domingo, 6 de setembro de 2020

O POETA DA REVOLUÇÃO (E DO AMOR)! Célia Cordeiro (SP). do zap

 O POETA DA REVOLUÇÃO (E DO AMOR)!                  

“Um dia, quem sabe, /ela, que também gostava de bichos, apareça /numa alameda do zôo, sorridente/tal como agora está no retrato sobre a mesa/Ela é tão bela, que, por certo, hão de ressuscitá-la./Vosso Trigésimo Século ultrapassará o exame de mil nadas/que dilaceravam o coração/Então, de todo amor não terminado/ seremos pagos em inumeráveis noites de estrelas/Ressuscita-me/ nem que seja só porque te esperava como um poeta/repelindo o absurdo quotidiano!/Ressuscita-me!/Quero viver até o fim o que me cabe!/Para que o amor não seja mais escravo de casamentos/Concupiscência/Salários/Para que maldizendo os leitos/ Saltando dos coxins/o amor se vá pelo universo inteiro/Para que o dia/que o sofrimento degrada/ Não vos seja chorado, mendigado/ E que, ao primeiro apelo:CAMARADAS!/ Atenta se volte a Terra inteira./Para viver livre dos nichos das casas./ Para que doravante/ a família seja/ o pai,/pelo menos o Universo,/ a mãe, /pelo menos a Terra." 

Em 1923 este poema, “O Amor", foi escrito por ninguém menos que Vladimir Maiakovski, o poeta da Revolução Russa. Desde 1910, com 17 anos então, tornou-se um bolchevique, tendo sido até preso pelo regime czarista por subversão. Com a vitória dos socialistas em 1917 ele se dedicou a formar educadores para o povo, criar uma arte engajada que, no entanto, dialogava perigosamente com o cubismo-futurismo, distante do realismo soviético que foi pregado principalmente a partir da ascensão de Stalin no comando da União Soviética(1922-1953). Maiakovski é tido como um dos maiores poetas do século XX, rivalizando com TS Elliot e Ezra Pound. Seu texto era solto, militante sem ser piegas, buscando auxiliar na construção do comunismo na URSS e no mundo, conclamando os operários a terem uma visão para além da política sobre a Revolução de Outubro,  também existencial, ele acreditava no materialismo histórico e no marxismo como motores de uma sociedade sem desigualdades, sem exploração, através da ação da classe trabalhadora consciente da beleza de sua força, da sua solidariedade. No poema aqui postado notamos sua crença numa constante evolução da ciência que levaria o ser humano a prescindir do trabalho, das convenções burguesas, certo de que seria possível até a ressurreição pelo conhecimento. Os rumos do stalinismo cortaram seus sonhos, foi perseguido por sua estética considerada burguesa, sofreu por um amor não correspondido e segundo Roman Jakobson, linguista e amigo de Maiakovski, ele se suicidou (mais uma alma dilacerada numa sociedade eivada de totalitarismo) em 1930, deixando uma nota onde se lia "Não quero mais viver num mundo de mortos, prefiro morrer antes". Caetano Veloso tem uma canção que faz uma releitura do poema "O Amor" que Gal Costa gravou no disco "Fantasia " de 1981. Vou mandar o link de presente para meus amigos, amigas, familiares. E deixo mais uma epifania de Maiakovski, meu amigo, igualmente, é dele o poema lido por Dilma Rousseff após o golpe se perpetrar, 31 de agosto de 2016:                                                          

“Fiz ranger as folhas de jornal


Abrindo-lhes as pálpebras piscantes.


E logo


De cada fronteira distante


Subiu um cheiro de pólvora


Perseguindo-me até em casa.


Nestes últimos vinte anos


Nada de novo há


No rugir das tempestades


Não estamos alegres,


É certo,


Mas também por que razão


Haveríamos de ficar tristes?


O mar da história


É agitado.


As ameaças


E as guerras


Havemos de atravessá-las.


Rompê-las ao meio,


Cortando-as


Como uma quilha corta


As ondas.“ (“E então, o que quereis?”, 1927, este “musicado” por João Bosco em 1989). Bom  domingo, repleto de poesia e “luta contra as misérias do cotidiano”. Célia Cordeiro (SP).


https://youtu.be/cBxMFb8igus.                         https://youtu.be/ApXp7Uee9GY.

