segunda-feira, 7 de setembro de 2020

Agro é tudo, inclusive vírus e zoonoses, Marcelo Leite, FSP

 A pandemia de Covid-19 se tornou acontecimento tão familiar que ninguém mais se pergunta pela origem do coronavírus Sars-CoV-2. Os morcegos, vilões de início, caíram no esquecimento, na companhia dos simpáticos pangolins e dos estigmatizados hábitos alimentares chineses.


Melhor assim. Há coisas mais urgentes por enfrentar, como a ideologia antivacina (não duvide da infecciosidade da estupidez no país governado por Jair Bolsonaro) e o dilema sobre reabrir ou não escolas numa sociedade que lota bares, centros de compras e praias.

O mistério persiste, entretanto. Pouco se sabe ao certo, só que o novo coronavírus provavelmente surgiu décadas atrás nalguma espécie de quiróptero em área rural da China e se transferiu há menos tempo para humanos, usando algum mamífero como intermediário –visons? porcos? serpentes?

Seguro é que se trata de uma zoonose, doença provocada pelo contato de gente com animais. Enfermidades que tendem a se tornar mais frequentes, inclusive na forma de pandemias como esta, com a paulatina destruição de habitats naturais e sua conversão em terras agrícolas e urbanas.

Precisamos de uma estratégia mundial contra elas, algo que os antiglobalistas estão organizados para sabotar. Reconhecer e conhecer a ameaça, porém, é um primeiro passo necessário.

Um artigo de investigação sobre essa hipótese saiu semana passada no periódico científico Nature. Pesquisadores britânicos encabeçados por Kate Jones reuniram informações de 6.801 levantamentos de fauna em áreas alteradas pelo homem e suas vizinhanças, com a identificação de 376 espécies animais hospedeiras de patógenos –bactérias, vírus etc.– conhecidos.

Comparando áreas cultivadas e habitadas com as de vegetação natural mais preservada, constataram que a fauna capaz de transmitir doenças era mais abundante nas primeiras. Tanto em número de espécies (até 72% mais frequentes) quanto em quantidade de indivíduos (até 144%).

Não há grande surpresa tampouco no tipo de bicho que predomina em ambientes alterados pelo homem: roedores, morcegos e aves passeriformes (basicamente o que chamamos de passarinhos, aves de pequeno e médio porte, canoras, como sabiás e bem-te-vis).

Trata-se de animais que exibem populações numerosas, alimentação baseada em sementes, frutos e invertebrados e capacidade de ocupar diferentes nichos ecológicos. Flexíveis, conseguem adaptar-se bem às áreas modificadas pelos humanos, como plantações, pastos e cidades.

São também portadores de grande variedade de patógenos, como vírus, que no entanto não lhes causam grandes problemas de saúde. No caso de morcegos, como já se viu aqui, a adaptação de mamíferos ao estresse fisiológico do voo parece ter reduzido seu sistema imunológico ao mínimo, para evitar que o dano continuado a células resultasse em reações inflamatórias agudas (como a tempestade bioquímica de certos casos graves de Covid-19).

Tornam-se, por isso, reservatórios ideais para partículas como o coronavírus aproveitarem a primeira oportunidade de saltar para uma espécie próxima no ambiente modificado. Podem ser porcos, galinhas, civetas ou patos criados na China, roedores em milharais do Brasil ou visons em fazendas da Holanda. Para nada dizer de mosquitos sugadores de sangue...

Zoonoses pandêmicas são, por isso, cada vez mais prováveis. A espécie humana não para de converter ambientes naturais em áreas cultiváveis e pastagens.

A China, superpopulosa e emergente, frenética conversora de regiões naturais em campos agrícolas e cidades e voraz consumidora de proteína animal de variados organismos, abre avenidas imensas para tais zoonoses. E o Brasil não está imune a tal risco.

Pense no desmatamento, agora turbinado pelo prestígio, neste governo, dos interesses comuns de fazendeiros, grileiros, madeireiros e garimpeiros nos rincões sem lei do Brasil. A devastação de paisagens naturais favorece toda essa cadeia, mesmo que uma franja de grandes produtores, processadores e banqueiros comece a sentir o cheiro de queimado nos mercados globais.

O agro é tudo, costumam dizer entusiastas dentro e fora dos círculos bolsonaristas. Pois que lhe incluam também na conta o risco crescente de novas pandemias –além da destruição da Amazônia, do cerrado, da mata atlântica, do Pantanal, dos povos indígenas e quilombolas, da biodiversidade e da política civilizada.

