sexta-feira, 5 de outubro de 2018

Pais e filhos, Ruy Castro FSP

Ao ser informado pelo repórter João Valadares de que Fernando Haddad era o candidato do PT à Presidência da República, o aposentado pernambucano José Paulino Filho, 75, declarou: “Não sei o nome não, mas estou grudado em quem Lula mandar. Ele é filho de Lula, né? Escutei dizer que era”. A turma da região ainda não decidiu se o chama de Adraike, Adauto, Andrade, Alade ou Radarde, mas o suposto parentesco com Lula é suficiente para que se vote nele. 
Bem, se Haddad é filho de Lula, a biografia do candidato terá de ser reescrita. Sai a ascendência árabe, de imigrantes vendedores de tecidos, e entra outra, de camponeses perambulando pela caatinga, entre esqueletos de vaca —muito melhor, aliás, para garantir votos na esquerda. Sai também o garoto que nunca andou descalço e teve todos os brinquedos que quis, e entra outro, ressentido, ambicioso e ladino, como seus irmãos —os filhos mais novos de Lula.  
Ser filho de Lula foi duro para o jovem e estudioso Fernando. Um dia, ele disse a seu pai que era admirador da Escola de Frankfurt e fã de Theodor Adorno, Max Horkheimer e Herbert Marcuse. Lula mandou-o esquecer esse negócio de escola no estrangeiro, ele iria mesmo era para um colégio público em São Bernardo. E, em vez daqueles professores de nome complicado, ele tomasse umas aulas com o frei Betto e a Marilena Chauí, que estavam lá para isso.   
Fernando achava que seu pai não o admirava muito. Lula nunca quis ler sua tese de doutorado em filosofia, “De Marx a Habermass — O Materialismo Histórico e seu Paradigma Adequado”. Em compensação, vibrava com os negócios duvidosos dos outros filhos envolvendo futebol americano, empresas de games e “consultoria” de tecnologias. 
Mas é claro que Haddad não é filho de Lula. Hoje sabemos que, a exemplo das amebas, que, por um processo de bipartição, geram seus iguais, o verdadeiro filho de Lula é Bolsonaro.
 


Ruy Castro
Jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues.

Democracia tem aprovação recorde no Brasil, FSP

Democracia tem aprovação recorde no Brasil

Para 69% dos eleitores no país, o regime democrático é a melhor forma de governo

Paulo Passos
SÃO PAULO
O apreço pela democracia nunca foi tão forte entre os brasileiros, segundo pesquisa Datafolha. Para 69% dos eleitores, o regime democrático é a melhor forma de governo para o país. 

O índice é o mais alto registrado desde 1989, no ano da primeira eleição para a Presidência da República após a ditadura militar (1964-1985), quando a questão foi aplicada pela primeira vez. 

Houve crescimento em relação à última pesquisa Datafolha sobre o tema, em junho de 2018, quando 57% dos eleitores apontaram a democracia como a melhor forma de governo. Na última pesquisa, realizada nos dias 3 e 4, 12% dos eleitores apontam a ditadura como um regime melhor do que a democracia. 

Outros 13% dos entrevistados disseram que “tanto faz” a forma de governo. Além disso, 5% não opinaram.

A pesquisa do Datafolha é um levantamento por amostragem estratificada por sexo e idade com sorteio aleatório dos entrevistados. O universo da pesquisa é composto pelos eleitores com 16 anos ou mais do país. No levantamento, foram realizadas 10.930 entrevistas presenciais em 389 municípios brasileiros. 
Urna eletrônica
Urna eletrônica - Pedro Ladeira/Folhapress

A margem de erro máxima é de dois pontos percentuais para mais ou para menos. O nível de confiança é de 95%. Isso significa que, considerando a margem de erro, a chance do resultado retratar a realidade é de 95%.

democracia brasileira é garantida pela Constituição Federal de 1988, que cita em seu primeiro artigo que a Assembleia Nacional Constituinte se reuniu para para instituir “um Estado Democrático”. 

O texto prevê eleições para sete cargos eletivos no Brasil: vereadores, deputados estaduais e federais, senadores, prefeitos, governadores e presidente. 

Na campanha eleitoral deste ano, representantes das duas chapas que lideram as pesquisas de intenções de voto—Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT)— citaram a possibilidade de uma nova Constituição caso sejam eleitos. 

O vice de Bolsonaro, general Hamilton Mourão, defendeu a criação de uma nova Carta, que seria formulada por “grandes juristas e constitucionalistas”.

“Uma Constituição não precisa ser feita por eleitos pelo povo. Já tivemos vários tipos de Constituição que vigoraram sem ter passado pelo Congresso eleitos”, afirmou o general, que no passado já defendeu intervenção militar em caso de instabilidade política.

Entre os eleitores de Bolsonaro, 22% avaliam que, em certas circunstâncias, é melhor uma ditadura, índice mais alto do que o registrado entre os eleitores de todos os presidenciáveis. 

A maioria dos que afirmam votar no capitão reformado, 64%, diz que a democracia é a melhor forma de governo. 

Na fatia dos eleitores de Haddad, por exemplo, somente 6% opinam que “em certas circunstâncias, é melhor a ditadura”. Outros 77% dos eleitores petistas defendem a forma de governo com eleições. 

Fernando Haddad (PT) inclui em seu programa de governo a possibilidade de convocar uma Assembleia Constituinte “democrática, livre, soberana e unicameral”, sob o argumento de esse ser um passo necessário para o restabelecimento do “equilíbrio entre os Poderes”, “assegurar a retomada do desenvolvimento e a “garantia de direitos”.

A ideia de se redigir uma nova Carta foi criticada pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro José Antonio Dias Toffoli. Segundo ele, não há razão para criar uma nova Constituição, que acaba de completar 30 anos.

