sábado, 4 de julho de 2020

Como a pandemia vai mudar a cara e a organização dos apartamentos, FSP

Imóveis arejados e espaçosos, com revestimentos fáceis de limpar, devem ser mais valorizados, segundo arquitetos

SÃO PAULO

Antes da pandemia, a tendência nas metrópoles era construir apartamentos cada vez menores, em prédios com áreas compartilhadas. O isolamento mudou tudo: colocou as pessoas em casa, e a casa no centro das atenções.

Segundo arquitetos, várias transformações, como a adoção do home office, vieram para ficar. Depois da quarentena, outras novidades, como o uso de bicicletas para se locomover, podem mudar ainda mais a cara das residências. Veja essas e outras previsões.

ESCRITÓRIOS PLANEJADOS

Os novos empreendimentos residenciais já devem ser entregues com um espaço reservado para home office.

Quando não há área disponível, uma opção é a volta de escrivaninhas nos quartos, prática comum nos anos 1990. Em dormitórios pequenos, é possível fazer esse móvel em uma versão retrátil, afirma Mila Strauss, arquiteta da MM18.

Já nos espaços de coworking em áreas comuns dos condomínios, ganha força os chamados "phone booths", espécie de casinha reservada, para evitar a proximidade física entre os moradores. A divisória pode ser feita nos corredores dos prédios, diz Strauss.

ESPAÇO PARA DESCONTAMINAÇÃO

Criar um área para deixar sapatos, roupas e compras, de preferência na entrada da casa, é uma tendência trazida pelo coronavírus.

"No Japão, o hall é usado para deixar os sapatos. Agora isso chega para nós", diz a arquiteta Fernanda Rubatino.

Segundo Mila Strauss, é possível incluir isso já no projeto dos edifícios, com um local reservado para deixar calçados do lado de fora dos apartamentos. "É um hábito que deixa a casa mais limpa", afirma.

DECORAÇÃO CONFORTÁVEL

As últimas feiras de arquitetura e design já destacavam o uso de materiais naturais, de acordo com Rubatino.

Para ela, mais tempo em casa vai significar mais busca por conforto. O estilo escandinavo "hygee" é um dos que devem ser adotados nos projetos. "É um estilo que busca a memória, o uso de texturas que trazem aconchego", diz.

MATERIAIS FÁCEIS DE LIMPAR

Tudo o que for poroso deve ser evitado pela dificuldade de higienização, afirma o arquiteto Eduardo Manzano, especialista na área de hospitalidade e em planejamento de cidades inteligentes.

Pedras e madeiras rústicas devem cair em desuso. Já granitos, porcelanatos e rejuntes de epóxi podem se tornar escolhas mais frequentes.

Isso não significa, no entanto, que as casas vão ser todas revestidas de porcelanato. Espera-se que a indústria desenvolva uma gama maior de produtos para higienização, diz Teresa Mascaro, arquiteta.

COZINHAS COM MAIS ARMÁRIOS

A pandemia fez com que as pessoas cozinhassem mais, e essa revolução deve ter impacto nas cozinhas. Segundo Manzano, o cômodo ganhou importância e vai ter que ser repensado: "Não adianta fazer uma cozinha com um metro e vinte de largura", diz.

O ambiente ganha outra função: a de armazenar compras. Para quem não tem despensa, a ideia é usar armários altos para estoque de não perecíveis, sugere Mila Strauss.

A área de serviço, que diminuiu com o tempo nos apartamentos, pode ser usada para completar o arsenal culinário com uma hortinha de temperos, diz a arquiteta.

BICICLETA COMO TRANSPORTE

Em países como a França, o relaxamento da quarentena veio com políticas para impulsionar o uso da bicicleta, que traz menos risco de contágio que transportes públicos.

Além dos já conhecidos ganchos para pendurar as bikes em casa, é esperado que os condomínios tenham mais espaço para guardá-las.

Em um de seus projetos de prédios, Mila Strauss vai criar um ambiente com tomadas para bikes elétricas e um armário de ferramentas básicas.

PLANTAS MAIORES

Durante a quarentena, pessoas que moram em apartamentos têm procurado espaços maiores e casas, afirma Teresa Mascaro. "Elas querem estar mais perto da natureza, com mais verde", diz.

Na busca por ambientes arejados, imóveis antigos, que costumam ter janelas e plantas maiores, devem ser mais buscados, diz Manzano.

