sábado, 5 de setembro de 2020

Hélio Schwartsman O que Deus pensa do aborto?, FSP

 

Não acredito em Deus, mas, se ele existisse, não faria mais do que objeções leves ao aborto. Quais as minhas evidências para afirmar isso? Vamos a elas.

Comecemos pelas Escrituras. O que diz a Bíblia sobre o aborto? Em Êxodo 21:22, salvo melhor juízo, Deus estabelece que o aborto é mera contravenção, não crime equiparável a assassinato: “Se alguns homens brigarem, e um ferir uma mulher grávida, e for causa de que aborte, não resultando, porém, outro dano, este será multado, conforme o que lhe impuser o marido da mulher, e pagará segundo o arbítrio dos juízes; mas se resultar dano, então darás [como pena] vida por vida, olho por olho, dente por dente, mão por mão, pé por pé, queimadura por queimadura, ferida por ferida, golpe por golpe”.

Antes que me contestem a tradução do verbo hebraico “yalad” (literalmente “pôr para fora”) por “abortar”, esclareço desde já que essa foi a opção (“facere abortivum”) dos tradutores da Vulgata, a versão latina do Antigo Testamento, oficial para os católicos.

Para quem não liga tanto para textos velhos e prefere buscar a moral no plano divino, a situação não é mais confortável. De 65% a 75% dos óvulos humanos que são fecundados não se fixam no útero, resultando em abortos precoces que a mulher nem percebe. Se Deus desenhou o sistema reprodutivo humano com tal característica, parece lícito concluir que ele não considera os embriões um recurso muito valioso, ou não desperdiçaria tantos. Não estamos falando de um ou outro zigoto perdido, mas de um contingente que tornaria a população humana entre duas e três vezes maior em todas as épocas.

Não penso que hospitais devam virar delegacias, como parece querer o governo Bolsonaro. O prejuízo para a saúde pública seria enorme, pois não apenas pessoas deixariam de procurar os serviços de saúde quando necessário como ainda mentiriam para os médicos, dificultando os diagnósticos.

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Hélio Schwartsman

Jornalista, foi editor de Opinião. É autor de "Pensando Bem…".

Hélio Schwartsman Estelionatos eleitorais, FSP

 

Com o arremedo de reforma administrativa apresentado pelo governo, o estelionato eleitoral perpetrado pelo presidente Jair Bolsonaro é maior até do que o cometido por Dilma Rousseff. Enquanto as antinomias dilmescas ficaram mais ou menos restritas à economia, as do capitão reformado dizem respeito a praticamente todos os eixos de sua campanha. Ele, afinal, renegou as três bandeiras que o elegeram: o rompimento com a velha política, a luta contra a corrupção e a reforma liberal do Estado.

A diferença é que as mentiras eleitorais da petista ficaram escancaradas poucas semanas depois do pleito, já as do militar foram aparecendo aos poucos, diluídas em um ano e meio de administração. E, quando as coisas acontecem paulatinamente, as pessoas se acostumam com tudo, até com a sideral cifra de mil mortos por dia registrada no auge da epidemia de Covid-19, outro fracasso da atual gestão.

Também relevante para a popularidade é que, enquanto Dilma presidiu a uma transição da bonança para a recessão, Bolsonaro assumiu o comando já numa situação de penúria e não foi capaz de promover um crescimento perceptível. O primeiro quadro, mas não o segundo, leva a um sentimento de perda que não raro resulta em revolta contra o governante.

É aqui que nos deparamos com o que pode ser uma armadilha para Bolsonaro. O Brasil foi eficaz —alguns diriam pródigo— em promover um programa emergencial de renda para as famílias, que evitou a explosão social nas quarentenas. Mas não foi tão bem na ajuda às empresas, muitas das quais, especialmente as pequenas, não sobreviverão. E, se não houver postos de trabalho para assegurar renda à população depois que o auxílio emergencial acabar, poderemos ter problemas sérios, com grande potencial de impacto sobre a popularidade presidencial. A inflação de alimentos, outro fator conhecido de revolta, que já dá as caras, tampouco ajuda Bolsonaro.

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Hélio Schwartsman

Jornalista, foi editor de Opinião. É autor de "Pensando Bem…".