Imagine o que aconteceria se fosse no governo Lula (ou mesmo no de Dilma Rousseff) que o Banco Central lançasse consulta pública sobre proposta para afrouxar a vigilância em torno, em especial, de parentes de políticos.
As redes insociais, como as chama esse brilhante Vinicius Torres Freire, pegariam fogo e gritariam: ah, estão vendo. Esse presidente ladrão quer esconder as maracutaias do filho, quer esconder como o filho arrumou dinheiro para comprar aquela fazenda que as citadas redes dizem que ele possui (mas nunca provaram).
Mas, como não é o governo Lula nem o governo Dilma, o agora ministro Sergio Moro, aquele que condenou Lula, vem dizer que a intenção da proposta é boa, mas “talvez eles não estejam propondo a coisa certa". Talvez, ministro? Impressionante como mudar de Curitiba para Brasília, do Judiciário para o Executivo, muda a cabeça das pessoas, não?
Sei lá se a intenção é ou não. Mas o “timing” certamente é o mais impróprio possível. O Brasil acaba de sair de uma eleição cuja característica principal foi o repúdio indiscriminado aos políticos.
A Lava Jato e outras investigações, inclusive sobre um caso muito atual, o de Fabrício Queiroz, amigo do presidente Bolsonaro, lançaram a suspeita de que parentes (de políticos) são serpentes, digo, são um imenso laranjal (ler mais sobre laranjas nas colunas do imperdível José Simão).
Aí, o Banco Central propõe o que, fatalmente, é visto como uma anistia prévia.
Menos mal que é apenas consulta pública. Dá tempo, pois, para que a sociedade corrija os defeitos da proposta, se estiver acordada, sobre o que tenho sérias dúvidas.
Pior é o decreto assinado pelo então presidente interino, o general Hamilton Mourão, que autoriza pessoal de segundo escalão a classificar documentos públicos como ultrassecretos (sigilo de 25 anos) ou secretos (15 anos).
Passam a ter essa permissão funcionários comissionados e dirigentes de fundações, autarquias e empresas públicas, em um total de 1288 funcionários públicos, pelos cálculos do site Poder360.
O vice-presidente, general Hamilton Mourão, que assinou o decreto, na condição de presidente interino, ainda teve o desplante de dizer que o decreto não prejudica a transparência —a mesma com a qual se comprometeu o governo atual.
É óbvio que prejudica, general. Se funcionários do primeiro escalão já sentem a tentação de esconder o que acham que lhes pode prejudicar ou a seus amigos, imagine então como aumenta a tentação ou aumentar o número dos funcionários aos quais se dá a caneta para marcar “secreto” ou até “ultrassecreto”.
Eva já demonstrou que o ser humano tem imensa dificuldade em resistir à tentações, caro general.
Por isso, quando menos se der poder a quem quer que seja para esconder da sociedade atos do poder, tanto melhor.
Quem deve estar se mordendo de raiva na mesma Curitiba que Moro deixou é o ex-presidente Lula: deve estar achando que, se ele tivesse tomado iniciativas como a que sucessores estão adiantando, talvez ainda estivesse solto.
Já imaginou um petista qualquer do segundo escalão no governo Lula ou Dilma carimbar secreto na papelada sobre os negócios das empreiteiras e da Petrobras?
Clóvis Rossi
Repórter especial, membro do Conselho Editorial da Folha e vencedor do prêmio Maria Moors Cabot.
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