sexta-feira, 25 de janeiro de 2019

DESASTRE QUE VALE POR DOIS, PIAUÍ


“Era lógico que isso iria acontecer”, diz procurador que investigou a tragédia de Mariana sobre rompimento de barragem da Vale em Brumadinho

CONSUELO DIEGUEZ
25jan2019_16h19
Barragem da mineradora Vale se rompeu em Brumadinho, na Grande Belo Horizonte, nesta sexta-feira
Barragem da mineradora Vale se rompeu em Brumadinho, na Grande Belo Horizonte, nesta sexta-feira FOTO: UARLEN VALERIO/O TEMPO/FOLHAPRESS
“Desde o rompimento de Fundão nada foi feito para evitar que esse tipo de desastre aconteça”, afirmou o procurador Carlos Eduardo Ferreira Pinto, chefe da força-tarefa que investigou o rompimento em 2015 da barragem do Fundão, em Mariana, ao tomar conhecimento do novo desastre, desta vez em Brumadinho, também em Minas Gerais. “Era lógico que isso iria acontecer”, ele me disse, referindo-se à falta de ações para prevenir acidentes como esse. Em ambos os casos, a empresa Vale é responsável pelas barragens – no caso de Mariana, a estrutura pertence à empresa Samarco, controlada pela Vale e pela mineradora BHP Billiton, empresa anglo-australiana. Segundo Ferreira Pinto, após o caso de Fundão, foram criadas três comissões extraordinárias – uma na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, uma na Câmara dos Deputados e outra no Senado – para propor uma legislação mais rígida no controle de barragens. Nenhuma das três comissões, segundo ele, apresentou qualquer resultado. As barragens, ele disse, continuam funcionando sem um sistema de segurança que impeça a lama de se espalhar pelo meio ambiente, como ocorreu com Fundão.
O procurador Ferreira Pinto afirmou que não há muito o que especular sobre as causas de rompimento de barragens desse tipo. “Uma barragem rompe porque entra água na sua estrutura. Simples assim”, afirmou. “E isto só é possível por descuido da empresa e falta de fiscalização das autoridades e de consultorias independentes”. No curso de suas investigações sobre o caso, o procurador foi afastado da força-tarefa e transferido para um posto no interior do estado.

Embora afastado do caso de Fundão, o procurador continua acompanhando as barragens em Minas Gerais. Segundo ele, desde o desastre de 2015, nada foi feito no estado para aumentar a fiscalização e estabelecer normas para o funcionamento mais seguro de barragens. “Minas Gerais, com mais de 400 barragens, continua com uma fiscalização pífia, com pouquíssimos fiscais, em torno de uma dezena, para tomar conta de todas essas estruturas.”

O estado, segundo ele, continuou dando autorização para criação de novas barragens e não endureceu as regras de funcionamento dessas estruturas, como foi defendido pela força-tarefa, à época do rompimento de Fundão. “Ao contrário, o que temos visto é uma pressão cada vez maior por flexibilização das concessões para funcionamento de novas barragens”, afirmou. “É uma completa irresponsabilidade. Tanto das empresas, quanto dos governos do estado e Federal.”

Ainda não se sabia, no começo da tarde de sexta-feira, 25, qual o caminho que a lama de minério percorreria. De qualquer forma, dependendo do tamanho do acidente, Ferreira Pinto explicou que a lama pode invadir o reservatório do rio Manso, que abastece Belo Horizonte, e também correr em direção ao rio Paraopebas e desaguar no São Francisco, que atravessa Minas, Bahia, Sergipe, Alagoas e Pernambuco. “Um roteiro que parece repetir o que aconteceu em Mariana, em 5 de novembro de 2015.” 

Naquele acidente, a lama invadiu o rio Gualaxo do Norte e seguiu sem nada que a contivesse para o rio Doce. Após percorrer 660 quilômetros, chegou até o mar, destruindo a biodiversidade por onde passou. Até hoje, a região degradada está longe de ter sido recuperada pelas ações da Vale e BHP Billiton. 

