domingo, 10 de maio de 2020

Elio Gaspari Leitos de hospitais do Rio estão vazios porque instituições foram sucateadas, FSP

Enquanto governos abrem hospitais de campanha e seus hierarcas dão entrevistas, cidade tem cerca de 1.500 leitos vazios

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epidemia expôs a ruína da medicina pública do Rio. Enquanto os governos abrem hospitais de campanha e seus hierarcas dão entrevistas, a cidade tem cerca de 1.500 leitos vazios. Mais de mil deles estão em hospitais federais e universitários. Estão vazios porque as instituições foram sucateadas (e sucatearam-se) em termos de equipamentos e recursos humanos.
O governo do município ofereceu mil vagas para médicos com salários de R$ 4.411 a R$ 11 mil por jornadas de 12 a 30 horas semanais. Apareceram muitos currículos, mas os interessados chegam num ritmo de pinga-pinga.
O Hospital Universitário da UFRJ, no Fundão, tem 200 leitos, ganhou 60 outros e, destes, 50 estão vazios. Ele foi construído sonhando ser o melhor do Brasil. O Hospital dos Servidores do Estado (federal), que já foi o melhor, está com 130 leitos vazios.
Essa desgraça aconteceu por razões compreensíveis e também por motivos irracionais. Se o município oferece mil vagas temporárias e elas ainda não foram preenchidas, os médicos têm seus motivos, ora porque querem ganhar o que acham justo, ora porque não pretendem fazer biscates.
Os motivos irracionais aparecem quando se vê o caso dos hospitais universitários federais. Durante o governo de Dilma Rousseff foi criada a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares, a Ebserh, e ela contrata celetistas, nada a ver com biscates. A UFRJ recusou-se a aderir às suas normas. Eram muitos os argumentos, mas o que robusteceu as militâncias foi a obrigação de bater ponto. Num debate dessa questão houve tapas e cusparadas.
Na rede privada, o médico é contratado por um salário em troca de uma carga horária. Na pública, vigoram um regime de dedicação exclusiva (com direito a manter a própria clínica em nome de um parente) e uma feira livre onde há os celetistas, as pessoas jurídicas, os terceirizados e os terceirizados dos terceirizados. Nessa barafunda de cargas horárias e vencimentos, há instituições que funcionam, mas avacalhou-se a estrutura.
Essa desorganização foi impulsionada no governo do “gestor” Sérgio Cabral e de seu secretário de Saúde, Sérgio Côrtes. Ambos foram para a cadeia e Cabral continua lá.

PAPAGAIOS DE CRISE

Existem dois tipos de papagaios: o de pirata, que aparece atrás de quem quer que seja, e o de crise. Este é especial, vive no andar de cima e canta o que os ministros da Economia querem ouvir. Guilherme Benchimol, da XP Investimentos, brilha nessa espécie, mas exagerou.
Quando a curva dos mortos apontava para a marca dos dez mil e num só dia ia-se para o recorde de 600 óbitos, o doutor disse o seguinte:
Eu diria que o Brasil está bem. Nossas curvas não estão tão exponenciais ainda, a gente vem conseguindo achatar. (...) O pico da doença já passou quando a gente analisa a classe média, classe média alta. O desafio é que o Brasil é um país com muita comunidade, muita favela, o que acaba dificultando o processo todo”.
De fato, um funcionário da XP foi contaminado pelo vírus em fevereiro, durante uma viagem à Itália, mas favela “dificultando o processo” é coisa que nunca se ouviu.
Benchimol fala bem de si ensinando que “todo fundo do poço tem uma mola”. Descobriu, mas não entendeu, que no fundo do poço há também favelas.

VIETNÃ, NENHUMA MORTE POR COVID-19. Por Frei Betto, do blog do professor de geografia

