Sérgio Lazzarini
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Na Itália, no início da década de 90, a Operação Mãos Limpas resultou em centenas de mandados de prisão e levou ao ostracismo partidos que dominavam a cena política. A população, farta dos políticos tradicionais, elegeu novos quadros, vários deles vindos do meio empresarial (incluindo, nesse rol, Silvio Berlusconi). Anos mais tarde, viria a inspirar a Operação Lava Jato e um dos seus principais protagonistas, Sergio Moro. O que efetivamente ocorreu na Itália e o que poderíamos esperar para o Brasil?
Um estudo recente de Ufuk Akcigit, Salomé Baslandze e Francesca Lotti lança luz a essa questão. Os pesquisadores analisaram 4 milhões de firmas italianas, observadas entre 1993 e 2014. De forma surpreendente, eles mostram que, após a Operação Mãos Limpas, as firmas se entrelaçaram ainda mais com o meio político. Isso foi medido, no estudo, pelo percentual de empresas com pelo menos um político local na sua folha de pagamentos.
Se antes as empresas se conectavam com os políticos por meio de propinas ou contribuições diversas, a "renovação" trazida pela Operação Mãos Limpas as fez, em realidade, migrar de uma relação transacional para uma relação direta: políticos empregados nas próprias empresas. O capitalismo de laços italiano apenas mudou de cara, mantendo as práticas de sempre.
Os dados também revelam implicações muito negativas dessas conexões políticas. As mais conectadas são justamente as grandes empresas, que já dominavam mercados. Enquanto apenas 4,5% das empresas da base de dados são conectadas, na faixa das grandes empresas esse número salta para 45%.
Dominando os seus mercados, elas inibem a entrada de novos empreendedores e são menos inovadoras (têm menor número de patentes por empregado).
Além disso, são as firmas que mais crescem e sobrevivem, mas não necessariamente as mais produtivas da economia. Os políticos que elas empregam, não estranhamente, ganham mais que outros funcionários.
Não parece, por certo, um resultado muito feliz. E deveria acender um sinal amarelo para o caso brasileiro. A nossa última eleição, ainda que mantendo diversos políticos tradicionais, também caminhou na direção de trazer novos nomes, oriundos ou apoiados pelo empresariado.
Vários se autofinanciaram ou tiveram apoio de famílias controlando grupos privados relevantes. A proibição às doações por empresas só fez mudar a forma de doação; agora vêm dos seus próprios donos.
Ainda que regras da nossa Constituição dificultem a atuação de parlamentares em empresas, a existência de patrocínio ou relações pessoais com atores do mundo empresarial já abre espaço para trocas valiosas.
A verdade é que as disfunções do capitalismo de laços não se resolvem com uma tacada só. O Brasil ainda precisa avançar muito com um conjunto de medidas complementares envolvendo maior autonomia técnica da máquina pública; critérios mais claros de concessão de benefícios associados a rigorosas avaliações de impacto; atuação empresarial verdadeiramente responsável, buscando inovar nos mercados em vez de bolar criativos esquemas de corrupção; e simplificação de procedimentos no setor público, para que os políticos não continuem criando dificuldades para vender facilidades.
O exemplo italiano está aí para mostrar o que pode ocorrer se acharmos que alguma renovação política já basta para realmente mudar o país.
Um estudo recente de Ufuk Akcigit, Salomé Baslandze e Francesca Lotti lança luz a essa questão. Os pesquisadores analisaram 4 milhões de firmas italianas, observadas entre 1993 e 2014. De forma surpreendente, eles mostram que, após a Operação Mãos Limpas, as firmas se entrelaçaram ainda mais com o meio político. Isso foi medido, no estudo, pelo percentual de empresas com pelo menos um político local na sua folha de pagamentos.
Se antes as empresas se conectavam com os políticos por meio de propinas ou contribuições diversas, a "renovação" trazida pela Operação Mãos Limpas as fez, em realidade, migrar de uma relação transacional para uma relação direta: políticos empregados nas próprias empresas. O capitalismo de laços italiano apenas mudou de cara, mantendo as práticas de sempre.
Os dados também revelam implicações muito negativas dessas conexões políticas. As mais conectadas são justamente as grandes empresas, que já dominavam mercados. Enquanto apenas 4,5% das empresas da base de dados são conectadas, na faixa das grandes empresas esse número salta para 45%.
Dominando os seus mercados, elas inibem a entrada de novos empreendedores e são menos inovadoras (têm menor número de patentes por empregado).
Além disso, são as firmas que mais crescem e sobrevivem, mas não necessariamente as mais produtivas da economia. Os políticos que elas empregam, não estranhamente, ganham mais que outros funcionários.
Não parece, por certo, um resultado muito feliz. E deveria acender um sinal amarelo para o caso brasileiro. A nossa última eleição, ainda que mantendo diversos políticos tradicionais, também caminhou na direção de trazer novos nomes, oriundos ou apoiados pelo empresariado.
Vários se autofinanciaram ou tiveram apoio de famílias controlando grupos privados relevantes. A proibição às doações por empresas só fez mudar a forma de doação; agora vêm dos seus próprios donos.
Ainda que regras da nossa Constituição dificultem a atuação de parlamentares em empresas, a existência de patrocínio ou relações pessoais com atores do mundo empresarial já abre espaço para trocas valiosas.
A verdade é que as disfunções do capitalismo de laços não se resolvem com uma tacada só. O Brasil ainda precisa avançar muito com um conjunto de medidas complementares envolvendo maior autonomia técnica da máquina pública; critérios mais claros de concessão de benefícios associados a rigorosas avaliações de impacto; atuação empresarial verdadeiramente responsável, buscando inovar nos mercados em vez de bolar criativos esquemas de corrupção; e simplificação de procedimentos no setor público, para que os políticos não continuem criando dificuldades para vender facilidades.
O exemplo italiano está aí para mostrar o que pode ocorrer se acharmos que alguma renovação política já basta para realmente mudar o país.
Sérgio Lazzarini
Professor titular da cátedra Chafi Haddad do Insper e autor de "Capitalismo de Laços" e "Reinventando o Capitalismo de Estado"
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