domingo, 9 de dezembro de 2018

OPINIÃO SÉRGIO LAZZARINI Ao capitalismo de laços à italiana, FSP

Inspiração da Lava Jato não melhorou práxis política

O economista Sérgio Lazzarini, professor do Insper - Keiny Andrade - 12.jan.18/Folhapress
Sérgio Lazzarini
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Na Itália, no início da década de 90, a Operação Mãos Limpas resultou em centenas de mandados de prisão e levou ao ostracismo partidos que dominavam a cena política. A população, farta dos políticos tradicionais, elegeu novos quadros, vários deles vindos do meio empresarial (incluindo, nesse rol, Silvio Berlusconi). Anos mais tarde, viria a inspirar a Operação Lava Jato e um dos seus principais protagonistas, Sergio Moro. O que efetivamente ocorreu na Itália e o que poderíamos esperar para o Brasil?

Um estudo recente de Ufuk Akcigit, Salomé Baslandze e Francesca Lotti lança luz a essa questão. Os pesquisadores analisaram 4 milhões de firmas italianas, observadas entre 1993 e 2014. De forma surpreendente, eles mostram que, após a Operação Mãos Limpas, as firmas se entrelaçaram ainda mais com o meio político. Isso foi medido, no estudo, pelo percentual de empresas com pelo menos um político local na sua folha de pagamentos.

Se antes as empresas se conectavam com os políticos por meio de propinas ou contribuições diversas, a "renovação" trazida pela Operação Mãos Limpas as fez, em realidade, migrar de uma relação transacional para uma relação direta: políticos empregados nas próprias empresas. O capitalismo de laços italiano apenas mudou de cara, mantendo as práticas de sempre.

Os dados também revelam implicações muito negativas dessas conexões políticas. As mais conectadas são justamente as grandes empresas, que já dominavam mercados. Enquanto apenas 4,5% das empresas da base de dados são conectadas, na faixa das grandes empresas esse número salta para 45%.

Dominando os seus mercados, elas inibem a entrada de novos empreendedores e são menos inovadoras (têm menor número de patentes por empregado). 

Além disso, são as firmas que mais crescem e sobrevivem, mas não necessariamente as mais produtivas da economia. Os políticos que elas empregam, não estranhamente, ganham mais que outros funcionários.

Não parece, por certo, um resultado muito feliz. E deveria acender um sinal amarelo para o caso brasileiro. A nossa última eleição, ainda que mantendo diversos políticos tradicionais, também caminhou na direção de trazer novos nomes, oriundos ou apoiados pelo empresariado.

Vários se autofinanciaram ou tiveram apoio de famílias controlando grupos privados relevantes. A proibição às doações por empresas só fez mudar a forma de doação; agora vêm dos seus próprios donos.

Ainda que regras da nossa Constituição dificultem a atuação de parlamentares em empresas, a existência de patrocínio ou relações pessoais com atores do mundo empresarial já abre espaço para trocas valiosas. 

A verdade é que as disfunções do capitalismo de laços não se resolvem com uma tacada só. O Brasil ainda precisa avançar muito com um conjunto de medidas complementares envolvendo maior autonomia técnica da máquina pública; critérios mais claros de concessão de benefícios associados a rigorosas avaliações de impacto; atuação empresarial verdadeiramente responsável, buscando inovar nos mercados em vez de bolar criativos esquemas de corrupção; e simplificação de procedimentos no setor público, para que os políticos não continuem criando dificuldades para vender facilidades.

O exemplo italiano está aí para mostrar o que pode ocorrer se acharmos que alguma renovação política já basta para realmente mudar o país.
Sérgio Lazzarini
Professor titular da cátedra Chafi Haddad do Insper e autor de "Capitalismo de Laços" e "Reinventando o Capitalismo de Estado"

Ruy Castro Os mestres fotógrafos, FSP

Safos e escolados, eles davam as dicas para os jovens repórteres de fraldas úmidas