Para garantir ambientes funcionais, alguns espaços poderão ser sacrificados. É o caso da varanda gourmet, que perdeu parte da sua função de receber eventos. Segundo o arquiteto, ela pode ceder espaço para a construção de um escritório, por exemplo.

A incógnita, segundo o Manzano, são os imóveis pequenos, de cerca de 30 m². "Muita gente tem falado que os projetos serão modificados para mobiliários mais funcionais. Mas as pessoas estão mais em casa, não sei como fica a sanidade delas", afirma.

Vazamento mostra Vale do Silício acuado e em revolta com jornalismo, FSP

Entre ameaças e assédio digital, saem os primeiros tiros na 'guerra cultural' entre tecnologia e imprensa

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É esperada para breve a entrada do Departamento de Justiça dos EUA no confronto com o Vale do Silício, em defesa dos jornais e demais veículos noticiosos.

Começou com o governo francês e depois o australiano, ambos demandando pagamento pelo uso das informações apuradas por jornalistas. E agora estaria quase pronta uma ação antitruste contra o Google, pela concentração das ferramentas de publicidade digital.

Bloomberg, do magnata Michael Bloomberg, já anuncia como uma vitória na campanha de anos do também magnata Rupert Murdoch, que mantém contato direto com o secretário de Justiça de Donald Trump, William Barr.

Robert Thomson, que editou os títulos de mais prestígio de Murdoch, The Times e The Wall Street Journal, e hoje é o principal executivo do grupo, voltou à carga nesta semana: "O jornalismo ao redor do mundo é sustentável. Tem algo errado é com o ecossistema".

Mas a posição já é bastante conhecida. Do outro lado, o que a tecnologia pensa do jornalismo? Não nos posts controlados de Mark Zuckerberg, do Facebook, mas nas salas fechadas.

Com a ilustração acima, o site Motherboard, da Vice, levantou um pouco a cortina ao divulgar, na noite de quinta-feira (2), uma conversa de uma hora entre executivos de tecnologia na Clubhouse, uma nova rede social por áudio.

Ainda em testes e só para convidados, que não passariam de 1.500, a plataforma se tornou ideia fixa no Vale do Silício, "furor du jour", na descrição da Wired. No Brasil, é tratada como "o app exclusivo para ricos e famosos".

Foi lá que a "elite" de tecnologia dialogou à vontade, na quarta à noite, sobre "como os jornalistas têm poder demais para 'cancelar' e o que eles, titãs do Vale do Silício, podem fazer sobre isso", descreve o Motherboard, que obteve uma gravação.

O estopim, ao menos o mais imediato, teria sido uma ironia da repórter Taylor Lorenz, do New York Times, sobre a própria Clubhouse, dizendo ser um lugar onde "às vezes pessoas entediadas falam qualquer coisa que vem à cabeça".

Um dos comentários sobre ela, na conversa posterior na rede social: "Não se pode bater em alguém e sair dizendo: 'Ei, eu tenho ovário, você não pode revidar'". Outro que viralizou: "Por que a imprensa tem o direito de investigar empresas privadas? Deixe o mercado decidir".

Boa parte dos questionamentos a Lorenz e ao jornalismo, por personalidades como o investidor Balaji Srinivasan, se voltou à suposta busca de cliques com as reportagens críticas ao Vale do Silício —e à suposta fragilidade dos executivos, seus alvos.

Os diálogos abriram imediatamente um amplo conflito público entre imprensa e tecnologia, entre Costa Leste, onde estão sediadas as principais corporações americanas de mídia, e Oeste, onde fica o Vale do Silício.

Kara Swisher, jornalista de referência na área, hoje no NYT, criticou "a mentalidade de vítima de algumas das pessoas mais ricas e poderosas no mundo, que controlam tanto da sociedade".

Balaji Srinivasan, que já vinha mirando Lorenz desde antes, ofereceu agora uma recompensa para a melhor análise legal, que ajude a acionar jornalista que "grava secretamente uma conversa privada": mil bitcoins.

E outros mil BTC para quem criar o melhor meme. Desde quinta, como resultado, a repórter está sob assédio em mídia social, com criação de perfis supostamente paródicos, usando seu nome, e os memes.

Para Emily Bell, da Universidade Columbia, seriam os primeiros tiros na "guerra cultural" entre tecnologia e imprensa.

Nelson de Sá

Jornalista, cobre mídia e política na Folha desde a eleição de 1989.