Após o acidente em Brumadinho, a Vale soltou uma nota curta informando do rompimento e da barragem. “A Vale informa que ocorreu, no início da tarde de hoje, o rompimento de uma barragem na Mina do Feijão, em  Brumadinho. As primeiras informações indicam que os rejeitos atingiram a área administrativa da companhia e parte da comunidade da Vila Ferteco.” A empresa admitiu na nota a possibilidade de vítimas. “Havia empregados na área administrativa, que foi atingida pelos rejeitos, indicando a possibilidade, ainda não confirmada, de vítimas.” Até as 16 horas desta sexta-feira, não havia confirmação sobre a causa do rompimento. “A prioridade da Vale, neste momento, é preservar e proteger a vida de empregados e integrantes da comunidade. A companhia vai continuar fornecendo informações assim que confirmadas”, afirmou a empresa.
Em grupos de WhatsApp de médicos de Minas Gerais, as informações que circulavam era de um quadro mais dramático. “[Os hospitais] João XXIII e Odilon já acionaram plano de catástrofe. Admissões e atendimentos apenas de vítimas das catástrofes. Altas precoces das enfermarias e esvaziamento dos CTIs.”

CONSUELO DIEGUEZ

Consuelo Dieguez, repórter da piauí desde 2007, é autora da coletânea de perfis Bilhões e Lágrimas, da Companhia das Letras

O QUE A FOLHA PENSA -- A sanfona do PSDB,

É difícil deixar de ver o oportunismo da declaração de João Doria sobre o futuro do partido

O governador de São Paulo, João Doria, durante entrevista à imprensa no Palácio do Planalto, em Brasília, em janeiro deste ano
O governador de São Paulo, João Doria, durante entrevista à imprensa no Palácio do Planalto, em Brasília, em janeiro deste ano - Adriano Machado/Reuters
Para o tucano João Doria, ex-prefeito de São Paulo e atual governador do estado, o PSDB deverá mudar, tornando-se um partido de centro que terá relações respeitosas tanto com a esquerda quanto com a direita, em todos os seus matizes. 
Afora o fato de o PSDB jamais ter se afastado do centro do espectro político, não há nada de impróprio na afirmação. O país sem dúvida se ressente da falta de uma agremiação capaz de dar densidade eleitoral às forças moderadas. 
É difícil, no entanto, deixar de ver o oportunismo da declaração. Doriapassou toda a campanha tentando surfar na onda conservadora que entronizou Jair Bolsonaro (PSL). Bateu o quanto pôde no PT e em tudo que tivesse um mínimo de parecença com a esquerda. 
Essa, porém, era a lógica da eleição. O jogo agora mudou. O governador sabe que o nicho da direita está ocupado por Bolsonaro. Mesmo que o presidente não tente se reeleger, o campo que ele representa tem outro candidato potencial, o ministro da Justiça, Sergio Moro.
Doria até caminha com mais conforto pela direita do que pelo centro, mas sabe que seria tolice insistir nessa via congestionada. 
E o que o governador diz sobre o PSDB tem importância porque ele se tornou a principal força da agremiação. Fernando Henrique Cardoso, o maior nome da sigla, aos poucos sai de cena. Aécio Neves precisa lidar com a Justiça. José Serra, em menor grau, também foi abatido pelaLava Jato. E Geraldo Alckmin terminou como grande perdedor do pleito presidencial.
Doria, por seu turno, governa o maior e mais rico estado do país. Apesar de ele ter se indisposto com muitos dirigentes e militantes do partido, poucos duvidam de que acabará dominando a legenda, por ser um dos poucos com condições de oferecer perspectiva de poder.
Não deixa de ser curioso notar o movimento de sanfona do PSDB. O partido surgiu, nos anos 80, como dissidência de esquerda do PMDB. A ideia de seus fundadores era afastar-se de figuras como José Sarney e Orestes Quércia e adotar uma linha inspirada nas social-democracias europeias.
Para chegar ao poder e governar, porém, FHC aliou-se ao PFL, o que arrastou o partido mais para a direita. Nesse meio tempo, o PT moderou seu discurso, ocupando o espaço da centro-esquerda, para o qual o PSDB nunca voltou. Agora, com o protagonismo do PSL e o retorno do DEM, mais uma vez os tucanos estão em busca de um ninho.

