a efetividade do Minhocão, apelido do elevado João Goulart, via expressa que liga a zona oeste ao centro da cidade. A estrutura é alvo de críticas desde que foi inaugurada, em 1971. Sua desativação é dada como certa desde 2014, mas isso não quer dizer que a situação foi resolvida.

Pesquisa Datafolha mostra que 54% dos paulistanos acham que o Minhocão deveria ser mantido como está, ou seja, que continue a ser uma avenida expressa para carros na maior parte dos dias úteis, cujo trânsito é interrompido à noite e aos finais de semana, quando seu acesso é liberado a pedestres.

Já 30% da população diz querer que o elevado se transforme em um parque, que é a proposta defendida pela gestão Bruno Covas (PSDB). Essa visão ganhou mais espaço: em pesquisa anterior, feita em 2014, eram 23% os que defendiam o parque.

Outros 7% hoje defendem que a estrutura seja completamente demolida. O restante diz que não sabe qual o melhor destino.

O levantamento foi realizado nos dias 21 e 22 de setembro de 2020, com 1092 entrevistados. A margem de erro máxima da pesquisa é de 3 pontos percentuais, para mais ou para menos.

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A maior parte das pessoas (52%) dizem, porém, que nunca passaram ou que não costumam passar pelo minhocão, enquanto 46% dizem que já passaram ou costumam passar. Desses, 38% de carro e apenas 12% a lazer.

Entre os que passam por lá de carro, 64% defendem manter a estrutura como é hoje, e 26% gostariam de vê-la transformada num parque. Entre os que a usam para lazer, 47% querem manter como está, 40% quer que um parque seja construído no local e outros 9% pedem sua demolição.

Está estabelecido em lei que o Minhocão não pode ser mantido como está. O Plano Diretor Estratégico de 2014 prevê a desativação completa do elevado como via de tráfego, que deverá ser feita de forma gradual até 2029, e define que uma lei específica deveria estabelecer se ele será demolido ou transformado em parque.

Como o Plano Diretor deverá ser revisto no ano que vem, há uma brecha para mudar o destino do Minhocão. Isso pode ser feito por iniciativa do poder executivo, e passar de novo pela Câmara Municipal de São Paulo.

Em 2018, a Câmara aprovou uma lei que estabelecia a criação do parque por um PIU (Plano de Intervenção Urbanística). A história foi parar na Justiça e no começo deste mês de setembro a novela ganhou mais um capítulo. A Câmara paulistana aprovou um decreto legislativo que determina que os moradores da cidade decidam o destino da via por um plebiscito, que deve ficar para 2022.

A necessidade da via e seus impactos no trânsito eram questionados mesmo durante a construção do elevado, em 1971 na gestão do prefeito Paulo Maluf. Cinco anos depois da inauguração, a prefeitura começou a restringir seu tráfego durante as madrugadas, dado o incômodo aos moradores da região.

As restrições foram aumentando e desde 2018. Hoje a via é fechada para carros às 20h de sexta-feira e só é reaberta às 7h de segunda-feira, nos dias úteis, se transformando em um parque onde os paulistanos caminham, pedalam, tomam sol e fazem picnics. Desde março, porém, quando a cidade começou a se fechar para tentar conter a pandemia da Covid-19, o acesso de pedestres está bloqueado mesmo nos fins de semana.

Passam por lá 78 mil veículos todos os dias, 2% de todos os automóveis que circulam por dia na cidade, segundo a prefeitura, que calcula que 60 mil pessoas morem ou trabalhem no entorno.

Sua desativação pode baixar a velocidade média dos veículos na região de 22,7 km/h para 20,9 km/h, no cálculo da prefeitura, que faria obras pontuais e estruturais na região para mitigar esses impactos.

Com a desativação iminente, as propostas de parque e demolição completa entraram em disputa. De um lado, o argumento de que a via deve ser mantida como espaço de lazer, função que os paulistanos lhe deram com o passar dos anos. Do outro, a defesa de que só a demolição poderia recuperar a degradação das avenidas Amaral Gurgel e São João, que passam sob o elevado.

O secretário de Desenvolvimento Urbano, Fernando Chucre, que defende a criação do parque, afirma que três modelos de cidade estão em jogo.

A que ele defende, do parque, seria a cidade do século 21, em suas palavras, moderna, com requalificação de espaços degradados e incentivo ao transporte público. Outro modelo é o do século 20, diz, rodoviarista, que quer manter o Minhocão como está e continuar a incentivar o uso do carro.

A terceira opção é a dos saudosistas, alfineta. "O pessoal que acha que o centro de São Paulo vai voltar ao século 19 com o desmonte do Minhocão, que haverá fontes e carruagens."

Chucre diz que a demolição não garante que as avenidas serão recuperadas, e diz que outras vias da região, como um trecho da São João por onde não passa o elevado, também são degradadas.