Botín: restaurante mais antigo do mundo luta para sobreviver à pandemia, OESP

 João Paulo Carvalho, ESPECIAL PARA O ESTADO

05 de setembro de 2020 | 21h56

MADRI - Acostumado a receber milhares de turistas, o restaurante mais antigo do mundo está às moscas em pleno verão europeu. Localizado no centro de Madri, o Botín, fundado em 1725, luta para sobreviver à pandemia depois de ficar mais de três meses sem abrir as portas. “A verdade é que foi um golpe muito duro e que surpreendeu todos. Nunca havíamos fechado antes. Nem mesmo durante a Guerra Civil Espanhola, de 1936 a 1939. Meu avô continuou alimentando os civis e militares enquanto via as bombas caírem. Agora estamos tentando correr atrás do prejuízo para que esses 295 anos de história permaneçam vivos”, afirma o gerente Antonio González.


Restaurante Botín
O restaurante Botín, em Madri, o mais antigo do mundo em atividade (foi fundado em 1725). Foto: João Paulo Carvalho

O local foi fechado em 14 de março, quando a Espanha decretou o estado de alarme no país e, consequentemente, toda a população foi confinada. No dia 1.º de julho, o Botín voltou a funcionar. O faturamento pós-reabertura, entretanto, não chegou nem perto dos anos anteriores. Sem os habituais turistas, Madri se transformou numa cidade de pouco movimento. “Tem muitos hotéis de luxo e albergues na Plaza Mayor. É um local turístico. Com um número bem menor de estrangeiros hospedados na região, principalmente os ingleses e alemães, perdemos grande parte do nosso público”, diz González.

Com uma arquitetura preciosa, o restaurante de três andares tem salas de diferentes períodos históricos. A parte subterrânea é a mais charmosa e lembra uma imponente taberna. A especialidade da casa é o cochinillo (leitão assado). Outros pratos como as croquetas de jamón (croquetes de presunto) e o gazpacho (sopa fria de tomates) também são referências da tradicional cozinha madrilenha. Os protocolos sanitários contra a propagação da covid-19 obrigaram o Botín a reduzir o número de mesas na parte interna: agora são apenas 15. O restaurante também instalou lugares na área externa, além de tomar a temperatura de todos os clientes.


Restaurante Botín
O restaurante Botín, em Madri, o mais antigo do mundo em atividade, é hoje comandado pelo gerente Antonio González.  Foto: João Paulo Carvalho

Por enquanto, o Botín não precisou demitir nenhum dos 75 funcionários. Tudo porque o governo de Pedro Sánchez, primeiro-ministro da Espanha, proibiu as empresas de despedir seus empregados durante a crise. A coalizão de esquerda subsidiou uma espécie de desemprego temporário, que é pago pelo Estado. Apesar de não ter demitido ninguém, apenas 12 pessoas estão trabalhando no restaurante atualmente. Sendo assim, os antes sete cozinheiros se converteram em apenas dois. González, portanto, foi obrigado a diminuir o número de pratos do tradicional cardápio. Ainda de acordo com o gerente, a clientela teve uma redução de 90%. “Antes, em pleno mês de agosto, costumávamos receber 600 pessoas por dia. Com a pandemia, esse número caiu para 60. A meta agora é tentar reduzir os prejuízos mensais”, explica. 

Mesmo com o restaurante fechado, o famoso fogão a lenha, uma das atrações da casa, continuou sendo aceso todos os dias. O responsável por isso é o funcionário Marcos, que vive em frente ao estabelecimento. “Não queríamos correr o risco de que ele parasse de funcionar. São muitos anos de tradição e o fogão a lenha nunca foi apagado. É a nossa tocha olímpica e que mantém o espírito da família vivo desde 1725”, complementa González. 

Refúgio de artistas e escritores. Apesar de ser tradicionalmente espanhol, o nome Botín é francês. Tudo começou quando o cozinheiro Jean Botín se mudou para Madri com a mulher de Astúrias e decidiu abrir o negócio na rua de Cuchilleros, número 17. O objetivo era oferecer o melhor da gastronomia espanhola no coração da cidade.

