sábado, 4 de julho de 2020

Vazamento mostra Vale do Silício acuado e em revolta com jornalismo, FSP

Entre ameaças e assédio digital, saem os primeiros tiros na 'guerra cultural' entre tecnologia e imprensa

  • 5

É esperada para breve a entrada do Departamento de Justiça dos EUA no confronto com o Vale do Silício, em defesa dos jornais e demais veículos noticiosos.

Começou com o governo francês e depois o australiano, ambos demandando pagamento pelo uso das informações apuradas por jornalistas. E agora estaria quase pronta uma ação antitruste contra o Google, pela concentração das ferramentas de publicidade digital.

Bloomberg, do magnata Michael Bloomberg, já anuncia como uma vitória na campanha de anos do também magnata Rupert Murdoch, que mantém contato direto com o secretário de Justiça de Donald Trump, William Barr.

Robert Thomson, que editou os títulos de mais prestígio de Murdoch, The Times e The Wall Street Journal, e hoje é o principal executivo do grupo, voltou à carga nesta semana: "O jornalismo ao redor do mundo é sustentável. Tem algo errado é com o ecossistema".

Mas a posição já é bastante conhecida. Do outro lado, o que a tecnologia pensa do jornalismo? Não nos posts controlados de Mark Zuckerberg, do Facebook, mas nas salas fechadas.

Com a ilustração acima, o site Motherboard, da Vice, levantou um pouco a cortina ao divulgar, na noite de quinta-feira (2), uma conversa de uma hora entre executivos de tecnologia na Clubhouse, uma nova rede social por áudio.

Ainda em testes e só para convidados, que não passariam de 1.500, a plataforma se tornou ideia fixa no Vale do Silício, "furor du jour", na descrição da Wired. No Brasil, é tratada como "o app exclusivo para ricos e famosos".

Foi lá que a "elite" de tecnologia dialogou à vontade, na quarta à noite, sobre "como os jornalistas têm poder demais para 'cancelar' e o que eles, titãs do Vale do Silício, podem fazer sobre isso", descreve o Motherboard, que obteve uma gravação.

O estopim, ao menos o mais imediato, teria sido uma ironia da repórter Taylor Lorenz, do New York Times, sobre a própria Clubhouse, dizendo ser um lugar onde "às vezes pessoas entediadas falam qualquer coisa que vem à cabeça".

Um dos comentários sobre ela, na conversa posterior na rede social: "Não se pode bater em alguém e sair dizendo: 'Ei, eu tenho ovário, você não pode revidar'". Outro que viralizou: "Por que a imprensa tem o direito de investigar empresas privadas? Deixe o mercado decidir".

Boa parte dos questionamentos a Lorenz e ao jornalismo, por personalidades como o investidor Balaji Srinivasan, se voltou à suposta busca de cliques com as reportagens críticas ao Vale do Silício —e à suposta fragilidade dos executivos, seus alvos.

Os diálogos abriram imediatamente um amplo conflito público entre imprensa e tecnologia, entre Costa Leste, onde estão sediadas as principais corporações americanas de mídia, e Oeste, onde fica o Vale do Silício.

Kara Swisher, jornalista de referência na área, hoje no NYT, criticou "a mentalidade de vítima de algumas das pessoas mais ricas e poderosas no mundo, que controlam tanto da sociedade".

Balaji Srinivasan, que já vinha mirando Lorenz desde antes, ofereceu agora uma recompensa para a melhor análise legal, que ajude a acionar jornalista que "grava secretamente uma conversa privada": mil bitcoins.

E outros mil BTC para quem criar o melhor meme. Desde quinta, como resultado, a repórter está sob assédio em mídia social, com criação de perfis supostamente paródicos, usando seu nome, e os memes.

Para Emily Bell, da Universidade Columbia, seriam os primeiros tiros na "guerra cultural" entre tecnologia e imprensa.

Nelson de Sá

Jornalista, cobre mídia e política na Folha desde a eleição de 1989.

Nenhum comentário: