sexta-feira, 14 de junho de 2019

O último artigo, Vladimir Safatle, FSP

Com este texto, encerro minha colaboração como colunista da Folha

A ideia era escrever um artigo de encerramento no qual anunciaria o término de minha colaboração como colunista desta Folha. Mas eu só conseguia me lembrar de uma passagem de "Minima Moralia", de Adorno, na qual ele disserta sobre como seria atualmente impossível fechar portas.
Segundo Adorno, as pessoas teriam perdido a capacidade de fechar sem bater, de fazer os gestos curvos de quem leva uma porta a seu, digamos, lugar natural. As portas seriam feitas hoje de forma tal a convidarem os sujeitos a soltá-las com força, como quem está muito apressado, mesmo que não tenha nada realmente para fazer. Nessa mutação dos gestos de fechar uma porta, seria possível ler toda a sutil disciplina dos corpos a que nós estaríamos submetidos.
Ilustração
Marcelo Cipis/Folhapress
Bem, Teddie, depois de certo tempo, as ilusões sobre si vão embora. É verdade, acho que nunca aprendi a fechar uma porta. Todos os términos foram feitos como quem, meio sem querer, deixa a porta escapar, ouve o barulho produzido involuntariamente e diz: "Droga, não era nada disso".
É, fechar uma porta é arte que poucos têm. De toda forma, escrever um artigo que deveria ser o último também não é nada simples. Talvez isso sempre será mesmo algo da ordem do impossível.
Afinal, se ele fosse possível, eu escreveria, inicialmente, que agradeço a todos os leitores que, nesses praticamente dez anos (comecei em meados de 2010), acompanharam meus escritos semanais com comentários, sugestões e apoio.
Escreveria também que agradeceria inclusive aos leitores que esperavam minha coluna para sempre criticá-la, pois várias dessas críticas me foram úteis e preciosas.
Por fim, agradeceria ao jornal que me deu uma rara liberdade total de escolha de temas e de escrita durante um longo prazo de tempo, mesmo em situações nas quais eu discordava de maneira explícita de editoriais e opiniões expressas por seu corpo editorial.
Mas, como vocês podem ver, o problema é que se foi aí apenas um parágrafo e, bem, de um artigo se espera um pouco mais. E, nesta hora, pensei nos artigos que gostaria de ter escrito: um sobre a poesia de Óssip Mandelstam, outro sobre a poesia de Paul Celan, sobre Jacques Tati e a arte de tropeçar no cenário, sobre Nick Cave (é, eu deveria ter aproveitado o momento de seu show e escrito algo), sobre Gerhard Richter, sobre os que não sabem fechar portas, sobre o pensamento motívico em Pierre Boulez (mas esse ninguém ia ler mesmo).
O problema é que sempre havia uma sucessão impressionante de fatos de um país em decomposição. Como este último, que seria meu tema desta coluna, ligado à revelação de uma das histórias mais sórdidas de um país repleto de histórias sórdidas.
A história de um juiz que se associa à Promotoria de forma criminosa, retirando todo o direito do acusado em ser julgado por alguém isento e equidistante ("Nada de mais", não é mesmo Sergio?), prendendo-o ao final para retirá-lo de um pleito presidencial no qual ele estava à frente, para depois ser nomeado ministro da Justiça por aquele que ajudou a eleger e pavimentar suas próprias pretensões presidenciais para 2022.
A história do juiz que teria se tornado presidente prendendo seu próprio maior opositor. É difícil pensar em algo mais escandaloso.
Quando reeditou seu "História da Loucura", Michel Foucault se viu diante da necessidade de escrever um novo prefácio. Sem saber muito como fazê-lo, ele suprimiu o prefácio antigo e tentou justificar a impossibilidade de fazer um novo prefácio. Ao final, só lhe restou escrever duas frases: "Mas você acabou de escrever um prefácio" e "ao menos, ele foi curto".
Vladimir Safatle
Professor de filosofia da USP, autor de “O Circuito dos Afetos: Corpos Políticos, Desamparo e o Fim do Indivíduo”.