O Vietnã é, hoje, exemplo para o mundo de como enfrentar a pandemia. Com quase 96 milhões de habitantes e ocupando área pouco maior que a de Goiás, até 30 de abril não registrara uma única morte por Covid-19 entre os 270 infectados, dos quais 220 já tiveram alta hospitalar.
O isolamento social findou a 22 de abril, embora sejam mantidas medidas restritivas para bares, clubes, spas, teatros, centros esportivos etc. Estão proibidas reuniões com mais de 20 pessoas, e restaurantes e lanchonetes devem obedecer às diretrizes das autoridades locais.
O país, que faz fronteira com a China, já havia adquirido experiência de como lidar com outras modalidades de coronavírus, como a SARS (2002) e a MERS (2012). 
As cidades foram divididas em “alto risco”, “em risco” e “baixo risco”. Todos os cidadãos são obrigados ao uso de máscara e higiene rigorosa. Logo no início da pandemia, o Vietnã importou 200 mil kits de teste rápido da Coreia do Sul.
O governo ordenou que o Ministério da Saúde supervisionasse e detectasse precocemente casos infectados, monitorasse fronteiras, aeroportos e portos, principalmente de passageiros vindos de áreas afetadas.
Cessou a emissão de vistos para turistas em 30 de janeiro. Os serviços de trem entre Vietnã e China foram suspensos, exceto para trens de carga. No interior do país, passageiros de transporte público devem preencher formulários de declaração de saúde. Isso inclui ônibus de longo percurso, trens, barcos turísticos e voos domésticos.
Em 1º de abril, foram adotadas regras estritas de distanciamento social por 15 dias. As medidas incluíram isolamento e proibição de sair de casa, exceto para adquirir alimentos e medicamentos, desde que mantida distância de dois metros entre uma pessoa e outra. 
O país parou de exportar arroz a partir de 24 de março, para garantir a segurança alimentar da população. E lançou um aplicativo móvel que permite que todos os vietnamitas declarem seu estado de saúde. 
Os kits de teste fabricados pelo Vietnã foram aprovados pelos padrões europeus e receberam permissão para serem vendidos no Espaço Econômico Europeu, incluindo o Reino Unido. Embora seja um país pobre, doou US$ 100 mil em máscaras e equipamentos médicos ao Japão e, aos EUA, 200 mil máscaras e 450 mil roupas de proteção para profissionais de saúde. E cinco países europeus receberam 550 mil máscaras em apoio contra a pandemia.
Para não onerar a população, o governo cortou em 10%, por três meses, as contas de energia elétrica para empresas e residências. Máscaras e desinfetantes para as mãos foram adicionados a uma lista de produtos essenciais do programa de estabilização de preços, reduzidos de 5 a 10% em seu valor de mercado. Foi aprovado um plano para adiar a cobrança de US $ 7,6 bilhões em impostos e aluguel de terras para ajudar as empresas.
O Ministério das Finanças isentou de impostos, até o fim da pandemia, uma lista de suprimentos médicos, incluindo máscaras, desinfetantes para as mãos, filtros e equipamentos de proteção individual.
Agora, o governo estuda um pacote de emergência de US$ 2,73 bilhões para as pessoas e empresas afetadas pela Covid-19. E o primeiro-ministro propôs que o pacote de estímulo fiscal para revitalizar a economia passe de US$ 1,27 bilhão para US$ 6,36 bilhões.
O Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA (CDC) decidiu, em 27 de fevereiro, remover o Vietnã da lista de destinos vulneráveis  à transmissão comunitária do Covid-19, citando ações abrangentes do país contra a epidemia. Uma delegação do CDC viajou, em março, para o Vietnã, a fim de aprimorar a cooperação médica com os EUA. E decidiu abrir um escritório regional do CDC no país asiático. 

O Brasil não parece disposto a aprender a lição do Vietnã. Mas não resta dúvida de que aprenderá com a atual pandemia, ainda que ao trágico preço de inúmeras mortes. E, com certeza, frente ao próximo vírus agirá com menos descaso e mais seriedade.

sábado, 9 de maio de 2020

Márcio Rachkorsky Condomínios nunca mais serão os mesmos depois da pandemia, FSP


Há quase dois meses confinados nos apartamentos, moradores de condomínios fizeram descobertas incríveis, mudaram conceitos e quebraram paradigmas. Certamente, a percepção sobre o direito de vizinhança e a forma de morar nunca mais será como antes.
Dentre tantas novidades, algumas bastante singelas e outras mais profundas, valendo destacar:
1) Os funcionários da portaria e da limpeza não são mais invisíveis. Eles exercem atividades essenciais e merecem todo respeito e valorização;
2) O isolamento acústico é terrível, sobretudo nas construções mais novas e, muitas vezes, a culpa pelo barulho não é apenas do vizinho, que precisa viver em seu imóvel;
3) Há pessoas absolutamente mal-educadas, cujos hábitos desrespeitosos, por vezes insanos, se agravaram durante a pandemia. Para estes, é necessária a aplicação de multas pesadas;
4) Os síndicos exercem um papel primordial de liderança e merecem todo apoio e valorização;
5) Investir no aconchego de casa, cuidar da decoração, ter um lar equipado não é luxo algum, tampouco frescura, mas algo essencial para a dignidade. Depois que tudo isso passar, as pessoas investirão mais em suas moradias;
6) Adotar hábitos disciplinares simples de limpeza e higiene devem ser incorporados à rotina pós-quarentena, tais como limpar sapatos, tirar as roupas sujas assim que entrar em casa, lavar mais as mãos, não acumular louça na pia, guardar a bagunça, manter armários em ordem;
7) Comprar ou alugar um apartamento apenas em razão das áreas comuns (piscina, academia, quadras), sem avaliar as dimensões do imóvel e suas funcionalidades, pode ser uma furada. Os imóveis com cômodos mais espaçosos e arejados ganharam importância e isso é muito bom;
8) O boleto de condomínio é despesa prioritária, e pagar em dia é fundamental para manter o funcionamento a contento. Ficou evidente a importância de morar num condomínio com manutenção em ordem e contas saudáveis;
9) Há muita gente boa na vizinhança, pessoas educadas, conscientes, solidárias, talentosas. Aquele péssimo hábito de não falar com ninguém, de não conhecer ninguém, de só balançar a cabeça no elevador dará espaço, ao final desta jornada, ao fortalecimento das relações entre vizinhos;
10) É possível organizar atividades em grupo com os outros moradores, de forma a otimizar espaços e economizar dinheiro, como grupos de dança, de corrida, de ginástica e compras coletivas;
11) Reuniões e assembleias podem ser realizadas em ambiente virtual, de forma segura e civilizada, sem as famosas brigas e baixarias tão comuns em condomínios.
Quando tudo acabar e, apesar de toda tristeza e dificuldade, os condomínios estarão mais humanizados e viveremos dias melhores.
Márcio Rachkorsky
Advogado, é membro da Comissão de Direito Urbanístico da OAB-SP.