segunda-feira, 6 de julho de 2020

Ruy Castro Do Sputnik ao hot dog, FSP

Os EUA acolheram Sergei Khrushchov; eles não acreditam em comunismo

  • 10

Morreu em Rhode Island, aos 84 anos, Serguei Krushev. Era um cientista russo, radicado nos EUA e, desde 1999, cidadão americano. Krushev? Sim, o dr. Serguei era filho de Nikita Krushev, secretário-geral do Partido Comunista e premiê da URSS de 1955 a 1964, o pior período da Guerra Fria. Para quem matou aquela aula, Guerra Fria era o tênue equilíbrio mantido por EUA e URSS para não mandar o mundo pelos ares com suas armas nucleares. Dois grandes filmes foram feitos a respeito em 1964: "Dr. Fantástico", de Stanley Kubrick, e "Limite de Segurança", de Sidney Lumet.

Nikita não era mole. Assim que assumiu, denunciou os crimes de seu lendário antecessor, Josef Stálin, como os expurgos e execuções em massa de supostos inimigos, o que abalou a fé dos comunistas em toda parte. Mas também esmagou uma revolta liberal na Hungria, internou dissidentes em hospícios e bateu com o sapato na mesa numa reunião do Conselho de Segurança da ONU —o mesmo sapato com que quase deu na cara de Mao Tsé-tung.

Seu filho Serguei era engenheiro do programa espacial soviético, que, em 1957, lançou o satélite Sputnik, e uma autoridade em mísseis —deve ter apontado pelo menos um contra Nova York. Mas Serguei estava com Nikita quando este visitou os EUA, em 1959, a convite do governo americano. Contou depois que, até para seu pai, era como "estar em Marte" —arranha-céus, estradas, supermercados, hot dog. Foram até apresentados a Marilyn Monroe! E só não visitaram a Disneylândia, para decepção de Nikita, por questões de segurança.

O comunismo acabou em 1989 e, dois anos depois, Serguei foi para a América, para trabalhar no programa de... mísseis. Não era um dissidente, era um técnico. Os americanos lhe abriram seus segredos. Não se arrependeram.

Tivesse vindo para o Brasil, Serguei Krushev morreria desempregado. Por aqui ainda há quem acredite no comunismo.

O engenheiro Serguei Krushev (filho de Nikita Krushev), que vivia nos EUA e morreu em 25.jun.2020
O engenheiro Serguei Krushev (filho de Nikita Krushev), que vivia nos EUA e morreu em 25.jun.2020, aos 84 anos - Reprodução
Ruy Castro

Jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues.

Aglomerados e sem máscaras, banhistas brincam com a morte na praia em SP, FSP

UBATUBA (SP)

​Três adolescentes mais ou menos da mesma idade caminham juntas na praia. Duas são ruivas; a outra tem feições orientais e pele bronzeada de sol. O grupo cruza uma quarta jovem, com a cabeleira parcialmente descolorida, que vinha no sentido oposto.

Elas gritam e pulam e se beijam e se abraçam.

Seriam todas irmãs que moram juntas, num surto inexplicável de bobeira? Remotamente, mui remotamente possível. O mais provável é que sejam amigas, separadas desde o início da pandemia, num efusivo reencontro para as férias no litoral.

O inverno de 2020 promete em Ubatuba. Se o que eu vi no dia 1º de julho for tendência em outras praias brasileiras, a temporada será de agravamento da pandemia de Covid-19.

Em tese, as praias estão fechadas para o lazer. É permitida apenas a prática desportiva individual —surfe, natação, corrida e caminhada, entre outras modalidades. Mas a Prefeitura de Ubatuba admite ser incapaz de controlar o acesso de banhistas à faixa de areia. São 70 praias em 80 quilômetros de orla. Em Itamambuca, nenhum fiscal à vista.

Como o banho de mar é vetado, a Cetesb sequer se dá ao trabalho de analisar a água. Os boletins mais recentes de balneabilidade têm a data de 15 de março.

Os visitantes parecem não se importar. Famílias com crianças pequenas rolam na areia grossa da rebentação. No canto sul da praia, o rio Itamambuca despeja uma quantidade variável de esgoto cru no oceano. Quando há a análise microbiológica, a bandeirinha da Cetesb oscila entre o verde e o vermelho, a depender dos humores do céu e do mar.

Tampouco há salva-vidas em serviço. No primeiro dia do mês, entretanto, eles estavam em treinamento na praia.

Cerca de 20 bombeiros corriam, entoavam gritos de guerra, erguiam um bote, corriam com o bote erguido e gritavam um pouco mais, sem máscaras e decididamente aglomerados. Um pequeno grupo de curiosos se aglomerava para assistir ao exercício. Sem máscaras. Os salva-vidas, que são policiais militares, se exibiam orgulhosos.

As leis estadual e municipal exigem o uso de máscara na praia, mas ninguém cobre o rosto. Correção: há um sorveteiro mascarado. Perguntei à prefeitura se ele poderia trabalhar ali, mas não obtive resposta.

Mais do que a ausência de máscaras, salta aos olhos a ausência de preocupação.

Os banhistas se reúnem em rodinhas, jogam frescobol, compartilham cigarros e latinhas, aproximam-se dos outros sem pudor. Todos riem e se tocam. Fico até constrangido por fugir da presença humana como se fosse a peste. E é.

Na volta da minha caminhada, dois surfistas passaram zunindo no meu ouvido direito, correndo com as pranchas no sovaco. Não os vi chegando e tomei um susto. Compro um retrovisor para o próximo passeio?

Itamambuca, como o Leblon dos botecos lotados, brinca de roleta-russa com o vírus. Brinca como se fosse o ano passado. Zomba da morte.

Já sabemos como isso vai terminar.