“Não vejo motivo para Constituinte ou Assembleia Constituinte. Isso é querer a cada dez, 20, 30 anos reformatar toda jurisprudência já criada, toda leitura que já existe e querer começar a nação do zero”, declarou o ministro.

Nesta semana, Toffoli chamou de “movimento” o golpe de 1964, que instituiu a ditadura militar por mais de 20 anos no Brasil.

O maior índice de aprovação da democracia foi registrado entre os jovens. São 74% dos eleitores entre 16 e 24 anos que concordam que o regime com eleições diretas é “sempre a melhor forma de governo”.  São eleitores que  nasceram após a primeira eleição para presidente da República, realizada em 1989.

A opinião de que a democracia é uma forma de governo sempre superior a outras tem menos respaldo entre os menos escolarizados (55%), e mais apoio entre os mais escolarizados (84%). 

Entre os mais pobres, 63% apontam a democracia como melhor sistema de governo, índice que vai a 84% entre os entrevistados mais ricos. 

A opinião de que a democracia é uma forma de governo sempre superior a outras tem menos respaldo para os eleitores menos escolarizados (55%), e mais apoio entre os mais escolarizados (84%). Entre os mais pobres, 63% apontam a democracia como melhor sistema de governo, índice que vai a 84% no total de mais ricos.

Em setembro de 1989, quando a questão foi aplicada pelo Datafolha pela primeira vez, 43% viam a democracia como um sistema de governo melhor do que os demais, e 22% avaliavam que tanto fazia se o governo era uma democracia ou uma ditadura, além de 18% que consideravam, em certas circunstâncias, ditaduras melhores que democracias.

O menor índice foi registrado em fevereiro de 1992, quando 42% dos eleitores defendiam a democracia ante outras formas de governo.

Eleição presidencial é luta pela democracia no Brasil, FSP

O mundo está assistindo às eleições brasileiras provavelmente como nunca antes. "Jair Bolsonaro, a mais recente ameaça da América Latina", grita a manchete na capa da The Economist. Essa conservadora revista britânica adoraria ver o PT desaparecer da política brasileira. Mas nem eles têm estômago para Bolsonaro, que, em 2016, dedicou seu voto para afastar a presidente Dilma Rousseff ao coronel responsável por sua tortura.
Muitos fizeram a comparação com Donald Trump e, claro, há semelhanças - especialmente no racismo aberto e na misoginia dos dois políticos. E ambos devem grande parte de sua ascensão ao fracasso das políticas econômicas neoliberais. Mas a trajetória do Brasil para um cenário de ameaça ainda mais perigoso é uma reação de direita das tradicionais e corruptas elites do país contra as reformas econômicas positivas do PT, que beneficiaram a grande maioria dos brasileiros.
Em 2014, sob as Presidências de Lula e Dilma, a pobreza havia diminuído em 55%, a pobreza extrema em 65%, e o desemprego atingiu uma baixa recorde de 4,9%. Alguns desses ganhos foram perdidos quando a economia entrou em profunda recessão naquele ano, e a direita aproveitou-se dessa crise para se apoderar do que não puderam ganhar nas urnas em quatro eleições consecutivas.
Eles impugnaram Dilma e a tiraram do cargo sem nem sequer acusá-la de um crime; e então o juiz Sergio Moro mandou Lula para a prisão por um “suborno” que ele nunca aceitou, em um “julgamento” sem evidência material. O governo dos EUA enviou especialistas de seu Departamento de Justiça para “ajudar” nas investigações, e discretamente mostrou apoio à remoção de Dilma.
Mas a maior parte do eleitorado brasileiro podia ver que, embora todos os principais partidos políticos estivessem afetados pela corrupção, a decapitação do Partido dos Trabalhadores não era sobre justiça. Lula manteve a liderança nas pesquisas mesmo após sua condenação. E assim, tornou-se necessário proibir Lula de concorrer à Presidência, prendê-lo e restringir seu acesso à mídia.
Não funcionou; Fernando Haddad, ex-prefeito de São Paulo e escolha original de Lula para candidato a vice-presidente, subiu rapidamente nas pesquisas e muito provavelmente enfrentará Bolsonaro no segundo turno das eleições.
Algumas vozes importantes da mídia, que estão envergonhadas demais para apoiar abertamente Bolsonaro, tentaram pintar essa eleição como uma disputa entre "extremistas" da direita e da esquerda. Mas esta é uma equivalência falsa e perigosa. Haddad é um socialdemocrata moderado, um rótulo que também descreve razoavelmente bem as políticas de Lula e Dilma antes dele. Elas permitiram que a economia crescesse muito mais rapidamente do que durante os anos FHC, expandiram os programas de transferência condicionada de renda para os pobres, aumentaram o salário mínimo e aumentaram o investimento público.
Por outro lado, a emenda constitucional do atual governo para congelar os gastos reais do governo por 20 anos é uma medida extremista até mesmo para a grande maioria dos economistas. Esse extremismo tem gerado um extremismo ainda mais virulento junto com a política do medo e do ódio.

Bolsonaro e outros ex-militares - incluindo seu candidato a vice-presidente - levantaram dúvidas sobre a aceitação de resultados eleitorais indesejados. Pela primeira vez em décadas, a ameaça de uma ditadura militar está emergindo. Nenhum jornalismo responsável deve ignorar essa ameaça nem legitimar o extremismo que a fortalece. E qualquer um que se importe com a democracia no Brasil terá que apoiar o adversário de Bolsonaro no segundo turno da eleição.


Mark Weisbrot
Codiretor do Centro de Pesquisa Econômica e Política, em Washington.