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Marcelo Leite

Jornalista especializado em ciência e ambiente, autor de “Ciência - Use com Cuidado”.

domingo, 6 de setembro de 2020

Com pandemia, 1 em cada 5 escritórios deve estar sem locatário no fim do ano, OESP

Fernando Scheller, O Estado de S. Paulo

05 de setembro de 2020 | 22h00

A pandemia do novo coronavírus afetou as empresas brasileiras de duas maneiras. De um lado, a maior parte dos setores viu um forte freio na atividade, que se refletiu em uma retração recorde de 9,7% no Produto Interno Bruto (PIB) no segundo trimestre. De outro, o teste forçado do trabalho remoto por causa dos decretos de isolamento social mostrou que o home office pode ser adotado em larga escala. Os dois fatores agora pressionam – e muito – o mercado de escritórios corporativos de São Paulo, colocando fim a um cenário de recuperação que se desenhava no início do ano.

De acordo com a multinacional americana JLL, especializada em imóveis corporativos, o total de escritórios em busca de um locatário estava em um patamar que não se via desde o início da década passada – 13,6% – e o segmento esperava um cenário bastante positivo para 2020, com alta na demanda e nos valores de aluguéis. Com pandemia, a perspectiva mudou: a taxa de imóveis disponíveis projetada para dezembro é de 20,9% – uma alta superior a 50% em nove meses.

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Lucas Leite Marques: home office e corte de 60% em custos Foto: Felipe Rau/Estadão

E o resultado só não é pior, passando de 25% de disponibilidade, porque o setor imobiliário segurou boa parte das entregas de edifícios deste ano. Além disso, o período de isolamento social foi mais longo do que o esperado. Por isso, só agora muitas empresas estão fazendo as contas para saber, afinal, quantos metros quadrados serão suficientes para uma operação que inclua a adoção mais permanente do home office. 

Para a diretora da área de transações da JLL, Mônica Lee, a demora de retorno ao trabalho presencial empurrou para 2021 pelo menos um quarto das devoluções previstas para os próximos meses. No ano que vem, os dados do setor devem ser influenciados também por inaugurações. “O fato é que a situação das empresas ficou mais difícil. E, sem dúvida, muitas delas estão reavaliando os custos com escritórios”, afirma. 

Segundo pesquisa da KPMG, um número crescente de empresas só pretende voltar ao escritório em 2021. O movimento foi anunciado por empresas do setor financeiro, como a XP, e por gigantes de tecnologia, como o Google. A lista de grandes negócios que estão revendo sua ocupação é longa: inclui o Banco do Brasil, que vai devolver 38% dos escritórios que hoje ocupa; o Itaú, que faz um estudo sobre o tema; e o laboratório Fleury, que decidiu concentrar toda a operação de São Paulo em um edifício a ser inaugurado em 2022 e vai apostar fortemente no home office.

A movimentação mais visível é a dos grandes negócios – mas eles estão longe de estar sozinhos ao tentar decifrar como será o escritório do futuro. O comportamento das empresas de serviços, que têm gastos com pessoal e aluguel como principais custos, está levando a cortes até mais radicais do que o das gigantes nacionais.

O escritório Kincaid Mendes Vianna Advogados, do Rio de Janeiro, decidiu fechar a unidade de São Paulo. “A gente ocupava um latifúndio. Eram 400 m² para uma equipe de dez pessoas”, explica o sócio que atua na operação paulistana, Lucas Leite Marques. Resultado: agora o time todo trabalha de casa, e a empresa eliminou cerca de 60% de seus custos em São Paulo.

“Queremos agora repensar, talvez ter salas em diferentes pontos da cidade – vamos olhar opções mais flexíveis”, diz.

Segundo advogados consultados pelo Estadão, a não ser no caso de prédios construídos sob medida para grandes companhias, o custo de trocar de escritório é relativamente baixo. Valem mais ou menos as mesmas regras de uma locação residencial: quanto mais perto do fim do contrato, menor é a multa de saída. Diante do potencial da economia envolvida, dizem especialistas, não se trata de um custo impeditivo à mudança.

Apesar de o cenário para o mercado de escritórios ser negativo, o executivo André Freitas, da Hedge Investments, que administra R$ 6 bilhões em fundos imobiliários, acredita na força de imóveis corporativos “triple A” (altíssimo padrão). “A valorização real de 50% que a gente previa nos próximos cinco anos não vai mais acontecer. Isso talvez caia a 20% ou 30%.”