domingo, 26 de maio de 2019

Competitividade no sistema financeiro,OPINIÃO Expressa a opinião do autor do texto ABRAM SZAJMAN E IVES GANDRA DA SILVA MARTINS, FSP

Falta de concorrência bancária dificulta crescimento

O advogado e professor Ives Gandra da Silva Martins - Bruno Poletti - 10.dez.14/Folhapress
Abram SzajmanIves Gandra da Silva Martins
O Brasil, desde o Plano Real, adquiriu o direito de ter uma moeda estável, com inflação moderada, dez vezes menor do que a da Argentina para o período. Nesses 25 anos, o real perdeu perante o dólar menos de quatro vezes seu valor, o que para países emergentes é uma vitória. 
 
Em paralelo, a Constituição de 1988 garantiu estabilidade democrática graças à sua excelente espinha dorsal no equilíbrio entre os Poderes e no concernente aos direitos individuais, aspectos que conformam seu perfil de Lei Suprema preparada para um Estado democrático de Direito.

Na ordem econômica, a Constituição encampou, pela primeira vez, a livre iniciativa e o princípio da livre concorrência (artigo 170, inciso IV), tornando facultativo o planejamento econômico para o setor privado (art. 174), além de limitar a presença do Estado na economia apenas por relevante interesse coletivo ou segurança nacional (art. 173).

O artigo 192, dedicado ao sistema financeiro, que impunha tabelamento de juros, foi revogado por emenda constitucional, após decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) já o ter afastado.

Apesar dessas sinalizações constitucionais da liberdade econômica e competitividade, o setor financeiro brasileiro é dos mais concentrados do mundo, como recente levantamento do Banco Central sobre ativos totais demonstrou. Os números impactantes são: 82% no Brasil, 37% na China, 62% na Coreia do Sul, 36% na Índia, 70% no México e 42% em Singapura.

Essa concentração de controle do sistema financeiro não existe na esmagadora maioria dos países desenvolvidos ou emergentes de relevância. Ela fere o princípio da livre concorrência e dificulta o desenvolvimento nacional por falta de opções e de competitividade. 

O elevado poder financeiro dos bancos possibilita que eles penetrem em outras áreas, com efeitos perversos sobre a competição em diversos segmentos do mercado. 

É o caso dos cartões de crédito: os mesmos bancos controlam os emissores, as bandeiras e os credenciadores. Da mesma forma, os bancos podem adquirir instituições com novos modelos de negócios que poderiam representar mais competição no setor. Esse processo levou países como Chile, Austrália e Estados Unidos a adotarem medidas para controlar a verticalização bancária.
 
No Brasil, também as fintechs, que inovam e otimizam serviços financeiros por meio da tecnologia, com custos operacionais reduzidos em relação aos bancos tradicionais, podem vir a ser absorvidas pelas grandes instituições.

A Fecomercio-SP e seu Conselho Superior de Direito tem discutido a questão, que dificulta a retomada do crescimento. Os juros impostos por um sistema fechado e sem concorrência, muito acima das taxas oficiais, garantem lucros expressivos aos poucos bancos do país. Ao mesmo tempo, impedem a atração de investimentos estrangeiros não especulativos. 

É bem verdade que a excessiva burocracia e alta carga tributária são também fatores importantes de desestímulo ao crescimento no país, que ainda não conseguiu cortar os nós górdios de seus principais problemas estruturais.

Precisamos avançar na luta pela competitividade, que tem no parágrafo 4º do artigo 173 da Constituição a sinalização dos mecanismos de combate à concentração de controle, além de proteção aos usuários de bens e serviços, na ponta do consumo.

Estamos iniciando uma época em que o ideal da concorrência passa a fazer todo o sentido, se desejarmos alcançar o desenvolvimento necessário para recuperar tudo o que já foi perdido. Nesse sentido, a saúde econômica da nação pede uma reflexão sobre a inconveniência da concentração do sistema financeiro, que, ao contrário de ser um obstáculo, deve ser o financiador da esperada expansão e do agigantamento da economia nacional.
Abram Szajman
Presidente da Fecomercio (Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo) e dos Conselhos Regionais do Sesc (Serviço Social do Comércio) e do Senac (Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial)
Ives Gandra da Silva Martins
Presidente do Conselho Superior de Direito da Fecomercio-SP, advogado e professor emérito da Universidade Mackenzie, da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército e da Escola Superior de Guerra

