Há cinco décadas a população de São Paulo se divide sobre a efetividade do Minhocão, apelido do elevado João Goulart, via expressa que liga a zona oeste ao centro da cidade. A estrutura é alvo de críticas desde que foi inaugurada, em 1971. Sua desativação é dada como certa desde 2014, mas isso não quer dizer que a situação foi resolvida.
Pesquisa Datafolha mostra que 54% dos paulistanos acham que o Minhocão deveria ser mantido como está, ou seja, que continue a ser uma avenida expressa para carros na maior parte dos dias úteis, cujo trânsito é interrompido à noite e aos finais de semana, quando seu acesso é liberado a pedestres.
Já 30% da população diz querer que o elevado se transforme em um parque, que é a proposta defendida pela gestão Bruno Covas (PSDB). Essa visão ganhou mais espaço: em pesquisa anterior, feita em 2014, eram 23% os que defendiam o parque.
Outros 7% hoje defendem que a estrutura seja completamente demolida. O restante diz que não sabe qual o melhor destino.
O levantamento foi realizado nos dias 21 e 22 de setembro de 2020, com 1092 entrevistados. A margem de erro máxima da pesquisa é de 3 pontos percentuais, para mais ou para menos.
A maior parte das pessoas (52%) dizem, porém, que nunca passaram ou que não costumam passar pelo minhocão, enquanto 46% dizem que já passaram ou costumam passar. Desses, 38% de carro e apenas 12% a lazer.
Entre os que passam por lá de carro, 64% defendem manter a estrutura como é hoje, e 26% gostariam de vê-la transformada num parque. Entre os que a usam para lazer, 47% querem manter como está, 40% quer que um parque seja construído no local e outros 9% pedem sua demolição.
Está estabelecido em lei que o Minhocão não pode ser mantido como está. O Plano Diretor Estratégico de 2014 prevê a desativação completa do elevado como via de tráfego, que deverá ser feita de forma gradual até 2029, e define que uma lei específica deveria estabelecer se ele será demolido ou transformado em parque.
Como o Plano Diretor deverá ser revisto no ano que vem, há uma brecha para mudar o destino do Minhocão. Isso pode ser feito por iniciativa do poder executivo, e passar de novo pela Câmara Municipal de São Paulo.
Em 2018, a Câmara aprovou uma lei que estabelecia a criação do parque por um PIU (Plano de Intervenção Urbanística). A história foi parar na Justiça e no começo deste mês de setembro a novela ganhou mais um capítulo. A Câmara paulistana aprovou um decreto legislativo que determina que os moradores da cidade decidam o destino da via por um plebiscito, que deve ficar para 2022.
A necessidade da via e seus impactos no trânsito eram questionados mesmo durante a construção do elevado, em 1971 na gestão do prefeito Paulo Maluf. Cinco anos depois da inauguração, a prefeitura começou a restringir seu tráfego durante as madrugadas, dado o incômodo aos moradores da região.
As restrições foram aumentando e desde 2018. Hoje a via é fechada para carros às 20h de sexta-feira e só é reaberta às 7h de segunda-feira, nos dias úteis, se transformando em um parque onde os paulistanos caminham, pedalam, tomam sol e fazem picnics. Desde março, porém, quando a cidade começou a se fechar para tentar conter a pandemia da Covid-19, o acesso de pedestres está bloqueado mesmo nos fins de semana.
Passam por lá 78 mil veículos todos os dias, 2% de todos os automóveis que circulam por dia na cidade, segundo a prefeitura, que calcula que 60 mil pessoas morem ou trabalhem no entorno.
Sua desativação pode baixar a velocidade média dos veículos na região de 22,7 km/h para 20,9 km/h, no cálculo da prefeitura, que faria obras pontuais e estruturais na região para mitigar esses impactos.
Com a desativação iminente, as propostas de parque e demolição completa entraram em disputa. De um lado, o argumento de que a via deve ser mantida como espaço de lazer, função que os paulistanos lhe deram com o passar dos anos. Do outro, a defesa de que só a demolição poderia recuperar a degradação das avenidas Amaral Gurgel e São João, que passam sob o elevado.
O secretário de Desenvolvimento Urbano, Fernando Chucre, que defende a criação do parque, afirma que três modelos de cidade estão em jogo.
A que ele defende, do parque, seria a cidade do século 21, em suas palavras, moderna, com requalificação de espaços degradados e incentivo ao transporte público. Outro modelo é o do século 20, diz, rodoviarista, que quer manter o Minhocão como está e continuar a incentivar o uso do carro.
A terceira opção é a dos saudosistas, alfineta. "O pessoal que acha que o centro de São Paulo vai voltar ao século 19 com o desmonte do Minhocão, que haverá fontes e carruagens."
Chucre diz que a demolição não garante que as avenidas serão recuperadas, e diz que outras vias da região, como um trecho da São João por onde não passa o elevado, também são degradadas.
A prefeitura calcula que uma demolição completa do elevado demoraria 24 meses para acontecer e custaria R$ 113 milhões, além do gasto com reforma da avenida que passa embaixo, elevando o custo total para R$ 170 milhões.
Para ele, a questão não deveria ser discutida por plebiscito, mas pelo PIU que tem sido tocado pela prefeitura, que envolve estudo de impacto e consulta a moradores da região.
"O PIU é o instrumento mais correto porque consegue captar com maior precisão quais os anseios da população que mora no entorno e qual a melhor opção para a cidade sob o ponto de vista da população que será beneficiada."
O plebiscito é ruim, diz, porque levaria em conta a opinião de pessoas da cidade toda, "inclusive um número grande de pessoas que sequer sabe onde fica o Minhocão".
O plebiscito foi proposto pelo vereador Caio Miranda (DEM), defensor da demolição completa, que afirma que a consulta geral é válida porque o morador da cidade toda será impactado dado o alto custo de transformá-lo em parque ou demoli-lo.
"Como dois distritos eleitorais podem decidir uma coisa que vai custar mais de R$ 100 milhões à cidade?", diz.
Miranda questiona a capacidade de manutenção do parque, citando como exemplo os quatro jardins verticais que a prefeitura removerá até o fim do ano ao custo de mais de R$ 1 milhão.
"Veja como está o Parque da Luz, da Água Branca, a praça Marechal Deodoro, o Largo do Arouche", afirma.
"Tudo o que se pode fazer em cima [de obras para transformá-lo em parque], pode-se fazer embaixo. Dá para fazer uma grande reurbanização sem gentrificar [valorizar a região a ponto de mudar suas características e expulsar os moradores tradicionais]", defende.
O vereador compara a proposta da prefeitura com o High Line, parque em Nova York construído sobre antiga ferrovia elevada e constantemente citado como exemplo para o centro de São Paulo. Para Miranda, a comparação é inviável porque a estrutura da cidade norte-americana é mantida por doações privadas, sua implementação custou US$ 150 milhões (cerca de R$ 834 milhões) e manutenção custa US$ 10 milhões (R$ 55 milhões) anualmente.
E cita como exemplo a recuperação do elevado da Perimetral, no Rio, cuja demolição ajudou a recuperação da zona portuária carioca.
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