Passeata na avenida Rio Branco, no Rio; foto publicada em 6 de agosto de 1968 no Correio da Manhã
Passeata na avenida Rio Branco, no Rio; foto publicada em 6 de agosto de 1968 no Correio da Manhã - Rubens Seixas/Correio da Manhã/Acervo Arquivo Nacional
Uma exposição de fotografias na Caixa Cultural, na avenida Almirante Barroso, traz de volta o jornal carioca Correio da Manhã. Em boa parte de sua existência, de 1901 a 1974, foi o maior veículo da imprensa brasileira —o mais temido, respeitado e bem escrito. Seus editoriais derrubavam ministros. Nenhuma coletiva começava sem o repórter do Correio. E nenhum jornal incomodou tanto os militares —no dia seguinte ao Ato Institucional nº 5, em 1968, eles não mandaram um ou dois censores para ocupá-lo, mas oito coronéis do Exército. 
A maioria dos pesquisadores desconhece a riqueza de informações que os espera na coleção do Correio da Manhã, já digitalizada na Biblioteca Nacional, ou o seu fabuloso arquivo fotográfico, hoje no Arquivo Nacional, aqui no Rio. A historiadora Maria do Carmo Rainho, que domina a coleção e o arquivo como ninguém, é a criadora da exposição. Foi também a coordenadora, na semana passada, de uma mesa sobre o Correio, de que tive a honra de participar, com Pery Cotta, editor de política do jornal no ano-chave de 1968, e o fotógrafo Osmar Gallo. 
Gallo, autor de fotos históricas, foi um dos grandes do Correio nos anos 60, ao lado de Sebastião Marinho, Fernando Pimentel, Antônio Andrade, Manuel Gomes da Costa, Rodolpho Machado, Gilmar Santos, Rubens Seixas e outros, chefiados por Erno Schneider. Fui repórter do Correio em 1967 e saí a trabalho com vários deles —eu, foca, de fraldas úmidas, e eles, safos e escolados. Eram os fotógrafos que davam as dicas para os jovens repórteres: “Vá falar com aquele sujeito ali!” ou “Não deixe o Fulano escapar!”. Eles nos formaram. 
Pery e Gallo descreveram uma época em que ser jornalista significava ter a cultura da rua, conhecer todo mundo, tapear o poder, às vezes apanhar ou ser preso. Em meio à conversa, não tiveram como esconder as lágrimas. 
Eu consegui disfarçar as minhas.
Ruy Castro
Jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues.

O QUE A FOLHA PENSA O estilo Obrador, FSP

Presidente acredita ser capaz de transformar o México, mas êxito não depende só de voluntarismo

O presidente mexicano, Andrés Manuel López Obrador, durante sua primeira entrevista à imprensa após tomar posse
O presidente mexicano, Andrés Manuel López Obrador, durante sua primeira entrevista à imprensa após tomar posse - Alfredo Estrella/AFP
Em sua primeira semana como presidente do México, o esquerdista Andrés Manuel López Obrador esmerou-se em tentar provar que está em curso “uma mudança de regime político”, como afirmou em seu discurso de posse, no dia 1º.
De partida, pôs em marcha as promessas de campanha mais simples, mas não menos vistosas. Colocou à venda o luxuoso avião usado pelo antecessor, Enrique Peña Nieto, e abriu a residência oficial à visitação pública, pois continuará a morar em sua casa.
AMLO, acrônimo pelo qual é conhecido, diz que pretende marcar a administração ao mesmo tempo pela austeridade no gasto público e pela destinação prioritária de verbas a políticas para os mais pobres.
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Como o aumento da carga tributária não faz parte da plataforma, o mandatário afirma que obterá recursos diminuindo as despesas com o funcionalismo —ele reduziu em 60% o próprio salário— e por meio do combate à corrupção.
Em mensagem ao setor produtivo, projetou crescimento anual do PIB de 4% em seu mandato de seis anos (ante 2% em 2017), o compromisso com a responsabilidade orçamentária e o respeito à autonomia do Banco Central. 
Diante de uma carta de intenções tão auspiciosa, entende-se por que AMLO acredita ser capaz de transformar o México. Entretanto o êxito de um governante, como é óbvio, não depende apenas de voluntarismo.
O novo presidente tem a seu favor a boa vontade de grande parcela dos mexicanos, frustrados com o desempenho do líder anterior, e a maioria no Congresso recém-empossado. Enfrentará, contudo, forte resistência corporativista para enxugar o Estado e, mais ainda, distanciá-lo do poder corruptor dos cartéis do narcotráfico.
Reside na segurança pública, aliás, o maior desafio de AMLO, que não apresentou uma proposta clara para o tema. Prometeu criar uma Guarda Nacional militarizada para debelar o crime organizado, de encontro à crítica que fazia do uso do Exército com tal finalidade.
Peña Nieto tentou enfraquecer as quadrilhas ao prender seus chefes, mas acabou por retomar a prática do confronto nas ruas. Como resultado, em 2017 o país registrou o maior número de homicídios nos últimos 20 anos, ao menos.
Não menos espinhosa é a tarefa de lidar com Donald Trump e a questão migratória, dado o crescente fluxo de centro-americanos a aportar na fronteira com os EUA. Louve-se o entusiasmo de AMLO no alvor de sua gestão, mas a empreitada a que se dispõe lhe exigirá bem mais que isso.