Assembleia de SP aprova projeto de lei que libera venda de bebida alcoólica em estádios de futebol, G1


Venda de bebida será liberada nos estádios de São Paulo — Foto: ReutersVenda de bebida será liberada nos estádios de São Paulo — Foto: Reuters
Venda de bebida será liberada nos estádios de São Paulo — Foto: Reuters
Os deputados da Assembleia Legislativa de São Paulo aprovaram nesta quinta-feira (13) o projeto de lei que autoriza a venda e o consumo de bebidas alcoólicas dentro de estádios de futebol e arenas esportivas localizadas no estado de São Paulo. O projeto segue agora para sanção do governador João Doria (PSDB).
A venda, distribuição e o consumo de bebidas alcoólicas foram proibidos oficialmente dentro de um raio de até 200 metros da entrada dos estádios de futebol do estado de São Paulo em 1996 por meio da lei estadual 9.470/96.
O projeto de autoria do deputado Itamar Borges (PMDB) autoriza a venda e o consumo de bebidas alcoólicas em bares, lanchonetes e congêneres destinados aos torcedores, bem como nos camarotes e espaços VIPs dos estádios e arenas.
Ainda segundo o projeto, a venda das bebidas alcoólicas deve ser iniciada uma 1h30 antes do início da partida e encerrada 60 minutos após seu término. As bebidas deverão ser comercializadas em embalagens plásticas descartáveis, cujo recipiente não tenha capacidade superior a 500 ml. E é proibida a venda e a entrega de bebida alcoólica a menores de 18 anos.
Comos justificativas foi apresentado que "a maioria dos torcedores ingressam no estádio quase no início da partida porque ficam até o último segundo bebendo nos arredores do estádio", que "cerveja possui baixo teor alcoólico, impossível o cidadão embriagar-se e provocar tumultos em função desta degustação levando-se em consideração a curta duração dos jogos de futebol (90 minutos", e que "a venda de bebida alcoólica nos estádios estimula a presença do torcedor, aumenta a arrecadação de tributos pelo estado, aumenta a geração de empregos e não guarda relação com o aumento da violência".

quinta-feira, 13 de junho de 2019

A hora do herói, Luis Fernando Verissimo, O Estado de S.Paulo


A questão que ficou para sabermos antes de decidirmos é quando a desesperança nos dará mais opções

13 de junho de 2019 | 05h47
Uma semana antes do dia da última eleição presidencial, foi publicado na imprensa um estranho documento. Sem nenhuma razão aparente ou deduzível, o então juiz Sergio Moro liberou um trecho do depoimento que fazia à Justiça o ex-ministro do Lula, Antonio Palocci. O documento não continha nenhuma delação nova que justificasse sua liberação extemporânea, ou causasse mais estragos ao PT do que o bombardeio do Palocci já tinha causado. 
A publicação do trecho escolhido pelo Moro e a aproximação da data da eleição podem ter sido coincidência, sim. Ou:
Foi distração do Moro, que só se deu conta da coincidência quando começou a ouvir os foguetes da vitória do Bolsonaro.
Foi distração do Moro. Ou você acredita que foram as novas revelações do Palocci, requentadas pelo Moro, que deram a vitória ao
Bolsonaro? Reajuste seu discernimento.
Foi distração de todo o mundo. Combinada.
Foi combinada. O Mourão ofereceu o ministério da Justiça ao Moro, que pediu tempo para pensar e em seguida tirou do bolso uma lista de exigências, começando por St. Pelegrino na geladeira.
No fim, a questão que ficou para sabermos antes de decidirmos é quando a desesperança nos dará mais opções. Quando será chegada a hora do herói, e ele não seja outro engano como o Bolsonaro. Não se sabe até onde sobreviverá o Moro como opção numa crise que começa a se autodevorar. Ou ele já perdeu a condição de exceção que tinha, pelo menos até ontem? 
Sério, agora. Quem foi que disse “triste é o país que precisa de heróis”? Bertolt Brecht, se não me falha o Google. “Heróis”, no nosso caso, seriam pessoas medianamente honestas que elegessem pessoas medianamente capazes de dirigir um país medianamente possível, é pedir muito? Moro representou não uma esperança grandiloquente mas essa possibilidade meio desconsolada. O problema com o Moro é que o país precisava de um mocinho de cinema e ele tem cara de bom moço.