Desde então, nomes como Vladimir Putin, atual presidente da Rússia, e Jimmy Carter, ex-presidente dos Estados Unidos, passaram pelo local e fizeram elogios escancarados ao famoso cochinillo. 


Restaurante Botín
Patrimônio histórico de Madri, o Botín, que é considerado pela Revista Forbes como um dos dez melhores restaurantes clássicos do mundo. Foto: João Paulo Assis

Patrimônio histórico de Madri, o Botín, que é considerado pela Revista Forbes como um dos dez melhores restaurantes clássicos do mundo, também já foi o lugar predileto de algumas das personalidades mais importantes da cultura mundial. Em 1765, o pintor espanhol Francisco de Goya trabalhou no local como lavador de pratos. Recém-chegado à cidade, o jovem, então com 18 anos, buscava emprego para se manter em Madri. “Todas as crônicas da época apontam que Francisco de Goya trabalhou num restaurante ao lado da Plaza Mayor. Não havia outro naquela época, só esse”, explica Celso Solís, mestre do Botín há mais de 30 anos. 

O restaurante também aparece em diversas obras literárias. Escritores como Ernest Hemingway, Benito Pérez Galdós e Scott Fitzgerald já citaram o local em seus respectivos romances. Hemingway, que foi correspondente em Madri durante a Guerra Civil Espanhola, amava o cochinillo e o vinho caseiro do Botín. Certa vez, o norte-americano o classificou como um dos melhores restaurantes do mundo. Um dos trechos mais emblemáticos do clássico O Sol Também Se Levanta, inclusive, se passa no Botín (...Almoçamos escada acima na casa Botín. É um dos melhores restaurantes do mundo. Comemos leitão assado e bebemos rioja alta...). “De fato, é um lugar com muita cultura literária. Sou otimista em relação ao futuro. Tenho a impressão de que em breve essas mesas estarão cheias novamente. Hemingway ficaria contente”, brinca González. 


Hélio Schwartsman Cidades ficarão vazias?, FSP

A pandemia pôs os ricos para correr das grandes cidades. A procura por propriedades mais espaçosas nas imediações de megalópoles aumentou em vários lugares. Em Nova York, registraram-se até filas para visitar casas à venda nos subúrbios. Os preços, é claro, acompanharam. Quem tem os meios não resiste à tentação de, de uma só vez, obter mais conforto e segurança para a família. Já há até quem prognostique o esvaziamento das megalópoles.

Sou cético em relação à ideia de que a Covid-19 provocará profundas e duradouras mudanças comportamentais. No caso das grandes cidades, estou até disposto a apostar algum dinheiro na tese de que elas conservarão seus atrativos e sua pujança.

Quem mata a charada é Bryan Caplan, quando observa que até misantropos preferem morar numa cidade apinhada de gente como Nova York, com 8 milhões de habitantes, a habitar um lugarejo como Hays, Kansas, com 20 mil viventes. E não é uma preferência casual. O misantropo, que, por definição, odeia pessoas, paga vários milhares de dólares a mais para estar na superpovoada Manhattan do que gastaria fixando-se na erma Hays. Por quê?

A resposta são as escolhas. Em Hays, o misantropo logo esgotaria suas opções. Teria de encomendar sempre a mesma pizza, comprar nas mesmas lojas, ver os mesmos rostos. Alguns até ousariam falar com ele. O que torna Nova York atrativa é que ela traz possibilidades quase inesgotáveis. E o que assegura o dinamismo, e a riqueza, de uma metrópole é o que o misantropo odeia: pessoas. Só existem tantas escolhas em Nova York porque há um mar de gente para oferecer bens e serviços e para consumi-los.

Passada a pior fase da epidemia, misantropos e filantropos voltarão a aglomerar-se em cidades, como a humanidade tem feito desde o advento da agricultura. Se germes muito mais letais como os da peste e da varíola não mataram as cidades, não será a Covid-19 que o fará.

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Hélio Schwartsman

Jornalista, foi editor de Opinião. É autor de "Pensando Bem…".