Sitiada, Marcos Lisboa, FSP

População deixa de ser bem-vinda em um dos espaços da democrática Paulista

A avenida Paulista surpreende pelos seus imensos prédios margeados por calçadas largas. Muitos edifícios possuem comércio no térreo. Há jardins e espaços públicos convidativos, como o parque Trianon e a inesperada praça no quinto andar do IMS.
O Conjunto Nacional representa o que de melhor a arquitetura paulistana pôde oferecer nos anos 1950. As marquises generosas protegem o pedestre da chuva. A calçada e suas lojas se confundem com o interior do prédio, não se sabendo muito bem onde termina o público e começa o privado.
O prédio multifuncional desenhado por David Libeskind é uma obra de arte e de civilidade.
Pouco anos depois, Lina Bo Bardi concebeu o Masp com seu vão livre de tirar o fôlego. A imensa praça coberta por um museu abriga os paulistanos e suas manifestações. O músico John Cage definiu-o como a “arquitetura da liberdade”.
O convite à comunhão da avenida Paulista, com suas muitas estações de metrôs e vias de acesso, atrai gente dos diversos cantos da cidade.
No domingo, proibidos carros e ônibus, esse imenso espaço transborda de pessoas de todos os tipos: brancos e negros, os muitos sexos dos novos tempos, jovens tatuados e adultos com as bermudas de quem iniciou a vida nos anos 1960. Alguns cantam e outros dançam em meio a mágicos com ternos surrados.
A elegante avenida exercita a benesse de um país de imigrantes: a convivência dos diferentes. Nem todo mundo, porém, aprecia a comunhão.
Por determinação de alguns senhores, a praça na esquina da alameda Ministro Rocha Azevedo foi fechada ao público.
Estrutura instalada na área do condomínio Cetenco Plaza, em São Paulo
Estrutura instalada na área do condomínio Cetenco Plaza, em São Paulo - Eduardo Anizelli/ Folhapress
O Cetenco Plaza tem nome de prédio nos Estados Unidos, mas é uma das belas construções da Paulista. Com seus pilares de concreto, que sustentam fachadas envidraçadas, os dois prédios em diagonal acolhem um imenso jardim frequentado por executivos e muitos jovens.
Trata-se de área segura, como constata Raul Juste Lores, que há anos resgata a história da arquitetura de São Paulo aberta aos imigrantes e atenta às necessidades dos cidadãos. Há o Tribunal Regional Federal nas alturas e a Caixa Econômica Federal no térreo. Ao lado, fica a sede paulistana do Banco Central.
Os condôminos do Cetenco Plaza não se deram por satisfeitos com tamanha proteção. Resolveram cercá-lo com muros de metal e desbastaram parte de seu jardim para impor imensas placas de vidro.
A população não é mais bem-vinda em um dos aconchegantes espaços da Paulista. A cidade sitiada fechou a praça aberta desde a construção do prédio, há cerca de 40 anos, refletindo o sectarismo dos tempos atuais. Não surpreende, mas não deixa de ser triste.
Existem senhores que preferem deixar os diferentes do lado de fora da fortaleza.
Marcos Lisboa
Presidente do Insper, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda (2003-2005) e doutor em economia.

Um presidente reativo, FSP

Há a impressão de que Bolsonaro não tem um plano para atingir seus objetivos

Jair Bolsonaro se meteu numa encrenca. Não, não falo de ele ter assumido a Presidência, mas da convocação de seus apoiadores para participar de manifestações pró-governo neste domingo. Do nada, o presidente criou para si o que os americanos chamam de “lose-lose situation”, isto é, colocou-se numa posição em que, não importa o que ocorra, ele sairá perdendo.
Se as manifestações não reunirem um público grande, ou seja, se der para carimbar que foram um fracasso, o governo terá dado uma inédita demonstração de fraqueza —e com apenas cinco meses de mandato.
O presidente Jair Bolsonaro durante cerimônia no Palácio do Planalto, em março deste ano
O presidente Jair Bolsonaro durante cerimônia no Palácio do Planalto, em março deste ano - Ueslei Marcelino - 25.mar.19/Reuters
Se, por outro lado, os protestos ficarem apinhados de gente, a pressão sobre o Congresso e o STF tornará mais tenso o relacionamento entre os três Poderes, dificultando o futuro de sua administração, que depende do Legislativo e do Judiciário para concretizar praticamente todos os seus projetos.
Mesmo no mais verossímil cenário de copo meio cheio, meio vazio, no qual as manifestações não possam ser classificadas nem como fiasco nem um retumbante sucesso, Bolsonaro não sai incólume. Ele já perdeu pontos ao expor divisões entre seus apoiadores. Grupos fortemente vinculados ao presidente, como o MBL e o Vem pra Rua, anunciaram publicamente que não estariam nos atos. O próprio Bolsonaro pulou fora, e proibiu ministros de participar.
A estratégia de atiçar as massas contra o Legislativo e Judiciário só faria sentido se o presidente tivesse planos reais de investir contra os dois Poderes. E, mesmo assim, a abordagem racional teria exigido que atacasse com carga total, não que, no instante seguinte, se pusesse a contemporizar e esvaziar os protestos.
A sensação que fica é a de que o presidente não tem um plano muito definido do que fazer para lograr seus objetivos. Ele apenas reage, com base em instintos, aos acontecimentos. Como nada indica que mudará de atitude, devemos esperar três anos e meio de muitos sobressaltos e inconstâncias.