A prefeitura calcula que uma demolição completa do elevado demoraria 24 meses para acontecer e custaria R$ 113 milhões, além do gasto com reforma da avenida que passa embaixo, elevando o custo total para R$ 170 milhões.

Para ele, a questão não deveria ser discutida por plebiscito, mas pelo PIU que tem sido tocado pela prefeitura, que envolve estudo de impacto e consulta a moradores da região.

"O PIU é o instrumento mais correto porque consegue captar com maior precisão quais os anseios da população que mora no entorno e qual a melhor opção para a cidade sob o ponto de vista da população que será beneficiada."

O plebiscito é ruim, diz, porque levaria em conta a opinião de pessoas da cidade toda, "inclusive um número grande de pessoas que sequer sabe onde fica o Minhocão".

O plebiscito foi proposto pelo vereador Caio Miranda (DEM), defensor da demolição completa, que afirma que a consulta geral é válida porque o morador da cidade toda será impactado dado o alto custo de transformá-lo em parque ou demoli-lo.

"Como dois distritos eleitorais podem decidir uma coisa que vai custar mais de R$ 100 milhões à cidade?", diz.

Miranda questiona a capacidade de manutenção do parque, citando como exemplo os quatro jardins verticais que a prefeitura removerá até o fim do ano ao custo de mais de R$ 1 milhão.

"Veja como está o Parque da Luz, da Água Branca, a praça Marechal Deodoro, o Largo do Arouche", afirma.

"Tudo o que se pode fazer em cima [de obras para transformá-lo em parque], pode-se fazer embaixo. Dá para fazer uma grande reurbanização sem gentrificar [valorizar a região a ponto de mudar suas características e expulsar os moradores tradicionais]", defende.

O vereador compara a proposta da prefeitura com o High Line, parque em Nova York construído sobre antiga ferrovia elevada e constantemente citado como exemplo para o centro de São Paulo. Para Miranda, a comparação é inviável porque a estrutura da cidade norte-americana é mantida por doações privadas, sua implementação custou US$ 150 milhões (cerca de R$ 834 milhões) e manutenção custa US$ 10 milhões (R$ 55 milhões) anualmente.

E cita como exemplo a recuperação do elevado da Perimetral, no Rio, cuja demolição ajudou a recuperação da zona portuária carioca.

Marcus André Melo Na eleição norte-americana, o ganhador leva tudo, FSP

 

campanha presidencial nos EUA virou um jogo de apostas altíssimas agora que Trump poderá ter maioria estável na Suprema Corte, em um pleito que provavelmente será judicializado. Mas, se o pleito é nacional, de importância inédita, a disputa é fragmentada, estadualizada.

Isso se deve à importância no colégio eleitoral dos "swing states" —estados com muitos delegados e onde há equilíbrio de forças. Espécie de relíquia institucional, tem sobrevivido a 700 emendas constitucionais apresentadas para sua eliminação, que tiveram apoio massivo, como discuti neste espaço.

Países que copiaram os EUA nas suas constituições eliminaram o colégio já no século 19, e outros no século 20, como a Argentina (1995) e o Chile (1920).

A instituição é exemplo de regra majoritária ("winner takes all") aplicada a eleições presidenciais, mas o raciocínio vale para as legislativas.

Os oponentes Joe Biden e Donaldo Trump - Jim Watson e Brendan Smialowski/AFP

As chances de vitória no colégio e derrota no voto popular têm origem dupla: a) o ganhador no estado escolhe todos os delegados da jurisdição: uma vitória por uma margem de 1% produz um ganho de 100%; b) o número de delegados em cada estado é a soma do número de deputados federais e senadores, o que favorece os de menor população.

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Entre nós, na República Velha, valia a mesma lógica, mas para as eleições legislativas: o mais votado em cada distrito levava a totalidade das vagas em disputa (que variava de 1 a 4). Utilizamos também no Segundo Reinado distritos de um representante, como nos EUA hoje. O impacto da regra fica claro no resultado final. No limite, um partido que obtiver um terço dos votos nacionalmente, mas não for o mais votado em nenhum distrito, não obterá nenhuma cadeira.

A regra majoritária cria uma estrutura de incentivos pela qual, durante as eleições, a campanha ocorre apenas nos poucos distritos onde há equilíbrio na disputa (também chamados de "marginal districts"). Caso contrário, é como se não houvesse eleição (caso dos "safe districts"). Aos simpatizantes de partidos minoritários resta não votar ou votar no candidato que rejeite menos.

Em contraste, sob a representação proporcional, os partidos minoritários têm incentivos para disputar o voto porque conseguem obter cadeiras mesmo não sendo os mais votados. Quanto maior a magnitude do distrito eleitoral, maiores as chances de representação (desconsiderando efeitos de cláusulas de barreira e a existência de segundo turno). Por isso o comparecimento às urnas também aumenta.

Assim as regras importam e têm enorme resiliência. O localismo na eleição americana tem raízes institucionais e se insere paradoxalmente em um ambiente "desespacializado" e polarizado das redes.

Marcus André Melo

Professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).