O POETA DA REVOLUÇÃO (E DO AMOR)!
“Um dia, quem sabe, /ela, que também gostava de bichos, apareça /numa alameda do zôo, sorridente/tal como agora está no retrato sobre a mesa/Ela é tão bela, que, por certo, hão de ressuscitá-la./Vosso Trigésimo Século ultrapassará o exame de mil nadas/que dilaceravam o coração/Então, de todo amor não terminado/ seremos pagos em inumeráveis noites de estrelas/Ressuscita-me/ nem que seja só porque te esperava como um poeta/repelindo o absurdo quotidiano!/Ressuscita-me!/Quero viver até o fim o que me cabe!/Para que o amor não seja mais escravo de casamentos/Concupiscência/Salários/Para que maldizendo os leitos/ Saltando dos coxins/o amor se vá pelo universo inteiro/Para que o dia/que o sofrimento degrada/ Não vos seja chorado, mendigado/ E que, ao primeiro apelo:CAMARADAS!/ Atenta se volte a Terra inteira./Para viver livre dos nichos das casas./ Para que doravante/ a família seja/ o pai,/pelo menos o Universo,/ a mãe, /pelo menos a Terra."
Em 1923 este poema, “O Amor", foi escrito por ninguém menos que Vladimir Maiakovski, o poeta da Revolução Russa. Desde 1910, com 17 anos então, tornou-se um bolchevique, tendo sido até preso pelo regime czarista por subversão. Com a vitória dos socialistas em 1917 ele se dedicou a formar educadores para o povo, criar uma arte engajada que, no entanto, dialogava perigosamente com o cubismo-futurismo, distante do realismo soviético que foi pregado principalmente a partir da ascensão de Stalin no comando da União Soviética(1922-1953). Maiakovski é tido como um dos maiores poetas do século XX, rivalizando com TS Elliot e Ezra Pound. Seu texto era solto, militante sem ser piegas, buscando auxiliar na construção do comunismo na URSS e no mundo, conclamando os operários a terem uma visão para além da política sobre a Revolução de Outubro, também existencial, ele acreditava no materialismo histórico e no marxismo como motores de uma sociedade sem desigualdades, sem exploração, através da ação da classe trabalhadora consciente da beleza de sua força, da sua solidariedade. No poema aqui postado notamos sua crença numa constante evolução da ciência que levaria o ser humano a prescindir do trabalho, das convenções burguesas, certo de que seria possível até a ressurreição pelo conhecimento. Os rumos do stalinismo cortaram seus sonhos, foi perseguido por sua estética considerada burguesa, sofreu por um amor não correspondido e segundo Roman Jakobson, linguista e amigo de Maiakovski, ele se suicidou (mais uma alma dilacerada numa sociedade eivada de totalitarismo) em 1930, deixando uma nota onde se lia "Não quero mais viver num mundo de mortos, prefiro morrer antes". Caetano Veloso tem uma canção que faz uma releitura do poema "O Amor" que Gal Costa gravou no disco "Fantasia " de 1981. Vou mandar o link de presente para meus amigos, amigas, familiares. E deixo mais uma epifania de Maiakovski, meu amigo, igualmente, é dele o poema lido por Dilma Rousseff após o golpe se perpetrar, 31 de agosto de 2016:
“Fiz ranger as folhas de jornal
Abrindo-lhes as pálpebras piscantes.
E logo
De cada fronteira distante
Subiu um cheiro de pólvora
Perseguindo-me até em casa.
Nestes últimos vinte anos
Nada de novo há
No rugir das tempestades
Não estamos alegres,
É certo,
Mas também por que razão
Haveríamos de ficar tristes?
O mar da história
É agitado.
As ameaças
E as guerras
Havemos de atravessá-las.
Rompê-las ao meio,
Cortando-as
Como uma quilha corta
As ondas.“ (“E então, o que quereis?”, 1927, este “musicado” por João Bosco em 1989). Bom domingo, repleto de poesia e “luta contra as misérias do cotidiano”. Célia Cordeiro (SP).
https://youtu.be/cBxMFb8igus. https://youtu.be/ApXp7Uee9GY.
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