Ah, se fosse o Lula a proteger segredos, FSP

Imagine o que aconteceria se fosse no governo Lula (ou mesmo no de Dilma Rousseff) que o Banco Central lançasse consulta pública sobre proposta para afrouxar a vigilância em torno, em especial, de parentes de políticos.
As redes insociais, como as chama esse brilhante Vinicius Torres Freire, pegariam fogo e gritariam: ah, estão vendo. Esse presidente ladrão quer esconder as maracutaias do filho, quer esconder como o filho arrumou dinheiro para comprar aquela fazenda que as citadas redes dizem que ele possui (mas nunca provaram).
Mas, como não é o governo Lula nem o governo Dilma, o agora ministro Sergio Moro, aquele que condenou Lula, vem dizer que a intenção da proposta é boa, mas “talvez eles não estejam propondo a coisa certa". Talvez, ministro? Impressionante como mudar de Curitiba para Brasília, do Judiciário para o Executivo, muda a cabeça das pessoas, não?
O ministro Sergio Moro (Justiça) participa de painel no Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça - Alan Santos - 23.jan.19/PR
Sei lá se a intenção é ou não. Mas o “timing” certamente é o mais impróprio possível. O Brasil acaba de sair de uma eleição cuja característica principal foi o repúdio indiscriminado aos políticos.
A Lava Jato e outras investigações, inclusive sobre um caso muito atual, o de Fabrício Queiroz, amigo do presidente Bolsonaro, lançaram a suspeita de que parentes (de políticos) são serpentes, digo, são um imenso laranjal (ler mais sobre laranjas nas colunas do imperdível José Simão).
Aí, o Banco Central propõe o que, fatalmente, é visto como uma anistia prévia.
Menos mal que é apenas consulta pública. Dá tempo, pois, para que a sociedade corrija os defeitos da proposta, se estiver acordada, sobre o que tenho sérias dúvidas.
Pior é o decreto assinado pelo então presidente interino, o general Hamilton Mourão, que autoriza pessoal de segundo escalão a classificar documentos públicos como ultrassecretos (sigilo de 25 anos) ou secretos (15 anos).
Passam a ter essa permissão funcionários comissionados e dirigentes de fundações, autarquias e empresas públicas, em um total de 1288 funcionários públicos, pelos cálculos do site Poder360.
O vice-presidente, general Hamilton Mourão, que assinou o decreto, na condição de presidente interino, ainda teve o desplante de dizer que o decreto não prejudica a transparência —a mesma com a qual se comprometeu o governo atual.
É óbvio que prejudica, general. Se funcionários do primeiro escalão já sentem a tentação de esconder o que acham que lhes pode prejudicar ou a seus amigos, imagine então como aumenta a tentação ou aumentar o número dos funcionários aos quais se dá a caneta para marcar “secreto” ou até “ultrassecreto”.
Eva já demonstrou que o ser humano tem imensa dificuldade em resistir à tentações, caro general.
Por isso, quando menos se der poder a quem quer que seja para esconder da sociedade atos do poder, tanto melhor.
Quem deve estar se mordendo de raiva na mesma Curitiba que Moro deixou é o ex-presidente Lula: deve estar achando que, se ele tivesse tomado iniciativas como a que sucessores estão adiantando, talvez ainda estivesse solto.
Já imaginou um petista qualquer do segundo escalão no governo Lula ou Dilma carimbar secreto na papelada sobre os negócios das empreiteiras e da Petrobras?
Clóvis Rossi
Repórter especial, membro do Conselho Editorial da Folha e vencedor do prêmio Maria Moors Cabot.